segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Mutilação genital: Guineense combate prática entre famílias africanas na Espanha




Submetida à mutilação genital feminina aos 4 anos de idade, guineense combate prática entre famílias africanas na Espanha

Laura Olías - El Diário, Navarra – Opera Mundi

Fátima Djarra Sani trabalha desde 2008 em território espanhol para conscientizar famílias de imigrantes sobre os perigos da MGF: 'se nós mulheres africanas não nos levantarmos na luta contra a mutilação, ninguém vai fazê-lo por nós'

O dia começou como uma festa. Fátima Djarra Sani, nativa de Guiné-Bissau, tinha quatro anos e sua madrasta anunciou que seria “um grande dia” para ela e para sua irmã Binta, de oito anos. Elas foram lavadas cuidadosamente, e uma comitiva de mulheres, vestidas com suas melhores roupas, dançavam e cantavam. Nesse dia, em um banheiro que não passava de um cubículo sujo de cimento, extirparam-lhe o clitóris e os pequenos lábios da vulva. Para os mais velhos era a celebração de uma tradição, “porém nós agora sabemos que a mutilação é uma questão de saúde, que não tem nada de positivo”, explica Djarra, autora de “Indomable” [“Indomável”, em tradução livre], recém-publicado na Espanha.

Quando uma editora lhe propôs contar em livro sua vida, a de sua família e as complexidades sociais que ainda legitimam a mutilação em cerca de 28 países africanos, de acordo com as Nações Unidas, Djarra admite que ficou em dúvida. “Nesse dia, eu pensei muito. É um problema que não é apenas meu. É também da minha família. Na África, a família é tudo.” Porém, apesar das reservas, a resposta foi sim. Fátima sorri antes de pronunciar o pensamento que deu o pontapé inicial ao livro: “Se nós mulheres africanas não nos levantarmos na luta contra a mutilação, ninguém vai fazê-lo por nós.”

Antes da publicação do livro, ela viajou a seu país para explicar o projeto para sua família. Lá muitos não sabiam a que ela se dedicava. “Limpando”, responde um parente à pergunta sobre sua ocupação na Espanha. Djarra lhes contou então que trabalha como mediadora na organização Médicos do Mundo em Navarra desde 2008, e que dia a dia “sensibiliza outras mulheres sobre a mutilação”, para que as famílias decidam não submeter suas filhas a esta experiência.

A mutilação genital começa entre gritos de dor e lágrimas – às vezes engolidas com esforço para aparentar ser “uma mulher forte”, conta Djarra –, porém não termina quando a ferida para de sangrar. A mutilação afeta no mundo 149 milhões de mulheres e meninas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e marca as mulheres para a vida toda: na sua vida sexual e também ao vivenciar a maternidade, quando podem surgir mais complicações no parto. “Infecções vaginais e urinárias recorrentes, quistos e infertilidade” são algumas das consequências da mutilação genital feminina, segundo a OMS.

No livro, Djarra relata a primeira vez que manteve relações sexuais como “uma experiência horripilante”. Foi uma relação consensual, porém marcada pela dor: sua vulva nunca chegou a se desenvolver normalmente. As perguntas que a assombraram quando era criança ao ver imagens de genitais no colégio e o restante das complicações que sofreu ao longo dos anos a fizeram separar a mutilação genital do carinho e do respeito que ela tem para com seus costumes e sua cultura. “A mutilação não me deu nada de bom”, afirma.

Djarra trabalha com as comunidades africanas em Navarra mediante sua própria experiência, com as perguntas e os temores que a atormentaram. “Quando você se questiona, as coisas começam a mudar. Por que me fizeram isso? Para que serviu isso? Quais os benefícios para minha saúde e minha vida sexual?”, pergunta. “Se você pensa nessas questões, nunca vai querer fazer isso na sua filha”.

“Quando comecei, era muito difícil falar sobre o assunto da mutilação. Via rostos que pareciam que iriam me comer”, conta. “Comecei a falar sobre saúde sexual, conhecer nossas partes íntimas. E aí sai o assunto da mutilação porque, quando colocamos imagens do aparelho genital feminino, há mulheres que começam a perguntar: ‘O que é isso?’. ‘O clitóris’. ‘E por que eu não o tenho?’ Então, às vezes, elas se abrem e contam: ‘Me cortaram’”, explica Djarra.

Em outras ocasiões, os muros que erguem a vergonha e o medo são muito altos. “Você tem medo de ser humilhada, que riam de você. Porém também é um medo de trair sua família, sua comunidade. É a educação que te deram. A cultura que você tem. É a sua identidade como mulher”. E esses muros, esses temores, também estão na Espanha. “O livro também está destinado aos espanhóis, porque eles pensam que a mutilação está longe, e não é assim. A imigração está aqui. As africanas estão aqui, e este é um problema de saúde mundial”, diz.

Fátima não guarda rancor de sua família porque considera fundamental entender o contexto em que é executada esta violação dos direitos das mulheres, condenada na Assembleia Geral das Nações Unidas em uma resolução em 2012. “Na minha família, todas as mulheres foram mutiladas. Haviam lhes ensinado que era algo puro, eram boas mulheres. Uma mulher que não é mutilada não pode participar dos rituais. Ela é uma mulher suja.”

A falta de informação e de educação protege essas condutas, motivo pelo qual Djarra decidiu dedicar sua vida a esta questão para que não haja desculpas no futuro. “Nossas famílias, nossas mães, nossas avós pensavam que era algo bom para nós mulheres, porém agora sabemos que não é. Temos que lutar para que entendam que é ruim para a saúde.”

A mutilação, conta, precisa ser entendida em um contexto de violência estrutural contra as mulheres. “É uma violação dos direitos humanos e violência de gênero. Porém lá (na Guiné-Bissau) é algo normal. Seu marido pode te bater e você vai para a casa dos seus pais e eles te dizem: ‘Volta para casa, é o seu marido’. É como se seu marido fosse seu dono”. Hoje em dia, diz ela, as coisas estão mudando pouco a pouco. “Não tanto quanto na Espanha, porém estão lutando a favor da igualdade. Se você grita com seu marido na rua, diante de todos, você vai chamar muita atenção; porém, em casa, você pode fazer isso, e a mulher pode ter o controle.”

Djarra acredita que, na luta contra a mutilação genital feminina, as leis são indispensáveis. Como a que proibiu a mutilação em seu país de origem em 2011 ou a proibição na Espanha que pune com detenção os pais que permitem que suas filhas sejam mutiladas. “Mas sem meios, sem sensibilização, não se pode erradicar a prática. Em Guiné-Bissau a lei proíbe a mutilação desde 2011, porém a continuam realizando na área rural onde não há quem faça cumprir a lei, já que não há meios suficientes para tal.”

Na Espanha, em Navarro e na Catalunha, também existem protocolos para evitar que as meninas sejam mutiladas quando viajam de férias para seus países de origem. Elas devem passar por exame médico antes e depois da visita a seu país, e seus pais levam um documento em que se informa à família que, se a menina voltar para a Espanha mutilada, seus pais irão para a cadeia. Pretende-se desta forma que os parentes não obriguem os pais a mutilar as crianças; em muitos casos, estes familiares dependem do dinheiro enviado da Espanha e a prisão dos parentes migrantes cortaria essa via de rendimentos.

Djarra destaca também a necessidade de envolver as comunidades religiosas, que muitas vezes servem de apoio para as mutilações. “Eu vou com respeito. Na comunidade africana, os homens sabem mais sobre o Corão do que as mulheres, porque têm mais oportunidades para estudá-lo. O que eu lhes digo é que não há nenhum versículo do Corão que diga que é preciso mutilar as mulheres. Se o imã entende isso, pode sensibilizar os homens que frequentam a mesquita.” Nesse sentido, ela destaca o fatwa – pronunciamento legal sobre uma questão específica emitido por um especialista na lei islâmica – assinado por 170 imãs contra a mutilação.

Djarra espera que, um dia, a tradição não proteja o que para ela é uma violação de direitos humanos. Ela diz que vive entre dois mundos, que se complementam e a enriquecem. Sua mãe só a registrou quando Guiné-Bissau obteve sua independência de Portugal, em 1973. Foi então que ela acrescentou seu sobrenome nativo, Djarra, ao nome de Fátima. Ela, como sua mãe, busca preservar as tradições, mas somente aquelas que merecem ser preservadas. “A mutilação, não”, diz ela.

Tradução: Mari-Jô Zilveti - Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.

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Israel: suspeitos de crimes de ódio contra palestinos serão presos sem julgamento



Opera Mundi, São Paulo

Detenção sem acusação, provas ou julgamento, antes reservada a palestinos suspeitos de terrorismo, será estendida a cidadãos israelenses; milhares de pessoas foram às ruas do país em protestos em repúdio à violência

O ministro da Defesa de Israel, Moshe Ya’alon, declarou neste domingo (02/08) que instruiu o Shin Bet, serviço de segurança israelense, a aplicar a chamada “prisão administrativa” contra cidadãos israelenses suspeitos de envolvimento em ataques terroristas contra palestinos.

A medida se dá em resposta ao ataque contra a família palestina Dawabsha na última sexta-feira (31/07) em Duma, na Cisjordânia, em que um bebê de 18 meses foi morto quando sua casa foi incendiada por colonos israelenses em um ataque que deixou seus pais e seu irmão gravemente feridos.

Atualmente em Israel, a “prisão administrativa” ou detenção sem julgamento se dá somente contra palestinos. Para o jornal britânico The Guardian, sua extensão para cidadãos israelenses é um sinal da frustração do governo diante da dificuldade em identificar os responsáveis pelo último ataque. Nenhuma pessoa foi presa até agora e nenhum grupo reivindicou a responsabilidade pelo ataque em Duma.

“Não temos escolha a não ser tratar suspeitos de crimes de ódio contra palestinos da mesma maneira que tratamos palestinos suspeitos de terrorismo”, declarou um oficial israelense à Rádio Israel neste domingo.

A prisão administrativa permite detenção de suspeitos sem acusação e sem provas por período indeterminado. Em teoria, ela “dá tempo” para que investigadores reúnam provas e evitem novos ataques, mas Israel é acusada de abusar deste procedimento para manter palestinos atrás das grades sem julgamento.

De acordo com o The Guardian, este procedimento é permitido pela lei internacional somente em circunstâncias extremas, mas ao longo dos anos Israel a tem aplicado contra milhares de palestinos, presos sem julgamento por anos a fio. Segundo a associação israelense por direitos humanos B’Tselem, até junho de 2015, 5.442 palestinos estavam presos nestas condições.

Nos últimos anos, houve centenas de casos de ataques como o de Duma, em que inscrições incitando o ódio a palestinos são deixadas no local, e outros incidentes violentos contra a população árabe e palestina em Israel. Desde 2011, 17 mesquitas e igrejas foram incendiadas por extremistas israelenses, e nenhuma pessoa foi presa.

Manifestações antiviolência

Dois dias após o ataque contra a comunidade LGBT e no dia seguinte ao incêndio na casa da família palestina Dawabsha, milhares de pessoas se concentraram neste sábado (01/08) em várias partes de Israel em repúdio à violência e à radicalização extremista de parte da comunidade religiosa do país.

Em Tel Aviv, mais de três mil pessoas participaram de ato convocado pela ONG Peace Now na Praça Rabin, segundo a Agência Efe. Os participantes fizeram um minuto de silêncio em homenagem ao bebê Ali Dawabsha.

O chefe da oposição israelense e líder trabalhista, Isaac Herzog, qualificou o ataque da última sexta-feira de "massacre". "Choramos pelo bebê e pela família. Terrorismo é terrorismo e ponto. Terroristas são terroristas e ponto. Estendo a minha mão ao povo palestino e a seus dirigentes e peço que façamos a paz", disse ele.

Nasser Dawabsha, tio do bebê morto em Duma, na Cisjordânia, também participou da manifestação em Tel-Aviv. “Netanyahu oferece suas condolências, mas nós pedimos ao ministro da Defesa e à IDF [Forças de Defesa de Israel] que restaure a segurança em Duma e em todas as vilas palestinas. Queremos que este seja o fim do sofrimento de nosso povo. Antes de Ali houve Mohammed Abu Khdeir [palestino de 16 anos sequestrado e morto por colonos israelenses em julho de 2014] e não sabemos quem será o próximo.”

Em Jerusalém, o presidente de Israel, Reuven Rivlin, discursou diante de milhares de pessoas condenando o ataque à família palestina. “As chamas tomaram nosso país. As chamas da violência, do ódio, de crenças falsas e distorcidas. As chamas que permitem o derramamento de sangue em nome da Torá, da lei, da moralidade, de um amor por Israel.” Rivlin falou sobre sua visita à família Dawabsheh, que segue internada em estado crítico, na última sexta-feira (3107). “Eu os visitei em silêncio, envergonhado, tomado pelo desprezo pelo poder do ódio.”

“Cidadãos de Israel, de uma Israel judaica e democrática, precisamos acordar hoje”, disse Rivlin. “A Israel da Declaração da Independência, a Israel envisionada pelos profetas, a Israel da compaixão e da misericórdia, precisa acordar hoje.”

Também houve manifestações em Haifa e na cidade de Be'er Sheva em repúdio à violência contra palestinos.

Ato contra homofobia

Outra manifestação em Tel Aviv, já planejada para marcar os seis anos de um ataque a um centro para a juventude LGBT em que duas pessoas foram mortas, se tornou um protesto antiviolência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans após o ataque à Parada Gay de Jerusalém na última quinta-feira. Na ocasião, seis pessoas foram esfaqueadas por um judeu ultraortodoxo recém-saído da cadeia por ter feito o mesmo em 2005. Duas das vítimas continuam no hospital em estado grave.

Segundo o jornal israelense Haaretz, cerca de 10 mil pessoas participaram da manifestação. O prefeito da cidade, Ron Huldai, e o ex-presidente de Israel Shimon Peres foram algumas das personalidades políticas que participaram e discursaram durante o ato.

*Com Efe, The Guardian e Haaretz

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A ACELERADA CONSTRUÇÃO DO DESPOTISMO OCIDENTAL




Sujeição da Grécia e do Syriza indica: vivemos etapa final de desmonte da velha democracia. Esquerda só poderá enfrentar tal retrocesso se souber reinventar-se

Boaventura de Sousa Santos – Outras Palavras

A Europa transformou-se num laboratório do futuro. O que nele se experimenta deve causar preocupação a qualquer democrata e, muito mais, a qualquer pessoa de esquerda. Duas experiências estão em curso em ambiente laboratorial, isto é, supostamente controlado. A primeira experiência é um teste de stress à democracia. A hipótese que orienta o teste é a seguinte: a deliberação democrática de um país forte pode sobrepor-se antidemocraticamente à deliberação democrática de um país fraco sem que tal altere a normalidade da vida política europeia. As condições para o êxito desta experiência são três: controlar a opinião pública de modo que os interesses nacionais do país mais forte sejam convertidos no interesse comum da zona euro; dispor de um conjunto de instituições não eleitas (Eurogrupo, BCE, FMI, Comissão Europeia) capazes de neutralizar e punir qualquer deliberação democrática que desobedeça ao diktat do país dominante; demonizar o país mais fraco de modo a que não suscite nenhuma simpatia junto dos eleitores dos restantes países europeus, especialmente junto dos eleitores dos países candidatos a desobedecer.

A Grécia é a cobaia desta tenebrosa experiência. Trata-se do segundo exercício de ocupação colonial do século XXI (o primeiro foi a Missão de Estabilização da ONU no Haiti a partir de 2004), um colonialismo de tipo novo, executado com o consentimento do país ocupado, ainda que sob inaudita chantagem. E, tal como o velho colonialismo, justificado como servindo o melhor interesse do país ocupado. A experiência está em curso e os resultados do teste de stress são incertos. Ao contrário dos laboratórios, as sociedades não são ambientes controlados, por maior que seja a pressão para os controlar. Uma coisa é certa: depois desta experiência, qualquer que seja o seu resultado, a Europa não será mais a Europa da paz, da coesão social e da democracia. Será o epicentro de um novo despotismo ocidental, rivalizando em crueldade com o despotismo oriental estudado por Karl Marx e Max Weber.

A segunda experiência em curso é um exercício sobre a solução final para a esquerda europeia. A hipótese que orienta esta experiência é a seguinte: não há lugar na Europa para a esquerda na medida em que esta reivindicar a existência de uma alternativa às políticas de “austeridade” impostas pelo país dominante.

As condições para o êxito desta experiência são três. A primeira consiste em provocar a derrota preventiva dos partidos de esquerda, punindo de maneira brutal o primeiro que tentar desobedecer. A segunda consiste em criar nos eleitores a ideia de que os partidos de esquerda não os representam. Até agora, a ideia de que “os representantes não nos representam” era uma bandeira do movimento dos indignados e do Occupy, contra os partidos de direita e seus aliados. Depois de o Syriza ser forçado a beber o cálice da cicuta austeritária, apesar do “não” do referendo grego que ele próprio apoiara, os eleitores serão levados a concluir que, afinal, também os partidos de esquerda não os representam. A terceira condição consiste em aprisionar a esquerda em falsas opções entre falsos Planos A e Planos B.

Nos últimos anos, a esquerda dividiu-se entre os que pensam que é melhor permanecer no euro e os que pensam que é melhor sair do euro. Ilusão: nenhum país pode optar por sair ordenadamente do euro, mas, se desobedecer, será expulso e o caos desabará implacavelmente sobre ele. Passa-se o mesmo com a restruturação da dívida que até agora tanto dividiu a esquerda. Ilusão: a restruturação ocorrerá quando tal servir os interesses dos credores e é por isso que mais esta bandeira de alguma esquerda se transforma agora numa política do FMI.

Também os resultados desta experiência são incertos e pelas mesmas razões acima referidas. Uma coisa é certa: para sobreviver a esta experiência, a esquerda terá de se refundar para além do que é hoje imaginável. Tal envolverá muita coragem, muita audácia e muita criatividade.

Assange: A HISTÓRIA NÃO CONTADA DE UMA LUTA HERÓICA PELA JUSTIÇA



John Pilger

Este artigo é uma versão actualizada da investigação feita em 2014 por John Pilger, com a história não contada de uma campanha implacável – na Suécia e nos EUA – para recusar justiça a Julian Assange e silenciar a WikiLeaks:   uma campanha que agora atinge uma etapa perigosa.

O cerco de Knightsbridge [NR] é símbolo de uma injustiça brutal e de uma farsa repugnante. Durante três anos, um cordão policial em torno da Embaixada do Equador em Londres serviu só para ostentar o poder do estado. Ele já custou £12 milhões. A caça é um australiano que não é acusado de qualquer crime, um refugiado cuja única segurança é a sala que lhe foi dada por um corajoso país sul-americano. O seu "crime" foi ter iniciado uma onda de verdade numa era de mentiras, cinismo e guerra.

A perseguição a Julian Assange está prestes a inflamar-se outra vez pois entra numa etapa perigosa. A partir de 20 de Agosto, três quartos do processo do promotor sueco contra Assange quanto a uma [alegada] má conduta sexual em 2010 desaparecerá pois a lei das prescrições o determina. Ao mesmo tempo, a obsessão de Washington com Assange e a WikiLeaks intensifica-se. Na verdade, é a vingativa potência americana que constitui a maior ameaça – como Chelsea Manning e aqueles ainda mantidos em Guantanamo podem confirmar.

Os americanos estão a perseguir Assange porque a WikiLeaks revelou seus crimes monstruosos no Afeganistão e no Iraque:   a matança por atacado de dezenas de milhares de civis, que eles encobriam, e o seu desprezo pela soberania e o direito internacional, como demonstrado incisivamente pela fuga dos seus telegramas diplomáticos. A WikiLeaks continua a revelar a actividade criminosa dos EUA, tendo acabado de publicar intercepções top secret dos EUA – relatórios de espiões americanos pormenorizando chamadas telefónicas privadas dos presidentes da França e da Alemanha, bem como de outros altos responsáveis, relativas à política interna e assuntos económicos europeus.

Nada disto é ilegal sob a Constituição dos EUA. Como candidato presidencial em 2008, Barack Obama, então professor de direito constitucional, louvou os denunciantes como "parte de uma democracia saudável [que] devem ser protegidos de represálias". Em 2012, na campanha da reeleição o presidente Barack Obama jactou-se no seu sítio web de ter processado mais denunciantes nos seu primeiro mandato do que todos os outros presidentes dos EUA somados. Antes mesmo de Chelsea Manning ter tido um julgamento, Obama declarou o denunciante como culpado. Ele foi a seguir sentenciado a 35 anos de prisão, tendo sido torturado durante a sua longa detenção anterior ao julgamento.

Há pouca dúvida de que se os EUA pusessem suas mãos sobre Assange, um destino semelhante o aguardaria. Ameaças de captura e assassinato de Assange tornaram-se a moeda corrente dos extremistas políticos nos EUA depois de o vice-presidente Joe Biden ridiculamente caluniar o fundador da WikiLeaks como "ciber-terrorista". Aqueles que duvidam do grau de brutalidade que Assange pode esperar deveriam recordar a aterragem forçada do avião do presidente boliviano em 2013 – por se acreditar erradamente que transportava Edward Snowden.

Segundo documentos divulgados por Snowden, Assange está numa "Lista de alvos humanos a caçar". A ânsia de Washington para obtê-lo, dizem telegramas diplomáticos australianos, é "sem precedentes na escala e na natureza". Em Alexandria, Virgínia, um grande júri passou cinco anos a tentar imaginar um crime pelo qual Assange pudesse ser processado. Isto não é fácil. A Primeira Emenda à Constituição dos EUA protege editores, jornalistas e denunciantes.

Confrontado com esta barreira constitucional, o Departamento de Justiça imaginou acusações de "espionagem", "conspiração para cometer espionagem", "conversão" (roubo de propriedade do governo), "fraude e abuso computacional" (hacking) e "conspiração" geral. A lei do Espionage Act inclui disposições de prisão perpétua e pena de morte.

A capacidade de Assange para defender-se neste mundo kafkiano foi prejudicada pelo facto de os EUA terem declarado o seu caso como segredo de estado. Em Março, um tribunal federal em Washington impediu a divulgação de toda informação acerca da investigação de "segurança nacional" contra a WikiLeaks, porque estava "activa e em andamento" e causaria danos ao "iminente processo" contra Assange. O juiz, Barbara J. Rosthstein, disse que era necessário mostrar "deferência apropriada para com o executivo em matérias de segurança nacional". Esta é a "justiça" feita por um simulacro de tribunal (kangaroo court). 

O acto que suporta esta farsa sombria está na Suécia, desempenhado pela promotora sueca Marianne Ny. Até recentemente, Ny recusava-se a cumprir um procedimento europeu de rotina que requeria viajar a Londres a fim de interrogar Assange e assim avançar o caso. Durante quatro anos e meio Ny nunca explicou adequadamente porque se recusava a vir a Londres, assim como as autoridades suecas nunca explicaram porque se recusavam a dar a Assange uma garantia de que não o extraditariam para os EUA sob um esquema secreto acordado entre Estocolmo e Washington. Em Dezembro de 2010, The Independent revelou que os dois governos haviam discutido antecipadamente sua extradição para os EUA.

Contrariando a sua reputação da década de 1960 como bastião liberal, a Suécia aproximou-se tão estreitamente de Washington que tem permitido "rendições" secretas da CIA – incluindo a deportação ilegal de refugiados. A rendição e subsequente tortura de dois refugiados políticos egípcios em 2001 foram condenadas pelo Comité da ONU contra a Tortura, pela Amnistia Internacional e pelo Human Rights Watch. A cumplicidade e duplicidade do estado sueco estão documentadas em sucessivas litigações civis e em telegramas da WikiLeaks. No Verão de 2010, Assange fugiu para a Suécia a fim de falar acerca de revelações da WikiLeaks acerca da guerra no Afeganistão – na qual a Suécia tinha forças sob comando estado-unidense.

"Documentos divulgados pela WikiLeaks desde que Assange foi para a Inglaterra", escreveu Al Burke, editor do Nordic New Network online, uma autoridade sobre as múltiplas reviravoltas e perigos enfrentados por Assange, "indicam claramente que a Suécia submeteu-se sistematicamente à pressão dos Estados Unidos em matérias relativas a direitos civis. Há toda a razão de preocupação em que se Assange for tomado em custódia pelas autoridades suecas, ele podia ser entregue aos Estados Unidos sem a devida consideração dos seus direitos legais".

Por que a promotora sueca não resolveu o caso Assange? Muitos na comunidade legal na Suécia acreditam que o seu comportamento é inexplicável. Outrora implacavelmente hostil a Assange, a imprensa sueca tem publicado manchetes tais como: "Vá para Londres, pelo amor de Deus".

Por que ela não foi? Mais exactamente, por que não permitirá ela que o tribunal sueco tenha acesso a centenas de mensagens SMS que a polícia extraiu do telefone de uma das duas mulheres envolvidas nas alegações da má conduta? Por que ela não as passa para as mãos dos advogados suecos de Assange? Ela diz que não lhe é legalmente requerido fazer isso até que uma acusação formal seja apresentada e ela o tiver interrogado. Então, por que ela não o interroga? E se ela o interrogasse, as condições que exigiria dele e dos seus advogados – que eles não poderiam contestar – fariam da injustiça uma quase certeza.

Num ponto da lei, o Supremo Tribunal Sueco decidiu que Ny pode continuar a obstruir na questão vital das mensagens SMS. Isto agora irá ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. O que Ny teme é que as mensagens SMS destruirão o seu processo contra Assange. Uma das mensagens torna claro que uma das mulheres não queria quaisquer acusações contra Assange, "mas a polícia ansiava em conseguir a sua retenção". Ela ficou "chocada" quando eles o prenderam porque ela apenas "queria que fizesse um teste [de HIV]". Ela "não queria acusar JA de qualquer coisa" e "foi a polícia que inventou as acusações". (Numa declaração como testemunha, ela é citado como tendo dito que fora "atropelada pela polícia e outros em torno dela").

Nenhuma das duas mulheres afirmou que fora violada. Na verdade, ambas negaram que tivessem sido violadas e uma enviou uma mensagem pelo Twitter a dizer "Não fui violada". Que elas foram manipuladas pela polícia e que as suas vontades foram ignoradas é evidente – não importa o que possam dizer agora os seus advogados. Certamente ambas são vítimas de uma saga que arruína a própria reputação da Suécia.

Para Assange, seu único julgamento tem sido o julgamento dos media. Em 20 de Agosto de 2010, a polícia sueca abriu uma "investigação de violação" e imediatamente – e ilegalmente – contou aos tablóides de Estocolmo que havia uma autorização (warrant) para a prisão de Assange pela "violação de duas mulheres". Esta foi a notícia posta a correr em todo o mundo.

Em Washington, um sorridente secretário da Defesa, Robert Gates, disse aos repórteres que a prisão "soa como boa notícia para mim". Contas do Twitter associadas ao Pentágono descrevem Assange como um "violador" e um "fugitivo".

Menos de 24 horas depois, a Promotora Chefe de Estocolmo, Eva Finne, assumiu o comando da investigação. Ela não desperdiçou tempo em cancelar o mandato de prisão, dizendo "Não acredito que haja qualquer razão para suspeitar que ele cometeu violação". Quatro dias depois, ela descartou também a investigação de violação, dizendo: "Não há suspeita de qualquer crime que seja". O processo foi encerrado.

Entra em cena Claes Borgstrom, um político importante do Partido Social-Democrata então a posicionar-se como candidato na iminente eleição geral sueca. Poucos dias depois de a promotora chefe encerrar o caso, Borgstrom, um advogado, anunciou aos media que estava a representar as duas mulheres e que havia procurado uma promotora diferente na cidade de Gotemburgo. Esta era Marianne Ny, à qual Borgstrom conhecia bem, pessoalmente e politicamente.

No dia 30 de Agosto, Assange compareceu voluntariamente a uma esquadra de polícia em Estocolmo e respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram. Ele entendeu que era o fim do assunto. Dois dias depois, Ny anunciou que estava a reabrir o caso. Um repórter sueco perguntou a Borgstrom porque o caso prosseguia quando já havia sido arquivado, citando uma das mulheres como tendo disto que não fora violada. Ele respondeu: "Ah, mas ela não é uma advogada". O advogado australiano de Assange, James Catlin, respondeu: "Isto é de gargalhadas... É como se eles inventassem para irem em frente"

No dia em que Marianne Ny reactivou o caso, o chefe do serviço de inteligência militar sueco – o qual tem a sigla MUST – denunciou publicamente a WikiLeaks num artigo intitulado "WikiLeaks [é] uma ameaça para nossos soldados". Assange foi advertido que o serviço de inteligência sueca, SAPO, fora informado pelo seu parceiro dos EUA que os acordos de partilha de inteligência EUA-Suécia seriam "cortados" se a Suécia o abrigasse.

Durante cinco semanas, Assange esperou na Suécia para que a nova investigação seguisse o seu curso. The Guardian estava então à beira de publicar os "War Logs" do Iraque, baseado nas revelações da WikLeaks", os quais Assange devia supervisionar. Seu advogado em Estocolmo perguntou a Ny se ela tinha alguma objecção à sua saída do país. Ela disse que ele era livre para deixá-lo.

Inexplicavelmente, assim que ele deixou a Suécia – na altura do interesse dos media e do público nas revelações da WikiLeaks – Ny emitiu um Mandato de Prisão Europeu (European Arrest Warrant, EAW) e um "alerta vermelho" da Interpol, normalmente utilizado para terroristas e criminosos perigosos. Publicado em cinco línguas em todo o mundo, isto assegurou o furor dos media.

Assange compareceu a uma esquadra de polícia em Londres, foi preso e passou dez dias na Wandsworth Prison, em confinamento solitário. Libertado com uma fiança de £340 mil, ele foi recebeu uma pulseira electrónica, foi-lhe exigido comparecer à polícia diariamente e foi colocado sob prisão virtual em casa enquanto o seu caso começava sua longa jornada no Supremo Tribunal do Reino Unido. Ele ainda não fora acusado de qualquer delito. Seus advogados reiteraram a sua oferta de ser interrogado por Ny em Londres, destacando que ela lhe havia dado permissão para abandonar a Suécia. Eles sugeriram uma instalação especial na Scotland Yard utilizada habitualmente para esse fim. Ela recusou.

Katrin Axelsson e Lisa Longstaff da Mulheres contra a violação (Women Against Rape) escreveram: "As alegações contra [Assange} são uma cortina de fumo por trás das quais um certo número de governos estão a tentar impedir a acção da WikiLeaks por ter audaciosamente revelado ao público seu planeamento secreto de guerras e ocupações com o seu cortejo de violações, assassínios e destruição... As autoridades importam-se tão pouco acerca da violência contra mulheres que elas manipulam alegações de violação à vontade. [Assange] deixou claro que está disponível para interrogatório pelas autoridades suecas, na Grã-Bretanha ou via Skype. Por que estão ela a recusar este passo essencial na sua investigação? O que é que ela temem?

Esta pergunta ficou por responder quando Ny avançou com o Mandato Europeu de Prisão, um draconiano e agora desacreditado produto da "guerra ao terror" destinado supostamente a apanhar terroristas e criminosos organizados. O EAW aboliu a obrigação de um estado que faz o pedido providenciar qualquer evidência de um crime. Mais de um milhar de EAWs são emitidas a cada mês, só umas poucas têm algo a ver com potenciais acusações de "terror". A maior parte é emitida por delitos triviais, tais como juros de mora de bancos e multas. Muitos daqueles extraditados enfrentam meses na prisão, sem acusação. Tem havido um número chocante de atropelos à justiça, dos quais juízes britânicos têm sido altamente críticos.

O caso Assange finalmente chegou ao Supremo Tribunal do Reino Unido em Maio de 2012. Num julgamento que confirmou o EAW – cujas exigências rígidas quase não deixavam espaço de manobra para os tribunais – os juízes consideraram que promotores europeus podiam emitir mandatos de extradição no Reino Unidos sem qualquer supervisão judicial, muito embora o Parlamento pretendesse o contrário. Eles deixaram claro que o Parlamento havia sido "enganado" ("misled") pelo governo Blair. O tribunal ficou dividido, 5-2, e consequentemente considerou contra Assange.

Contudo, o Presidente do Supremo Tribunal, Lord Phillips, cometeu um erro. Ele aplicou a Convenção de Viena sobre a interpretação do tratado, permitindo à prática do estado suprimir a letra da lei. Como destacou a advogada de Assange, Dinah Rose QC, isto não se aplica ao EAW.

O Tribunal Supremo só reconheceu este erro crucial quando tratou de outro apelo contra o EAW, em Novembro de 2013. A decisão Assange fora errada, mas era demasiado tarde para voltar atrás. Com a extradição iminente, a promotora sueca disse aos advogados de Assange que este, uma vez na Suécia seria imediatamente colocado numa das infames prisões do país.

As opções de Assange eram drásticas: extradição para um país que se havia recusado a dizer se o enviaria ou não para os EUA, ou procurar o que parecia a sua última oportunidade de refúgio e segurança. Apoiado pela maior parte da América Latina, o corajoso governo do Equador concedeu-lhe o estatuto de refugiado na base de evidência documentada e aconselhamento legal uma vez que enfrentava a perspectiva de punição cruel e inabitual nos EUA; que isto violava seus direitos humanos básicos; e que o seu próprio governo na Austrália o havia abandonado e entrado em conivência com o de Washington. O governo trabalhista da primeira-ministra Julia Gillard ameaçou-o mesmo de tomar o seu passaporte.

Gareth Peirce, a famosa advogada de direitos humanos que representa Assange em Londres, escreveu ao então ministro dos Estrangeiros australiano, Kevin Rudd: "Dada a extensão da discussão pública, frequentemente na base de suposições inteiramente falsas... é muito difícil tentar preservar-lhe qualquer presunção de inocência. O sr. Assange tem agora pendente sobre ele não uma mas duas espadas de Damocles, da extradição potencial para duas diferentes jurisdições uma após a outra por dois diferentes alegados crimes, nenhum dos quais são crimes no seu próprio país, e que a sua segurança pessoal ficou em risco em circunstâncias que são altamente politicamente carregadas".

Só quando contactou a Alta Comissão Australiana em Londres é que Peirce recebeu uma resposta, a qual nada esclarecia acerca dos pontos prementes que ela levantara. Numa reunião a que compareci junto com ela, o cônsul geral australiano, Ken Pascoe, fez a espantosa afirmação de que sabia "só o que leio nos jornais" acerca dos pormenores do caso.

Enquanto isso, a perspectiva de uma grotesca perversão da justiça estava submersa numa campanha vituperante contra o fundador da WikiLeaks. Ataques profundamente pessoais, mesquinhos, viciosos e desumanos foram lançados contra um homem não acusado de qualquer crime mas sujeito a um tratamento não atribuído sequer a quem enfrenta a extradição sob a acusação de assassinar a sua esposa. Que o facto de a ameaça dos EUA a Assange era uma ameaça a todos os jornalistas, à liberdade de expressão, ficou perdido em meio a sordidez.

Foram publicados livros, acordos impressionantes para filmes e lançadas carreiras nos media nas costas da WikiLeaks e no pressuposto de que Assange era uma vítima fácil para ataques e de que era demasiado pobre para abrir processos. Houve gente que ganhou dinheiro, muitas vezes muito dinheiro, enquanto a WikiLeaks lutou para sobreviver. O editor do Guardian, Alan Rusbridger, chamou às revelações da WikiLeaks, publicadas pelo seu jornal, de "um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos". Tornou-se parte do seu plano de marketing para aumentar o preço de capa do jornal.

Sem que nem um centavo fosse para Assange ou para a WikiLeks, um publicitado livro do Guardian levou a um lucrativo filme de Hollywood. Os autores do livro, Luke Harding e David Leight, gratuitamente descreveram Assange como uma "personalidade defeituosa" e "insensível". Eles também revelaram a password secreta que ele havia dado ao jornal em confiança, a qual era destinada a proteger um ficheiro digital contendo os telegramas da embaixada dos EUA. Com Assange agora aprisionado na embaixadora equatoriana, Harding, posicionando-se ao lado da polícia, regozijava-se no seu blog de que "a Scotland Yard pode ser a última a rir".

A injustiça cometida a Assange foi uma das razões porque o Parlamento reformou o Extradiction Act, para impedir a má utilização do EAW. A draconiana generalidade utilizada contra ele já não podia acontecer agora; agora teria de conter acusações e o "interrogatório" seria um fundamento insuficiente para a extradição. "O seu caso venceu completamente", contou-me Gareth Peirce, "estas mudanças na lei significa que agora o Reino Unido reconhece como correcto tudo o que foi argumentado no seu caso. Mas ele não se beneficiou". Por outras palavras, a mudança na lei do Reino Unido em 2014 significa que Assange teria ganho o seu processo e não teria sido obrigado a pedir asilo.

A decisão do Equador em 2012 de proteger Assange floresceu num grande assunto internacional. Muito embora a concessão de asilo seja um acto humanitário, e o poder de concedê-lo seja desfrutado por todos os estado sob o direito internacional, tanto a Suécia como o Reino Unido recusaram a legitimidade da decisão do Equador. Ignorando o direito internacional, o governo Cameron recusou-se a conceder a Assange passagem segura para o Equador. Ao invés disso, a embaixada do Equador foi colocada sob cerco e o seu governo abusado com uma séries de ultimatos. Quando o Foreign Office de William Hague ameaçou violar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, advertindo que retiraria a inviolabilidade diplomática da embaixada e enviaria a polícia em busca de Assange, o ultraje por todo o mundo forçou o governo a recuar. Durante uma noite, a polícia apareceu às janelas da embaixada numa tentativa óbvia de intimidar Assange e seus protectores.

Desde então, Julian Assange tem sido confinado a uma pequena sala sob a protecção do Equador, sem luz do sol ou espaço para fazer exercício, cercado pela polícia com ordens para prendê-lo à primeira vista. Durante três anos o Equador deixou claro ao promotor sueco que Assange está disponível para ser interrogado na embaixada em Londres e durante três anos ela permaneceu intransigente. No mesmo período a Suécia interrogou quarenta e quatro pessoas no Reino Unidos em conexão com investigações policiais. O seu papel e aquele do estado sueco são comprovadamente políticos; e para Ny, que se depara com a reforma dentro de dois anos, ela deve "vencer".

Em desespero, Assange contestou o mandato de prisão nos tribunais suecos. Seus advogados citaram decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de que ele tem estado sob detenção arbitrária, indefinida, e de que tem sido um prisioneiro virtual por mais tempo do que qualquer sentença real de prisão que pudesse enfrentar. O juiz do Tribunal de Recurso concordou os advogados de Assange: a promotora havia na verdade violado o seu dever ao manter o caso suspenso durante anos. Um outro juiz emitiu uma repreensão à promotora. E ainda assim ela desafiou o tribunal.

Em Dezembro último, Assange levou o seu caso ao Supremo Tribunal Sueco, o qual ordenou ao patrão de Marianne Ny – o Promotor Geral da Suécia Anders Perklev – que explicasse. No dia seguinte, Ny anunciou, sem explicação, que ela havia mudado de ideia e que agora interrogaria Assange em Londres.

Na sua submissão ao Supremos Tribunal, o Promotor Geral fez algumas concessões importantes: argumentou que a coerção de Assange fora "intrusiva" e que o período na embaixada fora uma "grande tensão" sobre ele. Perklev concedeu mesmo que se a matéria houvesse chegado a processo, julgamento, condenação e cumprimento de uma sentença na Suécia, Julian Assange teria deixado a Suécia há muito tempo.

Numa decisão dividida, um juiz do Supremo Tribunal argumentou que o mandato de prisão deveria ter sido revogado. A maioria dos juízes decidiu que, uma vez que a promotora agora havia dito que iria a Londres, os argumentos de Assange haviam-se tornado "controversos" ("moot"). Mas o Tribunal determinou que teria de considerar contra a promotora se ela não houvesse subitamente mudado de ideia. A justiça por capricho. Escrevendo na imprensa sueca, um antigo promotor do país, Rolf Hillegren, acusou Ny de perder toda a imparcialidade. Ele descreveu o seu investimento pessoal no caso como "anormal" e pediu que fosse substituída.

Tendo dito que iria a Londres em Junho, Ny não foi, mas enviou um adjunto (deputy), sabendo que o interrogatório não seria legal nestas circunstâncias, especialmente quando a Suécia não se incomodou em obter a aprovação do Equador para a reunião. Ao mesmo tempo, o seu gabinete avisou o Expressen, jornal tablóide sueco, o qual enviou o seu correspondente em Londres para aguardar por "notícias" do lado de fora da embaixada. A notícia era que Ny estava a cancelar o compromisso e a culpar o Equador pela confusão e por consequência pela "não cooperação" de Assange – quando o oposto era a verdade.

Como a data da lei das prescrições (statute of limitations) se aproxima – 20 de Agosto – um outro capítulo desta história odiosa irá sem dúvida desdobrar-se, com Marianne Ny a puxar mais um coelho da sua cartola com os comissários e perseguidores em Washington como beneficiários. Talvez nada disto seja surpreendente. Em 2008, uma guerra à WikiLeaks e a Julian Assange foi prevista num documento secreto do Pentágono preparado pelo Cyber Counterintelligence Assessments Branch". Ele descrevia um plano pormenorizado para destruir o sentimento de "confiança", o qual é o "centro de gravidade" da WikiLeaks. Isto seria alcançado com ameaças de "revelação [e] processo criminal". O silenciamento e criminalização de uma fonte tão rara de verdades era o objectivo, o enlamear era o método. Enquanto este escândalo continua a própria noção de justiça é diminuída, bem como a reputação da Suécia. O braço longo da América afecta todos nós. 

31/Julho/2015

[NR] Distrito de Londres onde está a Embaixada do Equador.

O original encontra-se em www.rt.com/op-edge/311284-pilger-assange-wikileaks-intelligence/


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


Portugal. A PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS



João Galamba – Expresso, opinião

As promessas da coligação PSD-CDS na área social são simples: combater a realidade que eles próprios criaram através da privatização generalizada de serviços públicos, começando pela Segurança Social. Depois do radicalismo ideológico da presente legislatura, a coligação promete - e garante – voltar a radicalizar.

Depois de 4 anos a degradar a saúde, a educação e a segurança social públicas, PSD e CDS usam essa mesma degradação como pretexto para desinvestir (ainda mais) no público e investir (ainda mais) no privado. Em maior e menor grau, e apesar de todos os eufemismos (liberdade de escolha, plafonamento, programa de desenvolvimento social), o que a coligação considera “defender e revigorar o Estado Social” não é mais do que o desvio de recursos públicos para a saúde privada, para o ensino privado e cooperativo e, sobretudo, para fundos de pensões privados.

Uma maioria que destruiu centenas de milhares de empregos, que cortou salários e que aumentou a precariedade, uma maioria que retirou o Rendimento Social de Inserção e o Complemento Solidário para Idosos a quase 200 mil pessoas e que cortou praticamente todas as prestações sociais de combate à pobreza e desigualdade, vem agora dizer, sem se rir, que quer apostar no social.

Depois de terem enchido o país de cantinas sociais, para alimentar as vítimas das suas políticas, PSD e CDS querem aprofundar o desinvestimento nas prestações públicas de combate à pobreza, com destaque para o Rendimento Social de Inserção e o Complemento Solidário para Idosos, apostando tudo no reforço das transferencias financeiras para as IPSS.

As IPSS deixam de ser complementares à acção do Estado e parecem substituir, cada vez mais, o próprio Estado, que se torna progressivamente num mero financiador de um Estado (privado) paralelo. Esta agenda privatizadora, que, mais do que reduzir, transforma o papel e a natureza do Estado, implica menor transparência e escrutínio no uso dos dinheiros públicos e, historicamente, não se tem traduzido nem em poupanças orçamentais nem em melhorias nos indicadores sociais nem em maior liberdade ou autonomia para quem recebe apoio sociais.

Mas onde existe mesmo uma ruptura privatizadora é nas pensões.

Os partidos que, pela primeira vez, criaram um défice no sistema contributivo - causado pela queda da receita (destruição de emprego, queda dos salários e o aumento da precariedade) e pelo aumento da despesa com subsídio de desemprego - e que degradaram todos os indicadores demográficos (natalidade, emigração), ou seja, os partidos que objectivamente degradaram a sustentabilidade presente e futura da Segurança Social, dizem que o sistema é insustentável.

Ao contrário do PS, a coligação não propõe que se invista no emprego, na valorização dos salários e no combate à precariedade. Também não procura novas fontes de financiamento para o sistema. A coligação, pura e simplesmente, não está interessada em investir nos factores que determinam a sustentabilidade do sistema de pensões.

Depois de 4 anos a tentar cortar pensões, sendo sucessivas vezes travado pelo Tribunal Constitucional, depois de ter enviado um PEC para Bruxelas que inclui um corte de 600 milhões de euros em pensões - porque, diziam-nos, havia um défice que tinha de ser coberto, já em 2016 -, a maioria desiste (será?) de tudo isso, dá um enorme salto em frente (ou para trás) e propõe a privatização parcial do sistema público de pensões.

A proposta da coligação é simples: pobres e classe média ficam no sistema público actual, quem ganha acima de um determinado valor (normalmente um valor acessível a uma percentagem muito reduzida de portugueses) pode optar por descontar, acima desse valor, para fundos de pensões privados.

Não sabemos qual o valor a partir do qual se deixa de descontar. Também não conhecemos qualquer conta, número ou estudo que fundamente e quantifique a opção da maioria. Mas sabemos que o resultado desta medida é que a contribuição dos trabalhadores com salários mais elevados para o financiamento da segurança social baixa durante quarenta anos, para que, depois desses quarenta anos, a despesa com pensões também seja mais baixa. Ou seja, esta medida implica aumentar o défice e a dívida durante quarenta anos, para, prometem-nos, baixar o défice e a dívida nos anos posteriores. Não sabemos a dimensão exacta desses défice e dessa dívida, sabemos apenas que eles vão necessariamente existir e que terão de ser pagos por todos os portugueses.

Quando a Comissão Europeia apresentou a sua proposta de "leitura inteligente" das regras orçamentais, Passos Coelho veio logo dizer que estas não se aplicavam a Portugal e que não havia flexibilidade nenhuma. A proposta de privatização parcial da segurança social mostra que, afinal, não é bem assim. Passos Coelho e Paulo Portas querem que os défices e a dívida causados pela privatização parcial da Segurança Social (que perde receita durante 40 anos) não sejam tidos em conta no cálculo das metas com que estamos comprometidos. Passos Coelho e Paulo Portas não querem flexibilidade para criar emprego, investir e modernizar o país, mas apenas para privatizar a Segurança Social.

PRINCIPADO OU CORTE?



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

Esta semana, aqui no JN, Manuel Teixeira decidiu escrever dois artigos para enaltecer Rui Rio. Normal, até porque M. Teixeira foi, durante cerca de 10 anos, o todo-poderoso chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara Municipal do Porto.

M. Teixeira procura matar dois coelhos com uma cajadada: manter Rio na "crista da onda", procurando minimizar o facto de este, preso nas suas habituais hesitações e contradições, ainda não ter apresentado formalmente a sua candidatura à Presidência da República; e tecer mais umas odes aos "talentos" do seu "ex-patrão"...

Em particular, M. Teixeira procura fazer-nos crer que Rio (à falta de melhor...) criou uma nova definição no léxico político nacional: o do "principado" que mais não é do que uma variação sobre a "corte", ou seja, todos aqueles que se movimentam na área do poder (no caso, lisboeta). E isto dá-me vontade de rir porque M. Teixeira foi um dos artífices e uma espécie de cardeal de Richelieu da "corte" que, no Porto, se criou em torno de Rio, e que, em grande parte, recebeu como prémio a colocação em lugares da administração pública municipal. E que, adaptando a sua própria definição, mais não é do que "aquele pequeno universo de algumas centenas de pessoas que, aconchegadas num microcosmos acantonado nos paços do concelho, se assumem como os genuínos intérpretes e decisores da vida local. Muitos deles nem sequer são naturais do Porto, mas deslumbram-se ao conviverem diariamente nos corredores da política, no mundo dos negócios, nos palcos da cultura, na roda da alta finança, e, claro está, nas tribunas dos jornais e das revistas, nos debates das televisões, e nos estúdios das rádios". Bem sei que os espaços da cultura eram as passadeiras vermelhas dos espetáculos de La Feria, onde os da "corte" posavam com as Lilis Caneças, ou o ambiente fervilhante dos paddocks onde uns capacetes debaixo do braço e umas voltas ao circuito davam um ar de imperador, à imagem de Putin, que também gosta de ser comparado a um grande e destemido desportista. Digamos que não é por serem provincianas que as "cortes" deixam de o ser...

Detesto o referido "principado" lisboeta. Mas Deus nos livre que esta "corte do Porto" se instale em Belém...

BES: Proposta é “inadmissível” e “vergonhosa”, afirmam emigrantes lesados




Movimento dos Emigrantes Lesados (MEL) apelou este sábado aos que subscreveram produtos comerciais do BES e pretendem reaver as suas poupanças para recusarem a proposta do Novo Banco. Lesados do BES promovem ações no dia 10 de agosto em Lisboa e no dia 26 de setembro em Paris.

“Pedimos então a todos os emigrantes lesados para não assinarem os contratos enquanto o Novo Banco não propuser uma nova reunião”, lê-se no comunicado do MEL, citado pela agência Lusa.

Segundo este Movimento, a solução apresentada “aos clientes emigrantes detentores das ações preferenciais Poupança Plus, Euro Aforro, Top Renda e EG Premium é inaceitável”, na medida em que o Novo Banco propõe que só daqui a dois anos haja uma parte da liquidez e apresenta produtos diferentes dos prometidos quando os clientes investiram no EURO AFORRO 10 e EG PREMIUM.

 Os produtos foram vendidos aos clientes como “produtos de capital e juros garantidos” e agora são apresentados, em alternativa, “produtos que são, por definição, arriscados”, refere o MEL.

 O Movimento considera que os produtos que estão a ser apresentados aos emigrantes não são compatíveis com o seu perfil de risco de investidor, que é de tipo conservador.

 “É este mesmo perfil de risco que, desde o início, aquando da venda das ações preferenciais, não concordava com o risco financeiro das ações preferenciais dos 4 Special Purpose Vehicles (SPV) vendidas ao balcão como sendo produtos sem risco e de capital e juros garantidos”, lê-se no comunicado.

 O MEL lembra ainda que "o total da solução só atingirá (e nem é certeza, visto a natureza arriscado das obrigações, e se o Novo Banco ainda existir quando os clientes quiserem vender as obrigações) os 90% do capital inicialmente investido e só ao cabo de 6 anos".

 Esta proposta é “simplesmente inadmissível para pessoas reformadas, idosas com uma idade média de 70 anos e cansadas”, destaca.

 O Movimento alerta que os gestores do Novo Banco têm pressionado os clientes e mentido, por alegadamente estarem a dizer que o MEL está a favor desta solução.

 Para dia 10 de agosto está agendada uma manifestação, a 1ª após a venda do Novo Banco, que terá lugar na sede do Novo Banco, na Av Liberdade 195 em Lisboa, pelas 11h.

 Estão ainda previstas ações na capital francesa a 26 de setembro em Paris e em todos os últimos sábados a partir do mês de outubro, caso não sejam apresentadas soluções viáveis para os lesados do BES até lá.

Esquerda.net – Foto Manuel de Almeida / Lusa

Portugal. Governo usa dinheiro do Estado para mascarar taxa de desemprego




A porta-voz do Bloco denunciou a “enorme propaganda” do executivo sobre a suposta descida da taxa do desemprego. “E isto depois de quatro anos de um Governo em que a cada mês dez mil pessoas emigraram e a cada dia 220 postos de trabalho foram destruídos”, frisou Catarina Martins.

Vários elementos do Governo PSD/CDS-PP congratularam-se pelo facto de o Instituto Nacional de Estatística estimar que a taxa de desemprego para junho deste ano se fixe nos 12,4%, comparando estes resultados com a taxa que se verificava em 2011 (12,7%), quando o executivo tomou posse.

Para Catarina Martins, comparar a taxa de desemprego de 2015 com a de 2011, “é como comparar batatas com laranjas” e faz parte da propaganda alimentada pela maioria de direita.
“Vimos, nos últimos dias, a enorme propaganda sobre a suposta descida da taxa do desemprego. Ouvimos até dizer que a taxa de desemprego tinha descido, quando comparada com 2011. E isto depois de quatro anos de um Governo em que a cada mês dez mil pessoas emigraram e a cada dia 220 postos de trabalho foram destruídos”, referiu a dirigente bloquista, à margem de uma sardinhada com apoiantes, na Costa de Caparica, em Almada.

“É que de lá para cá (entre 2011 e 2015), saíram do país 400.000 pessoas, de lá para cá, as pessoas que estão desempregadas há tanto tempo, que até já saíram das estatísticas, duplicaram, e de lá para cá, multiplicaram por seis os estágios”, acrescentou a porta-voz do Bloco.

Catarina Martins lembrou que "os números oficiais dizem que hoje há menos 210 mil pessoas empregadas do que em 2011", sublinhando que, "se descontarmos os que estão a ocupar um posto de trabalho mas não têm salário nem têm contrato de trabalho - como os estágios e os contratos de emprego-inserção, o número de postos de trabalho destruídos nestes 4 anos ascende aos 300 mil".

“Para mascarar a taxa de desemprego, não tem sido outra coisa do que dinheiro do Estado a retirar pessoas das estatísticas do desemprego, com falsas formações, com estágios, com contratos de emprego-inserção. Com tudo, menos com a dignidade que se exige a quem trabalha: um contrato de trabalho e um salário”, vincou a bloquista.

A dirigente do Bloco de Esquerda defendeu que nenhuma empresa possa ter acesso a programas de estágio financiados pelo Estado, se não contratar, pelo menos, um em cada dois estagiários.

“Não pode continuar as empresas a abusarem do erário público para abusarem dos trabalhadores. Se num momento de crise o Estado pode apoiar a formação e a criação de emprego? Pode. Mas não pode ser cúmplice do crime de retirar os direitos mais básicos a quem trabalha. Só há estágios para as empresas que contratarem”, argumentou.

Catarina Martins reivindicou igualmente o fim das empresas de trabalho temporário, as quais, “não são precisas para absolutamente nada e só servem para ficar com uma parte do salário” do trabalhador.

“Se alguma empresa precisa de alguém para ajudar a contratar tem o IEFP, tem a agência pública. Para que é que servem as empresas de trabalho temporário se não como autênticas praças de jorna do século XXI, que ficam com metade dos salários das pessoas”, vincou.

Catarina Martins voltou também a defender a reposição dos salários e pensões e o aumento do salário mínimo nacional.

Esquerda.net

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