sábado, 12 de agosto de 2017

QUEM NOS QUALIFICOU COMO HOMO SAPIENS?



Portador de elevada inteligência, o animal homem tem diante de si todas as condições científicas e tecnológicas para criar um mundo mais equilibrado (ecologicamente), menos injusto (economicamente), mais fraterno (humanamente) e menos desigual (socialmente).

Acontece que, mesmo diante de todo esse cabedal de possibilidades, favoráveis à qualidade de vida e ao bem-estar das populações, o próprio homem vem se encaminhando para um sentido oposto, indo ao encontro da escuridão, dada suas ostensivas ações praticadas nesses últimos tempos.

Marcus Eduardo de Oliveira*

São vários os fatores condicionantes desse processo, começando, sobretudo, no descaso e no mau uso feito pelo Ser Humano em relação às coisas da natureza. Com direito ao emprego de uma fina ironia, só mesmo a nossa espécie, inteligente e sábia, é capaz de esgotar a própria fonte (natureza) de suporte à vida.

Paradoxalmente, a inteligência do animal homem tem sido capaz de promover o desserviço de nos aproximar do precipício existencial. A capacidade do homem de se autodestruir é incomensurável e se evidencia de diferentes maneiras: quer pelos alimentos consumidos, modificados e repletos de resíduos de agrotóxicos muito acima do permitido; quer pela água das nascentes frequentemente contaminadas com resíduos químicos; quer pelo ar que se respira, cada vez mais poluído por nossos carros e indústrias; e, principalmente, quer pelo tipo de economia de desperdício praticada (nunca houve tanta derrelição como agora), face à perniciosa e predominante "ideologia do consumismo".
Nos tempos atuais, verifica-se que no "dicionário" dos homens da atualidade, especialmente pelo flanco ecológico, não aparecem palavras como "limite", "moderação" ou "preservação"; por isso o animal homem, especialmente nos últimos 200 anos, parece não ter se dado conta da importância que é evoluir de forma equilibrada, respeitando integralmente o Meio Ambiente.

Na contramão, as palavras mais ditadas no culto à modernidade, notadamente pelo lado do sistema econômico, tem sido "produzir", "crescer", "consumir" e "descartar". Justamente por isso, enaltecendo a ideologia consumista, a devastação ambiental prepondera.

Serve de exemplo: os quatro ecossistemas que fornecem nossos alimentos (florestas, pradarias, pesqueiros e terras agrícolas), dado o crescimento econômico mundial dos últimos 70 anos, estão sendo levados ao esgotamento. Quatro bilhões de hectares de terras firmes já perderam a camada superior do solo, e 60% das reservas pesqueiras mundiais estão com taxas de retirada maiores que a sua capacidade de reposição.

Em diversos lugares do planeta, cada vez mais a biodiversidade tem sido diminuída. Sabe-se que estão sob ameaça de extinção uma em cada oito das 9.946 espécies de aves no mundo; uma em quatro das 4.763 espécies de mamíferos e quase um terço de todas as 25.000 espécies de peixes, de acordo com o Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas, publicado pelo World Conservation Union.

No início do século 20, a área florestal no mundo era estimada em 5 bilhões de hectares; atualmente, essa área encolheu para 2,9 bilhões de hectares. Apenas no período de 1990 a 1995, a perda de área florestal nos países em desenvolvimento atingiu, em média, 13 milhões de hectares por ano, ou, em geral, 6,5% de suas florestas a cada década.

O que se projeta para o futuro é desanimador: onze por cento das áreas naturais existentes no mundo poderão desaparecer completamente em 2030; quase 40% dos atuais terrenos agrícolas no mundo correm o risco de ser transformados em culturas intensivas; até 2030, 60% dos recifes de corais já não mais existirão; por volta do ano 2048, segundo a FAO/ONU, nenhum recurso alimentar poderá ser extraído dos oceanos.

Por volta de 2025, dois terços da humanidade viverão em locais onde a escassez de água atingirá níveis críticos. Fora isso, a contaminação das nascentes, como dissemos, tem sido devastadora: numerosos detergentes e pesticidas arrastados pelas águas fluviais têm poluído mares e oceanos, provocando efeitos nocivos e danosos sobre a fauna e a flora litorais, destruindo as comunidades costeiras, percorrendo a cadeia trófica marinha.

Quando olhamos para os dados sobre a poluição atmosférica nos assustamos: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), das 100 maiores cidades do planeta, 80 delas estão com poluição do ar acima do "normal". Na América Latina, por ano, morrem 35 mil pessoas por conta da poluição do ar; na Europa, também ao ano, são 150 mil mortes, e na Ásia, a impressionante cifra de quase 1 milhão de vidas ceifadas pelo mesmo motivo.

A agressão ao meio ambiente e a constante dilapidação de recursos naturais essenciais à vida humana não deixa dúvidas de que não estamos sabendo cuidar do planeta Terra, muito menos de nós próprios. Parece mesmo que nossa sapiência não tem sido usada para o lado do bem. Só resta então perguntar: quem foi o infeliz que um dia resolveu nos qualificar como homens sábios (homo sapiens)?  

*Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental prof.marcuseduardo@bol.com.br

- em Pravda.ru

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