sábado, 25 de outubro de 2014

Como vivem os políticos na Suécia: um trecho revelador de um novo livro


No jornal Aftonbladet, o primeiro-ministro sueco dá dicas de limpeza

Claudia Wallin, jornalista brasileira radicada na Suécia, acaba de lançar um livro sobre os políticos suecos – “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial). Abaixo, um trecho que retrata, em detalhes, a cultura escandinava.

”É preciso aceitar os sacrifícios que se avizinham”, murmura para si próprio um sueco no momento revelador em que a sua real vocação para a carreira política se manifesta como um desejo irrefreável. ”Serão abomináveis os desafios”, alerta um forasteiro: os cintos apertados como os da amorfa massa do povo, a ausência de alegres comitivas de inúteis, os apartamentos funcionais que lembram quartos de hotéis de duas estrelas, a falta que hão de fazer os batalhões de assessores e parasitas. Quando tal provação parecer insuportável, será prudente invocar Mímir, o deus venerado pelos vikings por sua sabedoria infinita e pela cabeça que, mesmo decepada pelos inimigos, continua a pensar.

A Suécia não oferece luxo aos seus políticos: nesta sociedade essencialmente igualitária, a classe política não tem o status de uma elite bajulada e nem os privilégios de uma nobreza encastelada no poder. Sem direito a imunidade, políticos suecos podem ser processados e condenados como qualquer cidadão. Sem carros oficiais e motoristas particulares, deputados se acotovelam em ônibus e trens, como a maioria dos cidadãos que representam.

Sem salários vitalícios, não ganham a merecida aposentadoria após alguns poucos anos de trabalho pelo bem do povo. Sem secretária particular na porta, banheiro privativo ou copa com cafezinho, os gabinetes parlamentares são espartanos e diminutos como a sala de um funcionário de repartição pública. Sem verbas indenizatórias para alugar escritório nas bases eleitorais, deputados suecos usam a própria casa, a sede local do partido ou a biblioteca pública para trabalhar quando estão em suas regiões de origem.

”Está bom, mas pode ficar melhor”, resmunga o motorista de táxi que me leva do aeroporto de Arlanda ao centro de Estocolmo, a capital sueca. Ele reclama indignado, como tantos outros, do valor do salário líquido de um deputado do Parlamento sueco: horror dos horrores, é cerca de 50 por cento a mais do que ganha em média um professor primário no país. Um privilégio indefensável, que na lógica do motorista deveria estar em processo acelerado de extinção. Não é preciso consultar a cabeça de Mímir para deduzir que este é um povo que sabe quem é o patrão.

”Sou eu que pago os políticos”, resumiu o cidadão sueco Joakim Holm, durante entrevista gravada em uma rua de Estocolmo para reportagem do Jornal da Band. ”Não vejo razão alguma para dar a eles uma vida de luxo”.

”Os políticos são eleitos para trabalhar para mim e para todos os outros cidadãos que pagam impostos. Aqui ninguém acha que os políticos são uma classe superior com direito a privilégios”, disse outro entrevistado, Mikael Forslund.

A nível municipal, o desejo de exercer a atividade política poderia ser mal interpretado, fora da Suécia, como um caso clínico: vereadores suecos não ganham sequer salários, e também não têm direito a gabinete – trabalham de casa. Estarão os seus nervos em desordem?

O que o modelo sueco demonstra é que as camisas de força se ajustariam melhor ao figurino das platéias entorpecidas de outras latitudes, que assistem, bovinizadas, ao fascinante espetáculo diário dos abusos do poder. A experiência da Suécia subverte o desconexo conceito de que aos políticos deve-se dispensar um tratamento reverencial digno de uma casta superior, formada por cavalheiros e damas mais ilustres do que a média, e portanto com direitos quase divinos a benesses jamais alcançáveis pelos cidadãos que vivem sob o Olimpo político.

Ainda lembro da estranha sensação de estar presenciando um fenônemo extraterreno quando encontrei, pela primeira vez, o ex-primeiro-ministro e atual ministro das Relações Exteriores, Carl Bildt, empurrando seu carrinho de compras no supermercado que frequento em Estocolmo. E o prefeito de Estocolmo, Sten Nordin, na fila do ônibus. E o presidente do Parlamento, Per Westerberg, em um vagão do metrô.

Sem desesquilíbrios sociais monstruosos, este é sem dúvida um país mais seguro e menos violento, onde provavelmente os únicos carros blindados que circulam pelas ruas são guiados pelas forças de segurança. Mas mais que isso, esta é uma sociedade que elege políticos mais próximos da realidade e das dores do cidadão comum. Políticos que em geral não colocam a vaidade ou os interesses próprios na frente dos bois, em uma sociedade que mostra que o exercício da função política pode ser digno.

”Na Suécia, os políticos vivem uma vida simples, em condições semelhantes às que vivem os cidadãos. É uma tradição”, diz o jornalista Mats Knutson, apresentador e comentarista político da TV pública SVT.

Na década de 70, o então primeiro-ministro Olof Palme morava em sua própria casa no subúrbio de Vällinby, e costumava dirigir para a sede do Governo em um velho Fiat vermelho.

”Era um Fiat 600, fabricado na antiga Alemanha Oriental”, conta Mårten Palme, filho de Olof Palme e professor de Economia da Universidade de Estocolmo. ”Meu pai prezava a igualdade e a simplicidade, e vivíamos uma vida normal. Nossa casa de verão na ilha de Fårö era bastante primitiva, e não havia sequer água ou eletricidade”, ele me diz.

O antecessor de Palme, Tage Erlander, tomava o bonde para a sede do Governo. Ou ia de carona com a mulher, que trabalhava perto dali.

Os suecos só decidiram criar uma residência oficial para o primeiro-ministro depois de 1986, quando Olof Palme foi assassinado a tiros na saída do cinema quando caminhava para casa sem escolta, em um crime brutal e nunca solucionado. Seu sucessor, o também social-democrata Ingvar Carlsson, mudou-se aparentemente contrariado para a nova residência oficial. Diz-se que Carlsson, que renunciaria ao poder tempos depois, achava inapropriado para um primeiro-ministro sueco morar num lugar chamado de Palácio – ao construir a casa em 1884, a abastada família Sager a batizara de Palácio Sagerska.

Turistas menos atentos pisam, sem se dar conta, a um metro da porta de entrada da casa do primeiro-ministro sueco. Sem portões externos, a residência oficial de Sagerska está situada na Strömgatan, a rua de pedestres que margeia o Mar Báltico e o lago Mälaren nas proximidades do Parlamento. Com uma área de 305 metros quadrados, os aposentos privados do premier ocupam o andar superior da residência de 1,195 metros quadrados, vigiada do lado de fora por duas câmeras disfarçadas e pela presença ocasional de um Volvo das forças de segurança suecas.

Sagerska é uma bela mansão. Mas não há serviçais no apartamento do primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt.

”A limpeza dos aposentos privados do primeiro-ministro é feita uma vez por semana. Por este serviço, o primeiro-ministro deve pagar impostos em sua declaração de renda”, diz Anna Dahlén, assessora de imprensa do governo sueco.

Sem provocar reações de espanto sobrenatural entre a população, Fredrik Reinfeldt fala com naturalidade que lava, passa e cozinha como a maioria dos cidadãos deste país. ”E por que ele não faria isso, se todos nós fazemos?”, ouço de vários suecos.

Há quem vá sentir o cheiro acre da demogagia populista ao saber que na Suécia o primeiro-ministro dá dicas de limpeza em reportagens de jornal, e aconselha seus concidadãos a ajoelhar para raspar a sujeira. Mas a verdade é que cuidar das tarefas domésticas por aqui é tão natural como beber snaps, o destilado consumido em quantidades imoderadas no país.

Na Suécia, como em tantos outros países do mundo, a instituição da empregada doméstica não existe. Entre os suecos mais radicais, o zelo pela igualdade e o medo do ressurgimento de uma subclasse social chega a provocar reações exaltadas. Em um debate da campanha eleitoral de 2006, flechas voaram contra a então líder do Partido de Centro (Centerpartiet), Maud Olofsson, quando ela defendeu a introdução de abatimentos fiscais para permitir aos suecos contratar faxineiras e aliviar assim sua dupla jornada.

”E quem limpa o banheiro da empregada?”, perguntou, irritado, o intermediador do debate na TV4, Göran Rosenberg.

”E quem pinta a casa do pintor?”, retrucou Maud. ”A faxineira também pode contratar ajuda quando precisar”, argumentou ela.

A inesperada proposta de Maud também foi atacada pelo primeiro-ministro da época, o social-democrata Göran Persson.

”Cada pessoa deve cuidar das próprias tarefas domésticas, é o que eu digo”, falou o primeiro-ministro.

Persson disse mais: contou, com orgulho indisfarçável, que era capaz de passar sua camisa social em um minuto. Foi, então, rapidamente convidado para provar a façanha ao vivo no estúdio de um programa de TV, onde foi montada uma tábua de passar roupa. O feito, devidamente cronometrado pelo apresentador do programa, pode ser visto no Youtube .

As peripécias com o ferro renderam picos de audiência ao primeiro-ministro. Mas naquele ano, depois de dez anos no poder, Persson perdeu as eleições. Maud tornou-se vice-primeira-ministra, e muitos suecos passaram a ter a ajuda ocasional de faxineiras, em sua maioria imigrantes polonesas. Praticamente todos continuam no entanto a lavar, cozinhar e passar, como Göran Persson.

Ministros também vivem sem luxo: eleito pelo jornal britânico Financial Times como o melhor ministro das Finanças da Europa em 2011, o sueco Anders Borg mora em Estocolmo durante a semana, segundo confirma seu porta-voz, em um apartamento funcional conjugado de cerca de 25 metros quadrados.

”Políticos suecos são despretensiosos”, comenta o porta-voz de Borg, Peter Larsson.

O apartamento de um só cômodo do ministro das Finanças, segundo o porta-voz, fica em um edifício que serve de acomodação para estudantes da Escola Superior de Guerra sueca (Försvarshögskolan). No prédio vivem ainda alguns funcionários do Ministério sueco das Relações Exteriores. Nos finais de semana, Borg vive com a família em sua casa na região de Katrineholm, ao sul de Estocolmo.

Nem ministros, nem prefeitos e nem o presidente do Parlamento têm direito a residência oficial. Apenas políticos com base eleitoral fora da capital recebem auxílio-moradia para viver em apartamentos ou mesmo quitinetes funcionais, que têm em média 18 metros quadrados.

Parece pouco para criaturas tão excelsas, mas está melhor do que nunca: até o fim dos anos 80, apartamentos funcionais sequer existiam na Suécia. Todos os parlamentares dormiam em sofás-cama, em seus próprios gabinetes. Hoje, todos têm um apartamento garantido. E esta garantia é, para muitos suecos que disputam um imóvel no centro da capital, uma mordomia inexplicável.

”Por que os deputados não precisam entrar na fila das imobiliárias para conseguir um apartamento, como todos nós?”, diz uma funcionária da creche que funciona dentro do Parlamento. Sim, há uma creche no Parlamento para cuidar de filhos de deputados.

O apartamento funcional pode ser um direito garantido. Mas a cama, não. Em grande parte dos imóveis parlamantares, onde um único cômodo serve como sala e quarto de dormir, há apenas um sofá-cama.

Qual é a origem da frugal existência dos políticos suecos? Vou ao encontro da jornalista Lena Mehlin na sede do jornal Aftonbladet, onde ela assina uma das colunas políticas mais lidas do país.

”Mas eles têm privilégios”, reage Lena.

”Quais?”, quero saber.

”Os políticos não precisam pagar suas contas de telefone. Eles têm direito a viver de graça em apartamentos no centro de Estocolmo. Eles recebem um computador para levar para casa, e não pagam pela assistência técnica. Eles ganham mais do que a média dos cidadãos. E os parlamentares que vêm de outras bases eleitorais também viajam de graça para suas casas, nos finais de semana”, enumera a jornalista. ”Se algum cidadão arranjar emprego em outra cidade, nenhum empregador vai pagar suas viagens no fim de semana”.

Pergunto a Lena se estes são benefícios considerados razoavelmente modestos na Suécia, em comparação às benesses que políticos recebem em outros países.

”Pode ser. Os políticos suecos não têm luxo, pois somos uma sociedade que elegeu a igualdade entre os cidadãos como um valor fundamental. Mas eles têm privilégios”, ela insiste.

”Mas não privilégios como, por exemplo, parlamentares circulando em carros oficiais com motoristas particulares?”, digo.

”Carros com motorista para deputados? Meus Deus, não!”, sobressalta-se Lena. ”Benesses deste gênero criam problemas que você não precisa ter. Como a corrupção. Para obter um emprego desses na política, muitos não hesitariam em cometer atos sujos”, pondera Lena.

Pergunto qual seria a reação dos suecos se os políticos do país decidissem, em um devaneio impensado e incontrolável, aumentar seus próprios salários, ter direito a pensão vitalícia, ocupar espaçosos gabinetes com copa e cafezinho servido por secretárias, empregar dezenas de assistentes particulares e parentes, andar de jatinhos e circular em carros oficiais com motorista. Tudo pago com o dinheiro dos cidadãos.

”A sociedade sueca jamais toleraria a concessão de privilégios aos seus políticos”, ela diz.

”Isto é uma das poucas coisas que poderiam causar uma revolução aqui na Suécia.”

Outras Palavras, em Outros Livros

Brasil - Eleiçõesl: AS MENTIRAS QUE AÉCIO CONTA




Candidato do PSDB faz discurso promissor, mas esconde propostas antipopulares para economia, saúde, educação e direitos trabalhistas

Pedro Rafael Vilela, Brasília (DF) - Brasil de Fato

Para quem acabou de chegar de Marte e está acompanhando os discursos e as promessas de Aécio Neves (PSDB) para o país, pode até se entusiasmar com o que vê num primeiro momento.Como ninguém administra um país sozinho, por trás de cada candidatura existe um projeto de governo bem definido. O cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, explica que, no caso do tucano Aécio Neves, o projeto tem um claro viés neoliberal para a economia, com redução do papel do Estado e forte controle dos gastos públicos. Esse modelo, adverte o professor, tende a contingenciar os investimentos em área social, como saúde, educação, moradia, etc.

“É o mesmo modelo aplicado durante o período FHC, de liberalização da economia para o capital internacional e redução de direitos sociais, como as garantias trabalhistas”, aponta.

O Brasil de Fato investigou a consistência das promessas do tucano e descobriu oito temas em que Aécio Neves fala uma coisa, mas planeja outra bem diferente, caso seja eleito. Confira:

 - Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES

Armínio Fraga, indicado por Aécio Neves para ser seu ministro da Fazenda, já afirmou que é preciso uma “correção de rumo” no atual modelo de bancos públicos e que, “no final da linha”, não sabe muito “o que vai sobrar”. Na prática, seria o fim de programas como o Minha Casa, Minha Vida, o financiamento de grandes obras pelo BNDES e a oferta de créditos subsidiados para diversos setores da economia.

- Privatização do pré-sal 

As grandes petroleiras internacionais até hoje não se conformam com a Lei do Pré-Sal, aprovada pelo governo Lula, que ampliou o poder da Petrobrás e garantiu maior arrecadação financeira com a exploração das reservas. Elas querem a volta modelo anterior, que permite a entrega de 90% das reservas diretamente às empresas. Representantes de gigantes do petróleo como a Chevron chegaram a receber garantias do PSDB, partido do Aécio, de que a lei seria revista num eventual governo tucano. 

- Direitos trabalhistas 

Aécio se diz defensor dos trabalhadores, mas votou contra direitos trabalhistas fundamentais. Em 2001, quando era presidente da Câmara dos Deputados, foi favorável ao PL 5.483, que previa flexibilização da CLT, atingindo garantias como férias e 13º salário. 

- Salário mínimo 

Em 2011, Aécio votou contra o projeto de lei do aumento real do salário mínimo, justamente uma das medidas mais importantes dos governos Lula e Dilma, que permitiu crescimento de 72% em 10 anos. Armínio Fraga, indicado por Aécio para ser ministro da Fazenda, já afirmou que o salário mínimo no Brasil está muito alto. 

- Geração de empregos e inflação 

Em oito anos de governo (1995-2002), o PSDB gerou cerca de 5 milhões de empregos. Somando o período Lula/Dilma, o número de empregos gerados no país passa dos 20 milhões. Já a inflação, que está na faixa do 6,5% ao ano, tem sido alvo de duras críticas do tucano Aécio Neves, que fala em reduzir esse índice para 3%. O que o tucano esconde é que para chegar nessa marca, teria que desacelerar a economia, aumentando a taxa de juros e diminuindo a oferta de crédito, gerando desemprego.

- Mais Médicos 

Aécio Neves fala em manter o programa Mais Médicos, uma das vitrines do governo Dilma que está levando atendimento médico para 50 milhões de pessoas nas regiões mais remotas do país. O candidato, no entanto, fala em rever o contrato dos médicos que cubanos. Essa medida vai inviabilizar, na prática, a continuidade do programa, uma vez que, dos 14 mil médicos contratados, mais de 11 mil são cubanos. 

- Educação Aécio

Neves fala em fundar a “Nova Escola” brasileira, mas a experiência da população mineira com o tucano é desoladora. Desde 2003, o estado não investe o mínimo de 25% da arrecadação em educação. Como consequência, faltam um milhão de vagas no Ensino Médio. Na alfabetização, apenas 35% de crianças têm vagas. 

 - Serviço público e nepotismo 

Aécio Neves acusa o PT de aparelhar o Estado, mas quando foi governador, nomeou nove parentes para cargos públicos em MG. Além disso, em oito anos, o PSDB contratou, via concurso público, cerca de 51 mil servidores. Nos últimos 12 anos, os governos Lula/Dilma contrataram mais de 234 mil servidores. 

Brasil: Para especialistas, atendimento a doença falciforme esbarra em racismo



Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil - Edição: Lílian Beraldo

Com alta incidência no país, a doença falciforme deixou de ser tratada como uma enfermidade rara, nos últimos dez anos. Exames para identificá-la foram incluídos no teste do pezinho e o tratamento passou a contar com remédios gratuitos. Porém, às vésperas do Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, comemorado em 27 de outubro, especialistas avaliam que a prestação de um bom atendimento a pacientes em crise, nos serviços de emergência, ainda é um desafio. Durante as crises, pessoas com a doença falciforme sentem fortes dores pelo corpo - um dos principais sintomas da enfermidade que atinge, principalmente, pessoas negras.

Originária da África, a doença falciforme é uma mutação genética, que espalhou-se pelo mundo com o deslocamento forçado da população negra escravizada. É caracterizada por alterações no formato da hemoglobina, que dificulta o fluxo de oxigênio no corpo e pode levar à morte. Com alta prevalência entre os negros*, que são 52% da população no Brasil, os estados da Bahia e do Rio de Janeiro lideram o ranking de casos, com 1 paciente para cada 650 pessoas e 1 para cada 1,3 mil, respectivamente, segundo o Ministério da Saúde. O país tem cerca de 40 mil casos da doença cadastrados.

De acordo com a coordenadora-geral da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), Maria Zenó Soares da Silva, a inclusão do exame para detecção da doença no teste do pezinho, feito em recém-nascidos, foi um marco no enfrentamento da enfermidade. Hoje, pacientes são acompanhados por hemocentros e recebem medicamentos. O problema, avalia ela, é o atendimento durante as crises de dor, por hospitais comuns da rede de saúde.

“A crise de dor é o maior sofrimento para as pessoas com a doença falciforme. [As dores] Vêm de um hora para outra, mas o atendimento nos serviços de urgência e emergência é demorado, é lento. Esse é o maior problema para o paciente com a falciforme”, avaliou. Segundo a coordenadora, mais de 90% dos pacientes com a doença que procuram o hospital estão em crise. Os demais vão para se tratar de infecções, que é maior causa de morte dos doentes.

O racismo nas instituições de saúde, que se traduz em consultas de baixa qualidade e mais tempo de espera, por exemplo, se soma a dificuldades no atendimento de pacientes em crise, avalia a conselheira do Conselho Nacional de Saúde Simone Cruz, que representa a organização Articulação de Mulheres Negras Brasileira (AMNB). “A pessoa chega [na unidade] dizendo que tem a doença falciforme e não é tratada como um caso de extremo sofrimento”, disse. Para ela, esse é um aspecto do racismo no sistema, que discrimina pessoas negras.

Outro problema, segundo Simone, é o próprio diagnóstico que, em alguns casos, pode ser tardio e prejudica, prioritariamente, pessoas com poucos recursos.  “A pessoa chega no hospital e diz que está com dor, só que dor não tem aparelho para medir, então, essa intensidade não é considerada. Quando a pessoa não sabe que está com a doença, é pior ainda”, avaliou. De acordo com Simone, a doença falciforme será tema de discussão da reunião do conselho de saúde em novembro, mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra (20).

O Ministério da Saúde tem capacitado profissionais da rede pública para acabar com práticas racistas nas instituições de saúde e tratar a doença. Com a ausência de hematologistas em todas as cidade, a estratégia foi capacitar equipes do país inteiro, explicou a coordenadora do Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, Joice Aragão. “São médicos clínicos e pediatras que fazem o acompanhamento, vinculados ou não a hemocentros”, frisou.

A estratégia brasileira, reconhecida internacionalmente, tem ampliado a cobertura e a qualidade de vida dos pacientes. Para compartilhar essa experiência, o país sedia, entre 11 e 14 de novembro, no Rio de Janeiro, a 2ª Conferência da Rede Global sobre Doença Falciforme (GSCDN, na sigla em inglês). O evento é referência e vai reunir pesquisadores, profissionais da área e a sociedade civil.

* Convencionou-se chamar negros a soma dos grupos populacionais preto e pardo, seguindo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

Ramos-Horta: RELAÇÕES ÁFRICA-AMÉRICA LATINA SÃO “CONVERSA ACADÉMICA




O ex-Presidente timorense José Ramos-Horta classificou hoje em Marraquexe as relações Atlânticas entre a costa ocidental africana e a costa oriental latino-americana como "conversa académica".

Em declarações à agência Lusa, à margem da 3.ª edição dos Diálogos Atlânticos, um encontro de especialistas de diversas áreas em que pela primeira vez participa e que se destina a encontrar formas de reforçar as relações entre a comunidade Atlântica, formada por 54 Estados de quatro continentes - Europa, África, América (do Norte e do Sul) e Ásia (Menor) -, Ramos-Horta defendeu que tais relações não têm verdadeira expressão.

"Realisticamente falando, relações Atlânticas entre costa ocidental africana e costa oriental latino-americana? Eu diria que é conversa académica. Porquê? Vamos ver o volume de comércio: é inexistente", sustentou.

"A América Latina transaciona, sobretudo, com os Estados Unidos da América e com a Europa; as relações comerciais de África são, sobretudo, inter-africanas e com a Europa e Estados Unidos - não há comércio de alguma monta, turismo ou investimentos que atravessem o Atlântico no hemisfério sul", insistiu.

Para o ex-representante das Nações Unidas incumbido de acompanhar o processo de consolidação da paz e estabilização da Guiné-Bissau, a própria noção da existência de uma "comunidade Atlântica", só porque são países banhados por esse oceano, é "uma construção teórica", porque "apesar da geografia, que está ali, o nível de desenvolvimento económico dos países da América Latina virados para o Atlântico, à exceção do Brasil, não é à mesma escala, em termos de tecnologia, de produtos, nem sequer de um Estado médio europeu".

"O Brasil, que dá cartas a todo o mundo nas áreas da agricultura e da segurança alimentar, é o único país da América Latina com vocação africana e com dinheiro, 'konw-how' e tecnologia para marcar uma presença a sério", apontou.

Inquirido pela Lusa sobre a utilidade de um encontro como este para debater soluções para os muitos problemas que o mundo atualmente enfrenta, Ramos-Horta referiu que "há, pelo menos, uma dúzia de fóruns desta natureza, desde o Fórum Económico Mundial de Davos, a tantos outros mini-Davos pela Europa fora, África e Ásia", sublinhando que "são sempre úteis para troca de informação, para ouvir os peritos.

Mas, acrescentou, "desde que esses especialistas tenham capacidade política para influenciar decisões nos respetivos países".

"Não sendo assim, fica só em conversa académica, não é?", observou.

Admitiu, contudo, que "há pessoas que participam nestes encontros que são gente de influência nos respetivos países - influência pelo 'background' político, influência pelo seu peso académico e intelectual - e influenciam, obviamente, os governantes".

"Aí, sim", comentou.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Moçambique: CNE REQUALIFICA VOTOS




Requalificação de votos nulos e reclamados das eleições de 15 de Outubro

A Comissão Nacional de Eleições iniciou nesta quinta-feira com o processo de Requalificação dos votos considerados nulos e reclamados das eleições de 15 de Outubro. A CNE espera divulgar os resultados finais o mais tardar na próxima quinta-feira.

Dados disponíveis indicam que serão requalificados cerca de 500 mil boletins de voto referentes às eleições Presidenciais, Legislativas e para as Assembleias Provinciais. Da requalificação em curso, poderão resultar alterações nos resultados do apuramento intermédio, principalmente na distribuição de assentos no Parlamento.

O País (mz)

MOÇAMBICANAS NA ÁFRICA DO SUL: AUMENTA NÚMERO DE MULHERES NAS MINAS




Dezenas de mulheres moçambicanas trabalham como operárias nas minas da África do Sul, um mundo que durante muitos anos foi marcado pela presença exclusiva dos homens.

Hoje, destemidas, estas pegam na pá, picareta e outros instrumentos de especialidade para descerrem à mina, lado-a-lado com o homem, dando corpo a uma das mais arriscadas profissões que o Homem já inventou. Perderam o medo!

Segelina Gonçalves Chelengo, 22 anos de idade, e Julieta Macamo, 35, são duas das várias mulheres que ilustram esta realidade.

A nossa Reportagem encontrou-as em Randfontein, a cerca de 50 quilómetros do centro da cidade de Joanesburgo, na África do Sul, onde participavam de uma cerimónia de homenagem a um colega moçambicano que perdera a vida semana anterior, vítima de acidente de trabalho.

Bernardo Jorge Sitoe, de seu nome, foi atingido na cabeça por um pedregulho no interior da mina, em plena jornada de trabalho.

Mas nada disto assusta Segelina e Julieta que, segundo nos contaram, todos dias morrem colegas mineiros, não necessariamente moçambicanos. Assumem que se trata de uma actividade de risco mas, porque há falta de emprego, é preciso aceitar o desafio de descer milhares de metros de profundidade para trabalhar e garantir a sobrevivência para si e para os seus dependentes.

Cada uma delas tem uma história que a levou para as minas. Segelina, por exemplo, foi admitida em substituição do pai que reformou, enquanto Julieta entrou também para substituir o pai que perdeu a vida em 1995, num trágico acidente de trabalho em que morreram cerca de 300 mineiros. O pai foi um dos seis moçambicanos perecidos no acidente.

SEGELINA CHELENGO - FACE DO DESAFIO AO PRECONCEITO

Segelina Chelengo nasceu em 1992, no distrito de Zavala, província de Inhambane. Chegou à África do Sul em 2001, na companhia de uma tia. Conta que o objectivo inicial era continuar com os estudos.

Concluído o nível secundário, em 2013, numa altura em que o pai estava a reformar na companhia Sibanye Gold, quis o destino que fosse ela a escolhida pelo progenitor para o substituir.

Recebeu de forma tensa o convite para trabalhar nas minas, pois nunca lhe passara pela cabeça.

Fora do medo de descer à mina, temia ainda o facto de ter de enfrentar o preconceito dos homens, com agravante de ser uma jovem de apenas 22 anos.

Conta que desde 2005, quando a admissão de mulheres na mina onde trabalha passou a ser em grande escala, os homens já não a viam como “mais uma” ou com desprezo com que inicialmente era tratada.

“Mas tudo isso não foi por acaso. Todos os dias manejo as carrinhas usadas no interior das minas para transportar ouro ou outro produto explorado. Uso, igualmente, pá e picareta para tirar o minério. Todos nós trabalhamos de maneira igual. Os homens ganharam consciência disso e nos respeitam pelo que fazemos e muito bem. O preconceito acabou. É verdade que, como mulher, tenho tido algumas dificuldades mas, de forma profissional, os meus colegas, homens, prontamente, têm me ajudado”, conta Segelina.

Confessa que tem medo de trabalhar nas minas mas, enquanto não tiver um trabalho melhor, vai continuar a “descer” para ganhar o pão de cada dia.

“Se um dia conseguir outro emprego tanto na RSA como em Moçambique, estou disposta a largar tudo e abraçar o novo desafio. Trabalhar nas minas é um perigo permanente. Não há um lugar ou posição segura para se estar ou trabalhar dentro da mina. Basta estar lá em baixo a pessoa sabe que está exposta ao risco de vida. Por essa razão, apelo às minhas compatriotas para não apostarem na RSA como terra para trabalhar ou fazer o futuro. A vida está dura. Fiquem em casa – Moçambique – que estão bem. Procurem trabalhar aí e procurar ajudar as vossas famílias perto delas”, apelou.

Segelina sonha em ter filhos e constituir uma família.

JULIETA MACAMO - HERDEIRA QUE ACABOU ELECTRICISTA NAS MINAS

Julieta Macamo, de 35 anos de idade, trabalha nas minas da Anglo Gold Asshante como electricista. Uma das suas principais tarefas é reparar ou cuidar dos elevadores das minas da empresa e garantir a sua manutenção em caso de avaria. Quer dizer, a ida e o regresso dos mineiros ao trabalho depende do seu profissionalismo. É ela que tem a missão de assegurar que as máquinas estejam sempre em condições.

Diferentemente da sua colega Segelina, ela conta que entrou para a mina em substituição do pai que perdeu a vida num acidente de trabalho, em 1995.

“Na altura eu era muito nova e pediram alguém da família que fosse substituir o meu pai. O eleito foi um primo que, devido à dureza do trabalho, acabou desistindo. Já em 2003, quando estava a estudar na ADPP, em Maputo, acabei sendo proposta para fechar o lugar do meu pai. Quando cá cheguei primeiro fui submetida a uma formação intensa de electricidade e, quando os patrões viram que eu já estava madura, colocaram-me como electricista nas minas. Reparo todas as máquinas da mina. Confesso que não é fácil visto que o meu sonho foi sempre o de ser contabilista, tanto mais que já estava a frequentar um curso de contabilidade em Moçambique”, explicou.

Atingido o nível profissional desejado, em 2008, Julieta Macamo começou a exercer a sua profissão, lado-a-lado com os seus colegas do sexo masculino.

Primeiro esteve destacada na companhia Great Nolingue Mine, isto em 2008, para dois anos mais tarde passar para a Mponeng. Algum tempo depois foi destacada para a Anglo Gold Asshante, na região de Carlton Ville, onde se encontra actualmente a trabalhar.

“As vezes os donos das minas só compram maquinaria em peças e quem monta sou eu com os meus colegas. Não é fácil, mas consigo. Do mesmo modo, não é fácil trabalhar a milhares de metros de profundidade. Tenho plena consciência de que a minha vida está em perigo. É verdade que o medo e o risco de vida existem para todas as profissões, mesmo para os automobilistas que têm causado acidentes de viação, mas nunca deixamos de entrar nas minas para trabalhar. Sabemos que estamos expostos, visto que as minas não são e nunca foram um lugar de relaxamento. Sinto o orgulho de saber que milhares de mineiros dependem do meu profissionalismo para descer e subir do interior das minas”, disse.

Julieta Macamo lembra com tristeza que teve de entrar na companhia mineira porque o seu pai perdeu a vida. Lamenta ainda que recentemente perdeu um colega mas, mesmo assim, isso não a faz desanimar.

“São situações muito tristes, mas temos de enfrentar os desafios para viver. Quero aqui apelar aos moçambicanos que não olhem para RSA como lugar para trabalhar, pois não existem boas condições para tal. As pessoas vivem mal, recebem pouco e torna-se mais difícil ainda para os estrangeiros. Mesmo eu, que posso dizer que ganho razoavelmente bem, se por acaso encontrar outro trabalho ou tiver oportunidade de emprego em casa, não vou hesitar em largar este emprego e voltar para casa. Sou mãe de um filho e tenho família em Moçambique. Todos dependem de mim, porém, o que ganho não é suficiente ”, lamentou.

Hélio Filimone – Notícias (mz)

Angola: POLÍCIA “PRESIDENCIAL” MASSACRA JOVENS




AFINAL A CONSTITUIÇÃO SÓ EXISTE PARA O QUE DÁ JEITO AO REGIME

Folha 8, 16 outubro 2014

"Porra isto está cada vez pior, eles são mesmo assassinos!” afirma um dos jovens manifestantes depois de ter sido brutalmente espancado pela polícia, deixando-o com duas costelas partidas.

“Eles são sanguinários e são instruídos para matar, to­dos aqueles que respeitam a Constituição e a democra­cia. Estes homens, vestidos com farda de polícia, mais se parecem com delinquen­tes drogados, pois a forma como eles nos espancam não é normal. Infelizmente têm cobertura do regime”, lamenta Adolfo Campos.

Com o corpo completa­mente marcado pelo espan­camento a que foi alvo, o jovem manifestante, não se mostra arrependido, “pois faria, farei e participarei, de novo, em quantas mais ma­nifestações forem precisas para acabarmos com esta ditadura, que divide e dis­crimina os angolanos”.

A maioria dos manifestan­tes não conseguiu chegar ao centro do Largo 1.º de Maio, pelo numeroso pelotão de agentes dos vários corpos da Polícia, da Segurança de Estado e das Forças Arma­das. “A cada dia a Polícia mostra a única linguagem que conhece, contra quem não bajula Eduardo dos Santos: o espancamento, a brutalidade e o assassinato, pois eles não respeitam a vida das pessoas. Isso leva a que muitos cidadãos que não tenham partido, deixam de acreditar nesta Polícia”, asseverou, Adolfo.

Este pioneiro das manifes­tações critica, também, o desempenho do comandan­te da Polícia, Francisco No­tícia, que “pessoalmente me agrediu de forma sádica. É triste, este comandante só não matou por estar mui­ta gente a ver mas pelo que ele nos tem feito, não tem problemas em matar as pessoas, pelo simples facto de tentarem manifestar-se de acordo com a Consti­tuição. Na minha opinião, hoje a Polícia tem muitos homens com carácter de as­sassinos”.

Para o jovem Nito Alves, “a manifestação poderia decorrer de forma pacífi­ca, não fosse o Presidente Eduardo dos Santos, afinal ter medo de 300 jovens frustrados, como ele nos chama, enviando os seus agentes assassinos, que as­sim que nos viram começa­ram a espancar-nos”.

E explica o quadro, “quando eram 12h50’ (11.10.), chega­mos a praça da Família de onde saímos em direcção ao Largo 1.º de Maio, às 12h55’ e aqui tivemos a primeira abordagem por agentes do SINSE, que nos pergun­taram a mim e ao Adolfo, onde íamos, ao que respon­demos estar de passagem e avançamos, começamos a ter problemas na segunda e terceira barreira, quan­do chegou o comandante Notícia, que assim que viu o Adolfo no meio dos seus homens veio pessoalmente dar-lhe duas bofetadas e in­centivar a agressão”, expli­cou Nito Alves.

Fortemente policiados e sempre “com bastões e co­ronhadas fomos arrasta­dos do largo para a escola 1.º de Maio onde cada vez que chegasse um polícia a mis­são era a de nos espancar, enquanto prendiam outros que iam chegando, como os manif’s de Cacuaco que chegaram a entrar no Largo 1.º de Maio”, afirma. Estes jo­vens que conseguiram ludi­briar todas as barreiras poli­ciais e penetrar no interior do Largo, continuam presos e sem data marcada para o seu julgamento, uma vez o juiz ter, no dia 16.10, devol­vido a investigação crimi­nal o processo para melhor instrução, não alterando, in­felizmente, a condição car­cerária dos réus, que desta forma manter-se-ão atrás das grades até regresso do processo ao tribunal.

“Eu na selvajaria policial, fiquei com uma fractura no braço esquerdo, enquanto o Adolfo foi atingido na cla­vícula. Sinceramente custa acreditar que estes senho­res são mesmo polícias, pois o problema é que os seus métodos são muito se­melhantes aos dos bandidos que actuam nos bairros e isso me deixa muitas dúvi­das. Será que não mudam a farda de noite, sendo de dia Polícia do MPLA e a noite outra coisa?”, questionou Nito Alves, que ficou sem resposta de nossa parte.

“O regime através do tri­bunal ao seu serviço, está a fazer tudo para acusar os nossos colegas de arruaça e vandalismo, quando eles é que deveriam estar no banco dos réus por violação do art.º 47.º da Constituição, que não manda agredir, dar coronhadas, disparar contra as pessoas e até assassinar. Eles que cometem estes cri­mes é que deveriam estar na cadeia, mas como aqui tudo decorre da vontade do Eduardo dos Santos, nada acontece com estes agres­sores”, concluiu Nito Alves.

Os jovens retidos pela Polícia quando tentavam, no 11.10, fazendo uso de um direito constitucio­nal que, contudo, é su­balternizado pelas leis arbitrárias e avulsas do Presidente da República, manifestar-se contra a Lei da Nacionalidade, foram espancados, torturados e abandonados na rua.

“Alguns desses jovens fo­ram levados pela Polícia, espancados e deixados na rua. Foram outras pessoas que os apanharam e leva­ram para o hospital”, ex­plicou o advogado e acti­vista da associação Mãos Livres, David Mendes.

O acesso ao Largo da In­dependência, no centro de Luanda, foi bloqueado, por dezenas de agentes da Polícia Nacional, armados até aos dentes, que im­pediram a manifestação destes jovens angolanos, que contestam as anun­ciadas alterações à Lei da Nacionalidade. Como já é hábito, para além da indiferença da comuni­dade internacional, todos quantos queiram mostrar que pensam de forma diferente do regime são culpados até prova em contrário.

É um método, reconheça­-se, praticado nas de­mocracias que são pa­radigmas para o regime angolano, como é o caso da Coreia do Norte, bem como dos Khmer Verme­lhos de Pol Pot que foi pelo genocídio no Cam­boja.

A manifestação, convoca­da pelo Movimento Revo­lucionário, estava, como todas as outras, condena­da ao fracasso. Num regi­me em que a Polícia não é nacional mas, apenas, do MPLA, a lei é só uma: porrada forte e feia contra quem ponha em causa a ditadura. E assim vai con­tinuar até um dia.

Os jovens sabem que a luta é contínua e a vitó­ria será determinante, para a liberdade. Tam­bém sabem que vão de derrota em derrota até à vitória final. Sabem eles e sabe o regime. E é por isso que tentam por todos os meios perpetuar-se no poder.

“Os jovens foram levados e espancados. Ao fim do dia uns foram largados no Zango, como tem sido prática habitual da Polí­cia. Um deles estava mui­to maltratado, com uma fractura”, disse ainda o advogado David Mendes.

A proposta de alteração à Lei da Nacionalidade, contendo 26 modifica­ções e enviada em Julho à Assembleia Nacional pelo Presidente José Eduar­do dos Santos, esteve na origem deste protesto. Pretendia pedir a sua “re­vogação”, alegando estes jovens activistas que a nacionalidade “não se dá a ninguém de forma fácil”.

Com esta proposta apre­sentada ao Parlamento, o Presidente passa a ter a faculdade discricionária de conceder a nacionali­dade angolana, por natu­ralização, a estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Es­tado, estando apenas, de forma geral, consagrada a necessidade de conhe­cimento suficiente da lín­gua portuguesa.

As manifestações agenda­das pelo Movimento Revo­lucionário desde 2011, con­testando o regime angolano, envolvem, por norma, a mobilização de fortes dispo­sitivos de segurança policial e militar.

Na senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de envere­dar por “manifestações vio­lentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando a desobediên­cia civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas da po­lícia com pedras, garrafas e paus”.

E como, segundo o regime, todos são culpados até pro­va em contrário…

Outro crime que está a ator­mentar as soberbas mentes do regime respeita ao facto de, segundo o MPLA, haver indícios de que demasiados angolanos estão a pensar sem ser com a barriga. E isso não pode ser tolerado. Desde logo porque pensar faz ver que existe uma di­ferença entre a hiena que chora e a que entoa o hino do MPLA.

Tendo na memória as ma­nifestações dos jovens, ou a de ex-combatentes, não adianta, pelo menos por enquanto, dizer que a Polí­cia (sempre armada até aos dentes, sempre forte com os fracos e fraca com os fortes) e os seus capangas à civil, desrespeitam o direito à manifestação e os direi­tos humanos. E não adianta porque Angola não é um Estado de Direito e De­mocrático mas, antes, um reino em que o soba tem plenos poderes, inclusive para mandar matar quem pense de maneira diferente, como bem nos rememorou Rui Falcão, ao afirmar não ter Abel Chivukuvuku sido morto por orientação ex­pressa de Dos Santos, que agiu em sentido contrário em relação aos que foram assassinados.

O regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a me­lhor forma de exercer a sua “democracia” é ter a popula­ção na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmaga­dora maioria dos seus opo­sitores políticos e militares, a começar por Geraldo Sa­chipengo Nunda e acaban­do em “Black Power”.

O regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos manifestantes (bem como aos jornalistas) que quem manda em Ango­la – e não só, como é cada vez mais visível - é o MPLA.

Defender a liberdade de ex­pressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o re­gime não quer. Tudo quan­to envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regi­me) é algo que até põe em pé os cabelos dos caracas do MPLA.

Recorde-se, a propósito das manifestações, que Bento Bento, um dos chefes de posto do MPLA para todos os serviços, foi claro quando disse: “quem tentar mani­festar-se será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cida­dão cumpre as leis, respeita o país e é patriota.”

Apesar de tudo, as manifes­tações fazem – por muito pequenas que (ainda) sejam - tremer o regime. A tal pon­to que – relembremos - pe­rante o anúncio da primeira manifestação, o Governo angolano apressou-se a pa­gar salários em atraso nas Forças Armadas e na Polí­cia, a fazer promoções em série e a, inclusive, a man­dar carradas de alimentos para a casa de milhares de militares.

Basta também ver que, pe­rante essas manifestações, o regime pôs nas rua e por todo o lado – mesmo em lo­cais onde os angolanos nem sabiam que iria haver mani­festações – os militares e a polícia a avisar que qualquer apoio popular aos insurrec­tos significava o regresso da guerra.

No entanto, por muita força que tenha a máquina repres­sora do regime angolano (e tem-na), por muito apoio que tenha de alguns dos seus órgãos comunicação estrangeiros, nunca conse­guirá fazer esquecer que a luta é contínua e a vitória será determinante.

Angola: DEUS INDICAR-NOS-Á A SAÍDA. NÃO DESESPEREMOS



Marcolino Moco* – Folha 8, 18 outubro 2014

Pede-me o Jornal Folha 8 para me pronun­ciar sobre a enésima manifestação, de jo­vens angolanos bem identificados e ordei­ros, mais uma vez reprimida com a maior brutalidade possível, numa altura que con­tinua a não haver qualquer acto a suspender os direi­tos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Confesso que de tantas vezes que me pronunciei so­bre situações idênticas, escasseia-me o fôlego, para agora ter de repetir as mesmas palavras. Depois, o grande problema é que calam-se todas as vozes internas e internacionais rele­vantes. Alguns porque não se querem meter em política, porque certamente a política não tem que se ocupar da vida e da dignidade humana, a não ser que o carrasco seja o colonialista branco europeu, como aconteceu até 1975.

Esta indirecta é para os combatentes contra o colonialismo, ainda vivos, incluído o próprio Presidente dos Santos, que olham para isso como uma normalidade, quando fundaram as suas carreiras combatendo pelo fim da tortura colonial con­tra a reivindicação do direito à independência, que devia ser a mãe de todos os outros direitos. Não têm condições policiais para defender manifestações pacífi­cas mas têm-nas em excesso para reprimir jovens manifestantes pacíficos, contra a usurpação do poder legislativo ou pelo menos a sua banalização completa.

Com toda a comunicação social angolana e portuguesa dominada pela família Eduardo dos Santos, toda a reacção político partidária é, no mínimo vulgarizada, com porta-vozes do MPLA no poder, num quadro de reconciliação nacional, a voltar a falar dos crimes unilaterais da UNITA, e no favor que fizeram ao actual presidente da CASA-CE, por ainda estar vivo. A divisão tribal escamoteada com sorrisos falsos dentro da poderosa Igreja Católica imobiliza-a profundamente, pe­rante crimes e desmoralização tão grave da sociedade angolana, enquanto igrejas evangélicas, ontem conotadas com Jonas Savimbi e a UNITA, preferem verberar a oposição do que defender ao menos os seus fiéis contra tanta barbaridade e ma­nipulação política, como se a reconciliação nunca tivesse sido abordada e Deus se tivesse passado para o Templo do Poder e das Posses.

E como se nunca tivesse havido qualquer mudança, desde os incendiá­rios dias de 1974 e 1975, em plena guerra fria que se pensava estar na base de todas as contendas, este texto voltará a ser apodado de ser da autoria de um frustrado que está a cuspir “no prato onde comeu” e de­veria continuar a comer, arrastando-se para a mesa dos privilegiados. E alguns jovens adestrados já no meio desta terrível “educação” informal, continuarão a perfeiçoar a arte de conviver “real-politicamente” com esse tipo de regime que acham o único possível de existir na Angola da megalomania petrolífera. Até um dia quando o seu sucesso, assente sobre alicerces de barro ruir completamente com os seus sonhos gaia­tos; como aliás tem estado a acontecer quase todos os dias com muitos mais velhos e mais novos, mas a imprensa não comenta.

Falando com franqueza e numa tentativa de colocar um pouco de hu­mor nisso, a única coisa, talvez, que irei dizer de novo e de interessante (mesmo assim repetindo), é que, por enquanto só a acção heróica dos auto-intitulados “jovens revolucionários” faz sentido; e só não me junto a eles porque já não tenho idade para correr e ver meus braços e cabeça partidos, como aconteceu ao meu contemporâneo (mesmo assim mais novo do que eu) o Dr. Filomeno Vieira Dias do BD. De resto a bola con­tinua com o Presidente Santos e com o MPLA que o deveria persuadir que não se joga dessa maneira perigosa. Contudo, Deus indicar-nos-á a saída. Não desesperemos.

*Marcolino José Carlos Moco (ChitueEkunha19 de julho de 1953) é um político angolano. Foi primeiro-ministro de Angola de 2 de dezembro de 1992 a 3 de junho de 1996 e secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de 1996 a 20001 (Wikipédia)


São Tomé e Príncipe: Laços com Portugal e Angola catapultaram Patrice Trovoada




Nascido no Gabão e falando português com influências fonéticas francesas, Patrice Trovoada granjeou em São Tomé e Príncipe uma imagem de “francófono” que os seus adversários exploram contra si. No caminho de regresso à chefia do governo, desencadeou esforços para realçar as afinidades pessoais e políticas com Angola e Portugal, países com elevados níveis de aceitação na sociedade e na população.

Segundo o Africa Monitor Intelligence, a escala de Patrice Trovoada em Luanda, na sua viagem de regresso de Lisboa a São Tomé, teve como objetivo vincar a importância que atribui a Angola como parceiro do seu país, daí retirando esperados proveitos políticos e eleitorais.

Em Luanda, encontrou-se com o Vice Presidente, Manuel Vicente, e falou ao telefone com Vieira Dias “Kopelipa”, na ocasião ausente da capital. Na viagem, efectuada numa aeronave alugada, Trovoada fez-se acompanhar por quatro deputados portugueses: Mário Ruivo e João Portugal (PS), Nuno Serra (PSD) e Ribeiro e Castro (CDS).

O propósito imediato do convite aos deputados terá sido o de tentar dissuadir, por meio da sua presença, eventuais “procedimentos” das autoridades contra si próprio, ditados por acções judiciais que lhe foram movidas; num plano mais vasto, pretendeu igualmente promover a ideia de que cultiva laços especiais em Portugal – de onde procedia e onde estivera retirado desde 2013, adianta o Africa Monitor Intelligence.

A presença dos deputados trazidos pela ADI causou incómodo nos restantes partidos. O presidente são-tomense, Manuel Pinto da Costa, criticou os parlamentares portugueses, que acusou de "sujarem o nome" do país.


Aura de “vítima” de Trovoada

Vencedor das eleições legislativas de 12 de outubro com maioria absoluta, Trovoada conduziu uma campanha com uma dinâmica de vitória que o regresso ao país, a 3 de Outubro, acentuou. A figura do ex-Primeiro-Ministro foi um dos principais factores de mobilização da campanha do ADI, tendo em conta a popularidade de que goza.

A prolongada ausência no estrangeiro a que se remeteu esteve ligada a vicissitudes que lhe conferiram aura de vítima, incluindo o afastamento coercivo do poder, processos judiciais, acusações de existência de um clima interno de marginalização ou perseguição contra elementos do seu partido, etc. Em consequência, o seu regresso acabou por ter um carácter “messiânico”.

A campanha do ADI também se revelou superior à dos seus adversários em termos de capacidade financeira e organizativa. O MLSTP/PSD e PCD/GR, principais adversários, também mostraram dispor de fartos meios financeiros, especulando-se que tiveram origem em Angola. 

Outro trunfo para Trovoada foi o desgaste político-eleitoral provocado pelo governo de coligação. Osvaldo Vaz, o candidato a Primeiro-Ministro apresentado pelo MLSTP/PSD não se revelou mobilizador, tal como António Dias, do PCD/GR.

ENTRE ALUCINAÇÃO E MIRAGEM



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Durão Barroso fez, no Parlamento Europeu, o discurso de um alucinado. Como é possível, com um mínimo de realismo, dizer que a União Europeia (UE) está hoje melhor do que estava quando assumiu a presidência da Comissão?

Nestes dez anos, o "projeto europeu" sofreu uma profunda desfiguração e desconfiguração que nega objetivos e princípios em que se fundava; como "projeto político comum" é hoje um monte de cacos; perdeu prestígio e influência internacional e contribuiu para o aumento de tensões e perigos dentro do espaço europeu, no Médio Oriente, no norte de África e em países árabes; encetou um retrocesso social e civilizacional; aumentou o desemprego e está a tolher o futuro da juventude em grande parte dos países membros; falhou no crescimento económico, tendo-se agravado as desigualdades e a injustiça na distribuição dos rendimentos e da riqueza; do seu espaço continua a sair a maior parte do dinheiro e as operações que alimentam os paraísos fiscais, os recetores do imenso roubo "legal" que vem sendo feito aos povos.

Não querendo precipitar-me em julgamentos, digo, por isso, que é muito cedo para se perceber se Barroso esteve mais ao serviço dos interesses hegemónicos da Alemanha, se ao serviço de objetivos e estratégia do imperialismo americano que se agita em perigosa decadência. Mas parece inquestionável que fez dos europeus carne para canhão na dura guerra que o neoliberalismo económico e financeiro tem em marcha.

A carreira internacional de Durão Barroso nasceu nos Açores, nessa execrável cimeira em que servia de cicerone a George Bush, Tony Blair, José Maria Aznar, quando estes, sobre mentiras, engendraram a decisão final de invasão e destruição do Iraque. O que valem, na boca de Barroso, as palavras diálogo, cooperação, solidariedade ou paz? Essa cimeira desencadeou um processo de guerras horrorosas, de incremento de intolerâncias, de fundamentalismos, de barbárie, de generalização de atos terroristas. A Humanidade está a pagar um preço altíssimo por essa loucura imperialista e belicista.

Durão Barroso foi, em regra, a voz inexistente contra as injustiças e tudo fez para que os povos europeus não se pudessem pronunciar sobre o seu destino, desarmando as consultas sobre os projetos de "Constituição Europeia" que, se tivessem ido em frente, haveriam de gerar compromissos políticos alternativos e evitar que o Tratado de Lisboa viesse a consagrar uma UE dualista e injusta. Manipulando a tese de que não há um modelo social europeu, mas sim tantos modelos quantos os países membros, ele promoveu um processo de harmonização social no retrocesso. Numa atitude de servilismo transatlântico incentivou o chamado Tratado de Livre Comércio com os EUA, que muitos problemas criará ao desenvolvimento de países europeus. Durão Barroso foi o matreiro promotor das políticas de austeridade, sempre em manobrismos negociais, tendo apoiado um tal fundamentalismo financeiro e austeritário que ultrapassou as receitas do FMI.

Agora, em poucos dias, com a saída de Barroso, formou-se um sentimento de alívio e esperança em vários atores políticos e económicos. É caso para dizer que o ato mais relevante, mais esperançoso do seu desempenho foi, sem dúvida, a sua saída. Mas essa esperança poderá não passar de uma miragem se analisada com mais atenção.

A UE é hoje um navio cheio de rombos em rota perigosa. A promessa de algum desaperto da austeridade a troco da desvalorização salarial, da perda de direitos no trabalho e de prosseguimento do ataque ao Estado social, sempre debaixo do slogan "Reformas estruturais", é um grave perigo.

Sem a resolução dos grandes bloqueios que as políticas europeias significam, sem solução para as dívidas (em grande parte fruto das políticas da UE), sem outro rumo para o euro ou ajuda aos países em dificuldades para se libertarem dos aprisionamentos da moeda única, sem possibilidades de investimento e a desinfeção do sistema financeiro, não há condições para esperança. Ficarmos prisioneiros da ideia de um milagre, quando a mudança se resume à presença nova do Sr. Juncker e ao seu discurso de "sensibilidade social", pode ser muito pouco e colocar-nos à espera do que jamais acontecerá.

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