O
relatório da Comissão Europeia que serve de base à colocação de Portugal sob vigilância revela
alguns sinais positivos, mas no essencial traça um retrato assustador da
economia.
João
Silvestre - Expresso
Quase quatro anos depois do pedido de resgate feito pelo governo de José Sócrates, a economia portuguesa está novamente a crescer. Passou três anos debaixo de água mas inverteu no ano passado. O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou na quarta-feira a sua estimativa rápida de crescimento de 0,9% do PIB em 2014.
Quase quatro anos depois do pedido de resgate feito pelo governo de José Sócrates, a economia portuguesa está novamente a crescer. Passou três anos debaixo de água mas inverteu no ano passado. O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou na quarta-feira a sua estimativa rápida de crescimento de 0,9% do PIB em 2014.
Ao
mesmo tempo, o desemprego já desceu mais de três pontos desde o pico do início
de 2013 - voltou a cair em janeiro para 13,3% - e, na frente externa, as
exportações atingiram o maior valor de sempre no ano passado. Com um ano de
exceção no turismo que deu um forte contributo para as contas externas.
Nos
mercados financeiros, as coisas não poderiam estar a correr melhor. As taxas de
juro da dívida pública batem mínimos sucessivos e o Estado já se prepara para
antecipar o reembolso do empréstimo do FMI que é demasiado caro para os atuais
preços praticados. A taxa a 10 anos está em queda e está agora próxima de 1,8%,
depois de a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) ter colocado
€1499 milhões na quarta-feira a 2,0310%.
São
tudo razões para estar otimista, apesar das nuvens negras da deflação que
ameaçam a zona euro. Só que, na verdade, apesar de alguns bons resultados, as
perspetivas não são assim tão animadoras e, acima tudo, os problemas não estão
completamente ultrapassados. Basta olhar para o relatório da Comissão Europeia
desta semana, que serviu de base à decisão de colocar Portugal sob vigilância
por desequilíbrios macroeconómicos, para compreender porquê. O Expresso
escolheu cinco gráficos que devem ser lidos com toda a atenção.
Pobreza
voltou a aumentar
É
daqueles indicadores que não necessita grande interpretação. A taxa de risco de
pobreza, que mede a percentagem de pessoas cujo rendimento está abaixo do
limiar de pobreza (60% da mediana do rendimento), voltou a aumentar em 2013. Está
agora em 19,5%, não havendo ainda dados para o ano passado que, apesar de tudo,
é já um ano de crescimento.
Ao
mesmo tempo, as pessoas em risco de exclusão social, onde se incluem não apenas
pobres, são mais de 27%. Incluem-se aqui pessoas que verificam condições como
não conseguir aquecer a casa, pagar a renda ou serviços básicos, comer carne ou
peixe pelo menos de dois em dois dias, ou outras.
O
pior é que, em simultâneo com o agravamento do risco de pobreza, há uma subida
da privação material grave. O que significa que, não só há mais pobres, como os
pobres estão mais pobres. E isso, dizem os especialistas, está relacionado com
alterações em prestações como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o
Complemento Solidário para Idosos que estão abaixo do limiar de pobreza mas que
ajudam a reduzir a sua intensidade.
Tudo
isto acontece em simultâneo com a subida da desigualdade. Como sublinha a
Comissão: "A disparidade entre os 20% de cima e os 20% de baixo da
distribuição de rendimento aumentou em 2013 e o coeficiente de Gini [que mede a
desigualdade] mantém-se acima de 34%, comparado com a média da União Europeia a
28 de 30,5% em 2013. O aumento de 7,6 pontos percentuais na intensidade da
pobreza [a diferença entre a mediana do rendimento dos pobres e o limiar de
pobreza] entre 2008 e 2014 foi o segundo maior da UE depois da Grécia e está
agora em 31,2%.
Crescimento
lento a descolar
O
potencial de crescimento da economia - ou seja, o ritmo a que o PIB consegue
andar dadas as suas condições de capital, trabalho e tecnologia - teve uma
queda brusca com a crise e a recuperação será muito lenta. O gráfico mostra que
a recuperação do potencial de crescimento a partir do mínimo de 2013 é baseada
nos ganhos de produtividade e que, nos tempos mais próximos, não se espera
retoma do investimento e emprego.
"Durante
os anos 2000, o potencial de crescimento demonstrou uma tendência descendente
devido, principalmente, a contribuições negativas da oferta de trabalho e do
investimento, enquanto a contribuição da produtividade total dos fatores se
manteve relativamente estável", lê-se no documento.
Na
fase da crise, no entanto, os problemas agravaram-se: "Entre 2009 e 2013,
o forte aumento do desemprego e uma queda pronunciada no investimento
aceleraram o declínio do potencial de crescimento. A médio prazo, espera-se que
o potencial de crescimento seja apoiado pela recuperação do investimento e melhorias
adicionais no mercado de trabalho".
No
entanto, só em 2018 o investimento dará um contributo positivo e do lado do
emprego o que se espera, para já, é uma diminuição do 'travão'. O gráfico
mostra que a recuperação do potencial de crescimento a partir do mínimo de 2013
é essencialmente baseada nos ganhos de produtividade, enquanto emprego e
investimento manterão contributos negativos nestes primeiros anos.
Ou
seja, Portugal está a tentar regressar ao nível de PIB pré-crise - faltam ainda
6% - produzindo com menos pessoas do que naquela altura, o que se é possível
com ganhos de produtividade. O problema é que para o investimento regressar é
necessário haver condições de financiamento e de expectativas de retorno -
leia-se procura -que para já não estão reunidas para muitas empresas.
Dívida
externa, o elefante na sala
Depois
de todo o esforço de aperto de cinto dos últimos anos, a dívida externa
continua praticamente intocável desde 2012 e está até em piores condições do
que antes do resgate. Seja visto pela dívida externa propriamente dita (linha
preta) ou pela posição de investimento internacional (linha vermelha), que mede
a diferença entre o stock de investimento português no exterior e os
investimentos estrangeiros em Portugal e que funciona como um indicador
alternativo de endividamento externo.
Isso
acontece porque, na prática, os resultados positivos conseguidos nas contas
externas são apenas uma gota de água no oceano que é a dívida externa. Serão
necessários muitos anos com saldos positivos e/ou crescimento económico
acelerado (com aumento de poupança interna) para que a situação se possa
inverter de forma visível.
"Serão
necessários excedentes externos significativos sustentados para conseguir
reduzir a posição de investimento internacional negativa em dez anos",
avisa Bruxelas. E as contas não são nada animadoras: "A Comissão estima
que Portugal necessita ter excedentes médios de 2,5% do PIB durante a próxima
década para reduzir a posição de investimento internacional negativa para
metade (atualmente em cerca de -115% do PIB) até 2024".
Para
já, o que aconteceu foi apenas uma pequena variação que é praticamente
impercetível dado que a dívida pode aumentar simplesmente por oscilações
cambiais (por exemplo, a valorização do dólar para créditos na moeda
americana). O pior é que o crescimento económico tende a acelerar as
importações e até movimentos considerados benignos e indispensáveis como o
investimento (que implica importar equipamentos) ou o investimento direto
estrangeiro (que é um passivo nas contas externas) tendem a piorar a situação.
Já
não falando, naturalmente, do consumo per se que está novamente a disparar. O
PIB voltou a crescer em 2014 mas as contas externas deram um contributo
negativo e foi a procura interna a assegurar o andamento da economia. É certo
que houve uma melhoria estrutural das contas externas, só que existe ainda uma
componente cíclica relevante que tenderá a pior com a retoma económica.
Ainda
que no curto prazo possa haver sinais positivos, o cenário de médio prazo é
menos animador. O stock de capital continua a penalizar o potencial de
crescimento da economia e não só as empresas portuguesas investem cada vez
menos como o IDE praticamente desapareceu. Em 2013 e 2014 foi residual e o
grosso da entrada de capital do exterior foram investimentos de carteira que se
tratam de aplicações em ativos financeiros como ações ou obrigações.
"O
país está melhor", as empresas nem por isso
A
frase que há um ano incendiou o debate político, da autoria do líder
parlamentar social-democrata Luis Montenegro, não se aplica muito bem às
empresas. Há imagens que valem por mil palavras e este gráfico é um desses
casos. Representa o risco de falência das empresas por setor de atividade.
Na
hotelaria e restauração, cerca de 60% das empresas tem alto risco de falência e
na construção e outros serviços ronda 50%. O problema é, essencialmente, pagar
dívidas e conseguir sobreviver já que as empresas, apesar da redução, continuam
bastante endividadas.
"Em
geral, mais de 20% das empresas portuguesas tiveram dificuldades, em 2013, em
cobrir o serviço de divida com o seu EBITDA [resultado operacional bruto] e
apresentaram problemas de solvência", refere o relatório.
Isto
coloca dificuldades aos bancos que são os grandes credores. Diz a Comissão que
"embora os rácios de cobertura (provisões em percentagem do crédito
malparado) nas empresas não financeiras tenham melhorado (atualmente em redor
de 60%), a capacidade do setor bancário suportar perdas de uma onda de crédito
malparado parece limitada sem injeções adicionais de capital".
Dívida
é sustentável mas...
Todas
as entidades da troika concordam que a dívida pública portuguesa é sustentável.
A sustentabilidade depende de três fatores: crescimento do PIB, taxa de juro
implícita na dívida e saldo orçamental primário (sem juros). Esta conclusão da
troika tem em conta previsões de crescimento e juros que, como tudo o que
acontece no futuro, não estão garantidas. E, pior, o saldo primário necessário
para assegurar a sustentabilidade é bastante exigente para os padrões
portugueses e europeus - ainda que não tanto como o imposto à Grécia.
Este
gráfico mostra como a dívida tenderá a descer nos próximos anos se se
confirmarem as condições do cenário base, ainda que chegue a 2030 ainda acima
de 100% do PIB. Mas as coisas podem correr se o PIB se desviar da trajetória
(menos um ponto percentual de crescimento ao ano) ou se a taxa de juro for mais
alta (um ponto acima do cenário base). Neste casos, a dívida não diminui -
praticamente estabiliza - e até pode aumentar.
"Ainda
que se espere que o rácio de dívida pública sobre o PIB inverta a atual
tendência crescente a curto prazo e a dívida publica seja considerada
sustentável em cenários considerados plausíveis, a dinâmica da dívida está
vulnerável a choques adversos", referem os técnicos europeus. O que
implica, dizem, "um menor espaço de manobra orçamental perante choques
adversos, com potenciais implicações negativas em termos de crescimento e
emprego".
Publicado
originalmente na edição de 04/03/2015 do Expresso Diário