domingo, 12 de novembro de 2017

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | O Dízimo



Adelino Cardoso Cassandra | Téla Nón | opinião

Soube, há dias, que o governo Santomense, resolveu, de supetão, como habitualmente se faz na nossa terra, sem qualquer estudo, reflexão, amplo debate ou simples apresentação de um projeto fundamentado que alicerçasse tal ambição, criar uma contribuição, (não sei se imposto ou taxa) paga por todos os cidadãos através da fatura da luz, como mecanismo de financiamento do serviço da rádio e televisão públicas.

Isto não é só incompetência ou mediocridade, caracterizador do nosso modus faciendi habitual, tipifica, também, um certo Chico-espertismo promotor da perversão dos valores básicos de um verdadeiro Estado de Direito Democrático.

Já não bastava termos uma televisão e rádio públicas, deprimentes e com pendor imobilista, ao serviço do ADI e do atual governo, agora temos todos que, financiá-la, também, para cumprimento de uma agenda ou propósito político-partidário bem definido.

Faz-me muita confusão a forma como as pessoas aceitam, caladas e ordeiras, como gado adestrado, esta autêntica afronta e engodo, em nome do interesse público, contribuindo com o seu próprio dinheiro e esforço, uma agenda ou necessidade privada, comportando-se como fiéis daquelas igrejas que passam a vida a entregar as suas poupanças aos pastores das mesmas. Isto não é imposto ou taxa nenhuma! É uma espécie de dízimo que, mensalmente, as pessoas entregam, contrariadas ou não, ao pastor, para diariamente terem direito, nas antenas da rádio e televisão públicas, à bênção, banalidades, inaugurações de templos bem como comunicados e proposta pastoral.

Faz algum sentido as pessoas estarem a financiar, com o seu próprio dinheiro, um bem, que, eventualmente, provoca, a médio e longo prazos, impactos indesejados na sociedade sem qualquer relevância para as nossas necessidades ou propósitos como comunidade? Os cidadãos, de uma forma geral, devem contribuir, individual e coletivamente, com os seus esforços financeiros, para a função de propaganda de uma rádio e televisão públicas que simplesmente servem os interesses de uma força política em detrimento das outras?

O serviço público de rádio e televisão, contando ou não com uma contribuição financeira por parte de todos os cidadãos, só faz sentido se incorporar, na sua formulação estratégica, a montante, a ideia de fomento e promoção da liberdade de expressão e pluralismo de opinião. Isto é o mínimo que se poderia exigir aos nossos governantes responsáveis por esta iniciativa.

O episódio recente em que o Conselho Superior de Imprensa deliberou a favor dos partidos da oposição, MLSTP e PCD, instruindo a televisão pública Santomense que criasse condições para que estes partidos exercessem os seus direitos de respostas, na TVS, tendo em conta o conteúdoda entrevista anterior do primeiro-ministro, na mesma estação de televisão, só vem demonstrar que, de facto, não existe liberdade de expressão e pluralismo de opinião na rádio e televisão públicas. Como é possível que estejamos todos a pagar uma rádio e televisão públicas que têm este comportamento?

Não podemos estar a dizer todos os dias, que o nosso objetivo, como comunidade, é a criação de uma sociedade livre, informada e plural e, paradoxalmente, criar condições para que a rádio e televisão públicas funcionem como obstáculos ao desenvolvimento destes preceitos, sendo, por absurdo, ainda por cima, financiadas pelos próprios cidadãos.

Sempre tive imensas dúvidas de que quem, objetiva ou subjetivamente, criou condições para acabar com um programa de debate público e plural numa rádio privada, que era dos programas radiofónicos com maior audiência no país, não poderia estar em condições de configurar um verdadeiro serviço público de rádio e televisão no país que desse resposta aos nossos problemas como comunidade. Provavelmente, o dinheiro que é retirado às pessoas, mensalmente, como contribuição, em forma de taxa ou imposto, para garantia deste hipotético serviço público de rádio e televisão públicas deveria ser canalizado para a rádio Jubilar para o cumprimento de obrigações neste âmbito. Isto, sim, era um verdadeiro serviço público e é uma pena que seja uma rádio privada a fazê-lo.

Sem comentários:

Mais lidas da semana