terça-feira, 19 de agosto de 2014

FERGUSON: O RACISMO NÃO É UM “CASO ISOLADO”



Christian Christensen, Nova York - Opera Mundi

A discriminação racial é uma estrutura histórica que permeia a sociedade dos EUA

Enquanto eu acompanhava os acontecimentos em Ferguson pelo Twitter, notei um pequeno fluxo de tweets de afro-americanos irritados com os usuários que sugeriam que, por causa da militarização da polícia e do uso de força excessiva (e mortal) contra cidadãos e jornalistas, Ferguson era agora como Gaza, Iraque ou outros lugares-problema do mundo. Estes cidadãos não estavam irritados porque achavam que as comparações eram injustas, mas porque tais publicações sugeriam que o uso de força excessiva era de alguma forma nova ou incomum. Para estes usuários, os EUA não haviam se tornado violento… ele sempre foi. Sugerir outra coisa seria enxergar os eventos em Ferguson como que dentro de um vácuo social e histórico, divorciado da realidade cotidiana enfrentada pelos afro-americanos, resultado de gerações de discriminação estrutural.

Estas foram observações poderosas.

Nossa visão política da vida cotidiana é frequentemente obscurecida pelo foco da mídia em eventos ou indíviduos ao invés de em estruturas e processos de longa duração. Eventos e indivíduos são amigos da mídia. Eles são fáceis de ser empacotados, construídos, embelezados, e depois tirados de cena. Eventos e indivíduos também são excelentes quando procuramos explicações, desculpas, bodes expiatórios ou heróis. A vida se torna simples desta maneira. Guerras e batalhas entre o bem e o mal. “A política é uma batalha de vontade individual.” “O racismo é um preconceito em relação a uma pessoa.” “os saques são uma quebra da lei e da ordem.”

“Contexto”, “história,” e “estrutura” apenas enlameariam estas águas claras de explicação.


Infelizmente, eventos e indivíduos são, frequentemente, nossas únicas pedras angulares para entendermos questões muito mais amplas, complexas e estruturais. E isto é um problema. Não posso mais entender o funcionamento real da política norte-americana assistindo à cobertura do debate presidencial (ou mesmo à uma eleição inteira), e também não poderia entender o racismo estrutural nos EUA ao assistir a cobertura do espancamento de Rodney King em 1991 ou do assassinato de Michael Brown em Ferguson. Não é possível testemunhar os resultados do preconceito estrutural e da desigualdade ao observar estes eventos — a partir de suas coberturas jornalísticas, não é possível ter a menor noção do quanto o preconceito e a desigualdade são um círculo vicioso.

O que perdemos com a cobertura esporádica baseada em eventos é a cotidianidade do racismo nos EUA (ou em qualquer outro lugar), e isto é o argumento daqueles usuários do Twitter que mencionei no começo do artigo. Uma percepção completa do quanto o preconceito permeia a sociedade requer atenção constante e foco sobre as coisas que tornam difícil a vida de muitos cidadãos norte-americanos: problemas de moradia, discriminação nos empregos, o racismo sutil de olhares e comentários, e o racismo aberto na forma de violência policial e invisibilidade na mídia — coisas que norte-americanos brancos raramente experimentam. E não esqueçamos das implicações a longo prazo de práticas como a pena de morte e da parcialidade da Justiça quando trata de minorias.

Esta não é uma crítica sobre todos os jornalistas que cobriram Ferguson — alguns foram excelentes — mas uma crítica ao jornalismo em geral.

Peguemos o Iraque como outro caso. Antes de 11 de setembro, o que as pessoas sabiam sobre as relações dos EUA com o Iraque e o Afeganistão? Ou sobre as políticas dos EUA na região? Muito pouco. Depois, a partir de 2003, fomos completamente saturados com a cobertura da mídia do Iraque e do Afeganistão, e havia bons jornalistas fazendo boas reportagens durante a invasão e a ocupação. Mas, depois de inúmeras horas de cobertura televisiva e toneladas de jornais, podemos dizer honestamente que as pessoas nos EUA possuem a mínima compreensão das implicações sociais, econômicas e políticas de uma operação que matou centenas de milhares de civis iraquianos inocentes? Ou do porquê os EUA foram à guerra?

Da mesma maneira, se o racismo é discutido apenas quando há histórias midiatizadas como agora em Ferguson, ou nas rebeliões de Los Angeles, ou durante o julgamento de O.J Simpson, depois estes temas são esquecidos. Quando uma questão tão fundamental à sociedade como o racismo é rotineiramente tratada apenas quando há uma conculsão social, então enfraquecemos as ligações entre estas convulsões e nossa história cotidiana, fazendo disso apenas um evento a se cobrir…

(*) Texto publicado originalmente em Carta Maior – Foto: Efe

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POLÍCIA DOS EUA MATA OUTRO AFROAMERICANO NOS ARREDORES DE FERGUSON




Fontes oficiais disseram que o jovem, de 23 anos, morreu após ser baleado por um policia porque teria tentado roubar um supermercado

A polícia de San Luis, no estado do Missouri, matou outro jovem  de ascendência africana a poucos quilómetros da cidade de Ferguson, cidade onde protestos ocorrem há mais de uma semana pelo assassinato de Michael Brown.

Fontes policiais disseram que o jovem de 23 anos morreu após ser baleado por um policia, porque teria tentado roubar um supermercado.

De acordo com o jornal local St. Louis Dispatch, o tiroteio foi por volta das 12:30 horas, hora local, de acordo com declarações do chefe de polícia Sam Dotson.

A correspondente nos Estados Unidos, Francesca Emanuelle, disse que testemunhas na área indicam que o negro tinha roubado uma loja e puxou de uma faca.

"Há duas versões do que aconteceu em seguida. Uma delas é que a polícia quando chegou disparou e a outra versão é que o assaltante é jogado ao chão com um dispositivo de choque elétrico e, em seguida, a polícia alvejou-o seis vezes", disse o jornalista.

Da mesma forma, Emanuelle disse que este evento é diferente de Michael Brown, mas vem no mesmo contexto de violência racial nos Estados Unidos.

Inicialmente, a multidão que se reuniu no local do tiroteio ficou pacífica, mas quando Dotson começou a falar com jornalistas em conferência de imprensa improvisada, a multidão manifestou-se e começou a cantar os agora familiares, "Mãos ao alto, não atirem ", um refrão comum nos protestos em Ferguson.  

Fonte: Telesur – Tradução PG - Foto: Minutos depois da matança parentes e vizinhos concentraram-se em torno da cena do crime / Kmov.com

Moçambique: ANTÓNIO MUCHANGA RESTITUÍDO À LIBERDADE




António Muchanga, porta-voz do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, foi restituído à liberdade, na tarde desta terça-feira (19), na sequência da Lei de Amnistia aprovada pela Assembleia da República (AR), no âmbito dos consensos alcançados em sede do diálogo político entre o Governo e a Renamo, e que entrou em vigor a partir de segunda-feira (18), data em que foi publicada no Boletim da República.

António Muchanga foi preso a 07 de Julho passado, à saída do Conselho do Estado na Presidência, acusado de incitação à violência, de proferir discursos incendiários e de recorrer à Imprensa para o efeito.

À saída da Cadeia de Máxima Segurança, vulgo BO, Muchanga estava acompanhado pela sua advogada Alice Mabota mas ambos não falaram à Imprensa por motivos publicamente desconhecidos.

O visado é o primeiro, da parte da Renamo, a beneficiar da Lei de Amnistia, aprovada a 11 de Agosto em curso. Refira-se que no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a setença de Muchanga foi lida por um escrivão na ausência da sua advogada, Alice Mabota. Esta é, também, presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH).

Verdade (mz)

Moçambique: CESSAR-FOGO CONTINUA REFÉM DE UMA DECLARAÇÃO OFICIAL




A Renamo diz-se pronta para assinar o acordo e declarar o cessar-fogo. O governo continua a defender que o mesmo deve ser feito em acto solene entre Guebuza e Dhlakama

O Governo e a Renamo continuam desencontrados sobre as modalidades da assinatura da declaração oficial de cessar-fogo para a materialização dos consensos alcançados na mesa do diálogo político.

Depois de terem sido ultrapassados todos os “obstáculos” que prevaleceram durante dezenas de rondas negociais, culminando com a assinatura das actas representando consensos sobre as matérias que estiveram em cima da mesa e com a aprovação de uma Lei de Amnistia, as partes continuam sem consensos sobre a legitimidade de quem deve declarar e rubricar o acto que vai marcar o fim da “guerra”, não obstante as armas estarem “caladas” há mais de um mês.

Na 72ª ronda negocial, a Renamo voltou a dizer que a declaração oficial do fim das hostilidades só não acontece porque o governo assim não quer. “Nós viemos aqui, mais uma vez, dispostos para declarar o cessar-fogo e assinar a declaração final que materializa o acordo, contudo, isto não aconteceu porque, mais uma vez, o governo voltou a dizer que não tem competências para o efeito”, disse Saimone Macuiane, chefe da delegação da Renamo, em conferência de imprensa, no final da ronda negocial de ontem.

“A delegação da Renamo recebeu do partido e do presidente Afonso Dhlakama mandato bastante para assinar o acordo e declarar o cessar-fogo, mas, infelizmente, o governo continua a dizer que é incompetente para o efeito”, acrescentou Macuiane.

Durante a sessão de ontem, que durou cerca de quatro horas, a assinatura do acordo de cessar-fogo foi o único ponto que esteve em cima da mesa, mas nem o tempo foi capaz de aproximar as partes.

Governo desconfiado

Por detrás da falta de consensos sobre quem deve ou não assinar o acordo sobre o fim das hostilidades, parece estar uma questão de falta de confiança mútua, do governo em particular.

O executivo defende que o cessar-fogo deve ser assinado pelo Presidente da República, Armando Guebuza, e pelo líder da Renamo, Afonso Dhlakama, como forma de dar maior legitimidade ao processo. “O ideal é que o acordo seja assinado num encontro ao mais alto nível, num acto solene, que possa ser assistido por todos, de forma a dar garantias ao processo e ao povo moçambicano. Contudo, em nome da cordialidade que tem caracterizado as sessões e aproximação que temos, vamos continuar a dialogar para encontrar a melhor maneira que conforte e dê segurança às partes”, sustentou Pacheco.

Confrontado com a possibilidade avançada pela Renamo de ter que enviar o expediente para que a parte que cabe a Dhlakama seja rubricada em separado, no local onde se encontra escondido, José Pacheco manifestou um claro cepticismo. “É uma linha que precisamos de aprofundar. É preciso evitarmos riscos”, disse o chefe de delegação do governo, José Pacheco, no final da 72ª ronda do diálogo político.

Apesar deste cepticismo, Pacheco assegurou que as partes estão a fazer um exercício com vista a encontrar a melhor forma de ultrapassar os entraves, na sequência desta nova proposta da Renamo. “O desafio é encontrar o cenário ideal para a homologação deste documento”, acrescentou Pacheco, face a outra proposta da Renamo, segundo a qual a delegação deste partido no diálogo poderia assinar o documento, tendo em conta que já recebeu ordens do seu líder.

Desde que o processo de diálogo político iniciou, há mais de ano e meio, o mesmo tem sido caracterizado (em termos quantitativos) por mais baixos que momentos altos.

Com excepção do mês de Julho e princípios de Agosto, que foram os mais produtivos, todos os anteriores foram, regra geral, caracterizados por impasses.

Desde a aprovação da Lei de Amnistia, as últimas rondas do diálogo têm sido improdutivas, esbarrando sempre no impasse sobre quem deve homologar o documento final. A próxima ronda negocial ainda não tem data confirmada, contudo, nela continuam depositadas todas as esperanças de que o cessar-fogo seja declarado e rubricado, restando saber em que modalidades vai acontecer.

O País (mz)

Moçambique: ANTÓNIO MUCHANGA (Renamo) SERÁ LIBERTADO DENTRO DE MOMENTOS




Acompanhe o desenvolvimento da notícia da libertação do porta-voz de Afonso Dhlakama na emissão de hoje da VOA

Voz da América

O porta-voz do presidente da Renamo António Muchanga deve ser libertado dentro de momentos em Maputo, ao abrigo da lei da amnistia publicada ontem no Boletim da República.

Muchanga foi detido há mais de um mês no Palácio Presidencial depois de ver levantada a sua impunidade como membro do Conselho de Estado e acusado de incitação à violência.

Segundo a lei, “a amnistia aplica-se aos crimes cometidos contra as pessoas e a propriedade, no âmbito das hostilidades militares ou conexas, de Junho de 2012 até à data da entrada em vigor da presente lei”, ou seja, até ontem.

O texto considera como conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com os crimes militares e contra a segurança do Estado.

Ainda de acordo com a legislação aprovada por unanimidade na semana passada pelo parlamento moçambicano, o Estado garante a protecção contra qualquer procedimento criminal sobre actos e factos abrangidos pela amnistia.

Voz da América

Portugal: Governo quer dar ao bandido o ouro da Misericórdia de Lisboa



JOSÉ VÍTOR MALHEIROS – Público, opinião

O decreto agora aprovado é um gesto anti-patriótico, um gesto contra a segurança social e um gesto contra os pobres

Uma lei ou um decreto não entram em vigor quando são aprovados pelo Governo ou pelo Parlamento, nem sequer quando são promulgados pelo Presidente da República, mas apenas quando são publicados. Numa democracia, é o facto de dar a conhecer as leis aos cidadãos e de as expor ao julgamento público (porque, mesmo depois de entrar em vigor, uma lei pode sempre ser revogada ou alterada se for julgada injusta ou ineficaz) que as torna de facto leis da República.

A publicação é uma condição necessária (ainda que não suficiente) para conferir a uma lei a sua dignidade e a sua validade porque a publicação, o conhecimento pelo povo, é a condição primeira da participação e da escolha democrática.

Mas este está longe de ser o único caso em que a publicação, a transparência, a exposição ao julgamento público é considerada essencial à validade de um processo político ou jurídico. Todos conhecemos o caso dos casamentos, contratos públicos, onde é obrigatória a publicação prévia de banhos e a sua celebração de porta aberta, ou o caso dos julgamentos, cerimónias públicas por excelência, onde apenas circunstâncias excepcionais, relacionadas com a protecção de valores superiores e devidamente justificadas (protecção de menores, por exemplo) podem permitir a sua realização de porta fechada.

Mesmo no caso das leis, a publicação não é um procedimento apenas devido após a conclusão do processo. Numa democracia, todo o processo de produção das leis tem de ser absolutamente transparente e estar sempre exposto ao escrutínio público. O povo tem o direito a saber quem propôs uma lei, quem escreveu a proposta, quem foi ouvido para a sua preparação, que discussão teve lugar, quem defendeu que posição e com que argumentos, que alterações lhe foram introduzidas durante a discussão, quem a aprovou, quem votou contra e quem se absteve e com que argumentos, etc.

E esta transparência não se pode restringir à discussão nos plenários do Parlamento, que é a parte mais espectacular mas a mais superficial da produção legislativa. Ela tem de incluir todos os trâmites processuais, incluindo as posições das inúmeras entidades cuja consulta os deputados considerem necessária e que deveriam ser sempre disponibilizadas para consulta dos cidadãos, no dossier de documentos preparatórios que deveria estar disponível nos sites do Parlamento e do Governo para consulta pública, ao lado de cada diploma em discussão ou aprovado.

Qualquer sonegação de informação, qualquer encobrimento habilidoso fere de morte o processo legislativo e descredibiliza os políticos e, por arrasto, a própria democracia. É por isso que é sempre particularmente grave ver o mês de Agosto ou o período do Natal serem aproveitados para "enfiar" à sucapa algumas leis controversas ou uns concursos destinados apenas a alguns amigos avisados, enquanto o povo está distraído, em férias e festas. É esse o caso da FCT, que abre e fecha em Agosto um concurso para bolsas de gestão de ciência e tecnologia ou, o que é muito mais grave, o caso do decreto da Assembleia da República de 25 de Julho que "autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da exploração e prática do jogo online".

Na prática, como já foi denunciado nomeadamente por José Ribeiro e Castro (único deputado da maioria a votar contra, honra lhe seja feita) este decreto, contestado por toda a oposição, abre a porta à privatização dos chamados jogos de fortuna e azar, como a lotaria, o totobola e o Euromilhões, com a desculpa aldrabona de que é preciso regulamentar o jogo online e que isso passa pela sua liberalização. É falso, mas o lobby do jogo, que possui muitos milhões para influenciar vontades, não tem olhado a meios nem a despesas para enfiar esta cunha através da qual espera conseguir finalmente destruir o monopólio da Misericórdia de Lisboa e apoderar-se dos seus enormes lucros, que actualmente alimentam a Segurança Social.

A iniciativa legislativa que pretende dar ao bandido o ouro da Misericórdia de Lisboa é do secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, e a ideia é simples. O que se pretende é abrir uma excepção no domínio dos jogos de azar, permitindo a entrada de entidades privadas, de forma a destruir aquela que tem sido a argumentação do Estado português na União Europeia em defesa do monopólio do jogo por parte da Misericórdia - o seu objectivo social, a necessidade de não promover o vício do jogo, etc...

A actual situação portuguesa é perfeitamente compatível com as regras da UE (ao contrário do que dizem as vozes seduzidas pelo lobby) mas deixará de o ser se o próprio Estado abrir uma excepção. O decreto agora aprovado é por isso um gesto anti-patriótico, que mina uma posição de defesa nacional; um gesto contra a Segurança Social, que mina uma fonte essencial do seu financiamento; um gesto contra os pobres, que beneficiam dos serviços da Misericórdia; e um gesto em favor das grandes empresas de jogo, que assim conquistam mais uma ferramenta de alienação e de exploração dos trabalhadores. Uma das portas que o novo decreto abre é, sintomática e tristemente, a publicidade ao jogo, numa era onde se tenta restringir cada vez mais a publicidade ao tabaco e ao álcool por razões de saúde pública.

O jovem Adolfo Mesquita Nunes está orgulhoso porque sabe que, com esta fulgurante medida, a sua carreira política e o seu futuro estão garantidos. O Governo, por seu lado, exulta, com mais uma medida que nos vai roubar a todos mais umas centenas de milhões de euros por ano e enfiá-los no bolso de grandes senhores da finança.

Portugal: Eugénio Rosa acusa administração do Montepio de erros de gestão




Eugénio Rosa criticou a atual gestão da administração do Montepio, liderada por Tomás Correia. O economista, que também é membro do conselho geral do Montepio, da Assembleia Geral e do Conselho Geral e de Supervisão da Caixa Económica eleito na Lista C pelos associados, escreveu uma nota onde procura esclarecer os associados que o têm contactado, na sequência da notícia de que o Montepio está a ser alvo de uma auditoria forense, por parte do Banco de Portugal.

Bárbara Barroso – Dinheiro Vivo

Eugénio Rosa publicou, no seu site pessoal, um documento onde demonstra a evolução dos principais indicadores do Montepio e não só a gestão como a compra do Finibanco, que afirma ter sido um negócio que contribuiu para a destruição de valor da instituição financeira.

"É importante ter presente isso porque essa aquisição teve um impacto negativo grande no Montepio, ainda maior porque o país estava, e está, mergulhado numa grave crise económica e social com consequências muitas grandes em todos os bancos", adianta.

O economista revela, numa tabela, que em 2011 (ano da OPA e de incorporação do Finibanco), o crédito concedido sem garantias disparou (entre 2010 e 2011, passou de 976 milhões de euros para 1.625 milhões de euros, ou seja, mais 66,5%), e as provisões/imparidades para fazer face a perdas no crédito concedido e em operações financeiras aumentaram de 603 milhões de euros para 878 milhões de euros (+45,6%).

Eugénio Rosa demonstra também o impacto que esta aquisição teve na margem financeira e no produto bancário e conclui:"É visível o impacto negativo da aquisição do Finibanco nas contas da Caixa Económica, até porque o Finibanco era um banco com um perfil risco muito mais elevado do que o da Caixa Económica e seria previsível que, com a persistência da atual crise, o incumprimento disparasse com consequências negativas para o Montepio, como se está a verificar".

Segundo o economista, que encabeçou a Lista C contra Tomás Correia, atual presidente (que liderava a lista A), a aquisição do Finibanco constituiu "um erro grave de gestão, não criando valor para o Montepio, mas sim destruindo valor. Foi por estas razões, que a realidade veio depois confirmar, que votamos contra a sua aquisição".

No entanto, Eugénio Rosa afirma que os atuais problemas da Caixa Económica não resultam apenas da compra do Finibanco. "A crise atual está a ter também um impacto grande na Caixa Económica, como sucede com todas as instituições financeiras, o que agrava os problemas resultantes de uma gestão pouco adequada, e mesmo, a nosso ver, com erros graves", acrescentou.

Segundo o economista para "disfarçar graves erros de gestão e para criar a ilusão de que a sua gestão está a enfrentar com êxito a grave crise económica, financeira e social que fez disparar o incumprimentos e baixar drasticamente o crédito, com consequências muito negativas na estabilidade do sistema financeiro, os banqueiros afirmam, perante um caso de falência de um grande cliente, ou do provável não reembolso de crédito concedido como é o caso do grupo Espirito Santo, que tal não acarretará consequências para o seu banco, porque esse crédito já estava provisionado".

E acrescenta: "Num entanto, "esquecem-se" de informar os acionistas, os associados ou clientes, o que significa criar uma provisão ou que é uma imparidade. Uma provisão ou uma imparidade é um custo que reduz os lucros (se o banco os tiver) ou aumenta os prejuízos (no caso de não ter lucros)".

Na nota adianta ainda que "afirmar que isso não determina problemas para o banco porque esse crédito já está provisionado é ou tentar enganar a opinião pública ou então dão uma ideia de ignorância do que falam".

Sobreo facto de muitos associados o terem questionado sobre se as suas poupanças estão seguras na associação mutualista, Eugénio Rosa responde: "A Caixa Económica está umbilicalmente ligada à Associação Mutualista (quase 2/3 das poupanças dos associados colocadas na Associação Mutualista estão aplicadas na Caixa Económica), e a Caixa Económica conseguiu até a este momento, e espero que aconteça no futuro (e eu estou empenhado nisso), resistir aos efeitos negativos que esta grave crise económica, financeira e social está a ter em todas na instituições financeiras".

Na foto: Eugénio Rosa, membro do conselho geral do Montepio

Angola: CASO BES…A - REGIME TIRA O TAPETE A PORTUGAL



Folha 8, 16 agosto 2014

Quando o im­pério do Gru­po Espírito Santos ruiu, o BES não tinha apenas uma participação, mas uma ex­posição creditícia ao BESA de cerca de 3 mil milhões de euros. E até aí tudo fa­zia sentido. Angola é pro­dutora de petróleo, dispõe de enormes recursos e a economia cresce de for­ma acelerada e sustentada. Com esta crise, Portugal esqueceu-se que sempre que vinha cá com a mão estendida o regime abria a torneira. Lisboa picou a onça. Mas o pau era cur­to…

Não admira, por isso, que Portugal apostasse tudo e a qualquer preço no regime de Eduardo dos Santos, o que é diferen­te – muito diferente – de apostar em Angola. Lisboa sempre soube que o regi­me é um dos mais corrup­tos do mundo e que os an­golanos na sua maioria são pobres. Mas isso nunca preocupou os diferentes governos portugueses.

Neste jogo sempre estive­ram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa população vive com menos de 2 dó­lares por dia, que a maio­ria têm pouco ou nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África e que a sua filha Isa­bel é a mulher mais rica de África.

Por razões óbvias, Portu­gal sempre esteve ao lado do regime. Tanto roubou como ficou a guardar os que roubavam. Foi uma sociedade mafiosa que, como sempre, fez com que – em ambos os países – poucos tivessem mais milhões e mais milhões ti­vessem pouco ou nada.

Portugal esqueceu-se, contudo, que os donos do regime aprenderam com os melhores professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua desde 1975, os sucessivos governos lusos fornece­ram quilómetros de corda ao MPLA que, suposta­mente, serviria para amar­rar as relações entre os dois países. Mas a prática mostrou que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra. Essa corda vai ser­vindo para “enforcar” os próprios portugueses.

Mesmo sabendo que fazer negócios em Angola é pra­ticamente impossível sem o envolvimento directo de políticos do partido do go­verno, Portugal nunca se preocupou. Pelo contrário. Alinhou. Lisboa precisava e Luanda tinha.

Sendo que corrupção no caso BES é muito mais grave do que se imagina, o BESA é, sem dúvida, um parceiro do regime, o ban­co do regime. Não porque tenha investido de forma produtiva na economia angolana mas, antes, por financiar sem retorno os políticos do regime com dinheiro roubado ao erá­rio público.

Como todos os bancos an­golanos, o BESA concedeu empréstimos excessiva­mente nos últimos anos: a sua carteira de crédito duplicou de volume entre 2010 e 2012, deixando-a com um rácio de crédi­to/depósitos de cerca de 200% e a qualidade da carteira de crédito tem vindo a deteriorar-se ra­pidamente, levantando preocupações sobre a sua solvência e liquidez.

Em Dezembro de 2013 a própria Angop dizia que os accionistas concordaram com recapitalizar o banco, no montante de 500 mi­lhões de dólares. Ao mes­mo tempo, o Estado (re­gime) avalizou até 5,7 mil milhões de empréstimos contabilizados no BESA. A garantia foi concedida por insistência pessoal do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, após uma reunião com Ricar­do Espírito Santo Salgado, então o DDT (Dono Disto Tudo) do grupo.

Embora a maioria das jo­gadas tenha sido feita lon­ge de critérios de transpa­rência, no passado dia 1 o Banco de Portugal dividiu o BES em dois bancos, o “bom” e o “mau”, naciona­lizando temporariamen­te o “bom” e deixando os detentores de dívida su­bordinados às perdas no banco “mau”.

A parte angolana de inves­timentos do BES manteve­-se no banco “mau”. O regime de Eduardo dos Santos não gostou. No dia 4 o Banco Nacional de Angola pôs o BESA sob sua jurisdição e revogou a garantia soberana. Com isso o BES/“banco mau” teve uma perda imediata de cerca de 3 mil milhões de euros.

Ao contrário do que pen­sam os peritos de Lisboa, os homens do regime não são matumbos. O governo angolano concedeu uma garantia ao BESA que não foi retribuída pelo executi­vo português. Ao recusar o apoio aos investimentos do BES no BESA, Passos Coelho denunciou unilate­ralmente o acordo. A reta­liação era inevitável.

Mas será mesmo assim, ou há outras jogadas de bastidores? A garantia não foi revogada totalmente. O BNA irá injectar 5 mil mi­lhões de dólares no BESA. Injectar significa empres­tar ou recapitalizar?

Num artigo incisivo que, com alguma benevolência analítica, mostra a pro­miscuidade ente a políti­ca e actividade bancária, a revista norte-americana Forbes diz que a crise no BES poderá ainda estar no adro, muito embora os párocos de serviço digam o contrário. Desta feita, indica que o BESA pode­rá revelar-se o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” ou, até mesmo, o epicentro de um pântano de areias mo­vediças.

“Como se ter sido posto de joelhos por um conglo­merado corrupto de base familiar não fosse o sufi­ciente, o Banco Espírito Santo poderá agora conhe­cer novas perdas devido ao falhanço da sua subsi­diária em Angola. O BES é dono de 55% do segundo maior banco de Angola, o BES Angola. Em anos re­centes, o BESA tornou-se criticamente dependente do BES para se financiar, por causa do seu rácio de depósitos/empréstimos e da deterioração da sua carteira de depósitos”, diz a Forbes.

Assim, desta forma pura e dura, a Forbes passa a pen­te fino as implicações do BESA no banco português, sobretudo pela exposição do BES ao banco angola­no, que rondará os três mil milhões de euros.

Na mesmo artigo diz-se que que o BESA, mais do que ser um banco como deveria ser entendido, acabou por ser um parcei­ro do governo de Eduardo dos Santos, tanto que os seus investimentos igno­raram pressupostos de produtividade, ficando o banco aos dispor dos po­deres instalados.

Explica a Forbes que, após a separação do BES em dois bancos, com os inves­timentos portugueses em Angola a permanecerem no “banco mau”, o gover­no angolano encarou isso como um ato hostil, tendo a garantia soberana sobre o BESA sido cancelada.

Agora, numa altura em que ainda há muita in­certeza relativamente à forma como será gerida a situação do “banco mau”, é certo que as relações eco­nómicas entre Portugal e Angola, através do BESA, poderão ter os dias conta­dos.

Por sua vez o The New York Times diz que um grupo de investidores que foi atingido pela crise do BES afirma que “alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiá­ria bancária do BES em Angola, o Banco Espíri­to Santo Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”. Os investidores ponderam avançar contra uma “ac­ção legal contra os regula­dores portugueses”.

O The New York Times escreve que “investidores de fundos de alto risco, furiosos por verem as suas participações no Banco Espírito Santo reduzidas a zero, estão a ponderar avançar com uma acção legal contra os regulado­res portugueses”.

“De acordo com banquei­ros e advogados envolvi­dos na iniciativa, os fun­dos incluem o Third Point, fundado por Daniel Loeb, e o GLG, em Londres, e grupos mais pequenos especializados em obriga­ções problemáticas, tais como Aurelius, Golden Tree e VR Global”, avança a publicação, acrescentan­do que “entre os maiores investidores que sofreram perdas encontram-se o EJF Capital, um fundo se­diado em Arlington, Virgí­nia., e a unidade de gestão de activos com sede em Londres do BTG Pactual, o banco de investimento brasileiro”.

Sublinhando que “os títu­los em causa constituíam uma variedade especial­mente arriscada de dívida júnior que o BES emitiu no ano passado”, e que passa­ram agora para o “banco mau”, o correspondente de Economia e Finanças do NYT, Landon Thomas Jr., afirma que “este episó­dio realça até que ponto as taxas de juros baixíssimos nos EUA levaram muitos investidores a fazerem apostas arriscadas em títu­los de alto rendimento de bancos e do governo em Portugal e na Grécia”.

“Durante mais de um ano, estes investimentos obti­veram altos rendimentos. Mas à medida que sur­giam dúvidas sobre a ca­pacidade de crescimento da Europa e a capacidade dos bancos para suportar um número crescente de maus empréstimos, estas obrigações e acções alta­mente rentáveis inverte­ram a sua direcção”, escla­rece o jornalista.

No seu artigo, Landon Thomas Jr. assinala ainda que “o grupo de investi­dores afirma que alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiá­ria bancária do BES em Angola, o Banco Espíri­to Santo Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”.

“Eles alegam que este conjunto de cerca de 3,3 mil milhões de euros em empréstimos duvidosos vai melhorar o seu valor ao longo do tempo por­que os credores incluem membros poderosos da elite política e económica angolana. E dizem que os reguladores portugueses encaminharam estes acti­vos para o banco bom por forma a aumentar o seu valor – assumindo que os empréstimos vão crescer em valor”, avança o cor­respondente do NYT.

Angola: BLOCO DEMOCRÁTICO ACUSA PR DE VIOLAR A CONSTITUIÇÃO



Manuel José – Voz da América

O partido Bloco Democrático(BD) acusou o presidente José Eduardo dos Santos de violar a constituição ao adiar constantemente a realização das eleições autárquicas

A sexta sessão do Conselho Nacional do Bloco Democrático - que confirmou para os dias 29 e 30 de Novembro deste ano a realização do seu terceiro congresso a que o BD designa de Convenção Nacional - produziu um comunicado de 11 pontos lido pelo seu presidente Justino Pinto de Andrade.

No último ponto, o BD mostra o seu desapontamento pela não materialização das eleições autárquicas no país, acusando o Presidente da República de “mais uma vez demonstrar a sua falta de compromisso com a palavra dada, ao remeter para o campo das dúvidas, a ideia da implementação das autarquias, violando assim a constituição da república e impedindo o progresso institucional do país e o seu desenvolvimento equilibrado".

O BD condenou também os sucessivos “actos de repressão” do Executivo contra todos os que tentam manifestar-se pelos seus direitos e classificou o Governo de incoerente ao mostrar uma cara lá fora enquanto no país maltrata os seus cidadãos.

O recente escândalo financeiro do BESA não escapou à critica do Bloco Democrático que disse que esse caso poder ser um indicador de um saque generalizado nas contas publicas.

O BD apelou  à sociedade angolana para se manter "atenta face aos recentes escândalos no mercado financeiro nacional que apontam para um saque generalizado do erário publico pelo grupo hegemónico do poder e evidenciam uma despudorada promiscuidade entre os interesses egoístas privados e os interesses nacionais", concluiu o Bloco Democrático.

Angola: REPATRIAMENTO COMEÇA AMANHÃ



Adelina Inácio – Jornal de Angola

O processo de repatriamento voluntário e organizado dos 29.659 ex-refugiados angolanos que se encontram na República Democrática do Congo (RDC) começa amanhã, garantiu o director nacional para a acção social do Ministério de Assistência e Reinserção Social.

André Zinga disse ao Jornal de Angola que a abertura oficial do processo de repatriamento começa com um grupo de angolanos provenientes de Kinshasa (capital da RDC) para a província do Uíge, que vai receber mais de oito mil refugiados. Semanalmente, vão ser recebidas mil pessoas, em dois comboios de 500 cada. O Executivo pretende concluir o repatriamento dos ex-refugiados em Dezembro deste ano. 

De acordo com o comunicado final da reunião tripartida entre Angola, República Democrática do Congo e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que decorreu em Julho, em Luanda, os 29.659 candidatos ao repatriamento voluntario têm como destino final as provinciais do Moxico (8.413), Uíge (7.667), Zaire (4.783), Lunda Sul (2.427), Lunda Norte (1.814), Malanje (788), Luanda (586), Bengo (397), Huíla (262), Benguela (236), Huambo (119), Cuanza Sul (103), Cuanza Norte (79), Cabinda (44), Namibe (4), Cuando Cubango (2). Angola e a República Democrática do Congo assinalaram a existência de 1.204 pessoas que ainda não foram verificadas, sendo 966 em Kinshasa e 238 em Kahemba e Bandundu. 
 
O director nacional de acção social disse que o Executivo pretende dar início à integração dos ex-refugiados nas províncias do Uíge, Zaire e Moxico, onde já estão criadas as condições de recepção.

“Os terrenos foram identificados, as comissões provinciais para os refugiados já estão constituídas e foi feita a vistoria e limpeza dos espaços”, referiu.  

Outras províncias de entrada dos ex-refugiados são as de ­Cabinda, Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico, para os angolanos que estão no Baixo Congo, Kinshasa, Catanga e Bandudu, zonas fronteiriças com estas provinciais.

Na República Democrática do Congo existem 47.851 angolanos. Deste número, 29.659 manifestaram a intenção de regrar voluntariamente e 18.192 optaram pela integração naquele país.

Aos angolanos que afirmaram a intenção de regressar ao país vão ser entregues salvo-condutos, como documento de viagem, depois do registo e sua verificação.  Está tudo preparado para que as equipas móveis dêem início ao registo e atribuição de cédulas e emissão de Bilhete de Identidade, a partir de Setembro.  

“Aos angolanos que vão permanecer após a emissão desta documentação, os Serviços de Imigração e Estrangeiros vão atribuir passaporte, enquanto as autoridades congolesas vão emitir um cartão de residente”, explicou. 

André Zinga disse que o Executivo recebeu garantias das autoridades congolesas que, ­enquanto estiver a decorrer o processo de atribuição de documentação aos ex-refugiados, vão prorrogar, até 30 de Julho de 2016, a estada dos angolanos que estão em situação migratória ilegal.

Assistência até à reintegração

O ministro da Assistência e Reinserção Social, João Baptista Kussumua, garantiu recentemente que os ex-refugiados que decidiram regressar ao país vão receber assistência social até à fase de reintegração nas áreas de destino final.  

A intenção, afirmou o ministro, é facilitar a integração e o acesso aos diferentes serviços a estes angolanos. 

Os que, não sendo nacionais, pretendem aproveitar o processo de repatriamento para, de forma fraudulenta, entrarem em Angola, o ministro advertiu que vão estar sujeitos às medidas punitivas previstas na Lei, que inclui a expulsão. 

Angola propôs à República Democrática do Congo maior dinamização do processo de repatriamento voluntário e de integração local, com vista a contribuir para a diminuição do fenómeno dos refugiados em África.

Os dois países vão estabelecer, de Agosto a Novembro, um cronograma de actividades para a conclusão da recolha e confirmação definitiva das intenções de regresso ao país dos ex-refugiados angolanos e emissão pelos serviços consulares de Angola na República Democrática do Congo de salvo-condutos para os ex-refugiados.

Foto: Rogério Tuti


Encerrou em Victoria Falls a cimeira de presidentes e chefes de Governo da SADC




A 34ª Cimeira dos chefes de Estado e de Governo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) aprovou diversos instrumentos jurídicos e várias recomendações destinadas a manter a paz e a promoção de políticas de desenvolvimento na região.

África 21, com Angop

Victoria Falls (Zimbabwe) - A 34ª Cimeira dos chefes de Estado e de Governo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) encerrou segunda-feira (18) no  Elephant Hills Resort Lodge, Victoria Falls, no Zimbabwe, com a assinatura de instrumentos jurídicos e a leitura do comunicado final.

Os líderes dos países membros da organização regional rubricaram três protocolos referentes ao Tribunal da SADC, Gestão do Meio Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável e Emprego e Trabalho, bem como uma declaração sobre o Desenvolvimento de Infraestruturas.

A cimeira elegeu Robert Mugabe, chefe de Estado do Zimbabwe, e o general Seretse Khama Ian Khama, presidente do Botswana, para os cargos rotativos de presidente e vice-presidente da SADC, respectivamente.

Por outro lado, a cimeira elegeu o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e o primeiro - ministro do Reino do Lesoto, Thomas Motsoahae Thabane, para as funções igualmente rotativas de presidente e vice-presidente do Órgão de Cooperação nas Áreas Política, Defesa e Segurança da organização, respectivamente.

De acordo com o comunicado distribuído no final, a cimeira inteirou-se do relatório do presidente cessante do Órgão de Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e Segurança da SADC, Hifikepunye Pohamba, presidente da Namíbia, que retrata a situação política prevalecente na região.

Segundo o documento, a África Austral permanece, de um modo geral, relativamente pacífica e estável.

Sobre a República Democrática do Congo, a cimeira confirmou a decisão tomada pela última reunião ministerial conjunta SADC-CIRGL que exigiu a rendição e a desmobilização voluntária das Forças Democráticas de Libertação do Rwanda (FDLR) dentro de seis meses.

A Cimeira apelou às Nações Unidas para, em colaboração com a União Africana, desempenhar o seu papel no processo de repatriamento dos elementos das FDLR que se renderam e desarmaram voluntariamente, ou providenciar condições de reassentamento temporário em terceiros países, fora da Região dos Grandes Lagos.

Quanto a Madagáscar, a cimeira reafirmou o seu compromisso em apoiar este país no contexto do diálogo, da reconciliação e dos processos de reconstrução nacional, tendo exortado a comunidade internacional a ajudar as autoridades malgaxes no seu processo de desenvolvimento.

Relativamente ao Lesoto, a Cimeira encorajou os líderes do governo de coligação para continuarem os esforços tendentes à procura de uma solução política duradoura ao actual impasse e sublinhou o compromisso assumido pela SADC de apoiar as autoridades do país.

Os chefes de Estado e de Governo apelaram ainda a todos os líderes políticos e ao povo em geral para que desistam de quaisquer acções capazes de comprometer a paz e a estabilidade reinantes no país, bem como instou os actores políticos a resolverem a tensão política, à luz da Constituição e das leis vigentes no país, em consonância com os princípios democráticos.

Economia

A cimeira orientou para que a industrialização esteja no centro das atenções da agenda de integração regional da SADC, tendo, para mandatado um Grupo de Trabalho Ministerial sobre a integração Económica Regional para formular uma estratégia e roteiro para a industrialização na região.

Os estadistas tomaram nota dos avanços registados na revisão do Plano Estratégico indicativo de desenvolvimento regional e recomendaram a finalização do Plano de Implementação, a fim de providenciar as linhas orientadoras rumo à materialização dos programas.

Ao encerrar o evento, o presidente eleito da SADC, Robert  Mugabe, expressou a sua determinação em representar  os interesses da comunidade em diversos fóruns internacionais, para que os programas e projectos da organização estejam sempre presentes, tendo solicitado o apoio de todos os Estado membros nesta tarefa.

Secretário-geral da ONU espera que polícia dos EUA esclareça assassinato de Michael Brown




O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, espera que "a polícia americana esclareça as circunstâncias sobre a morte de Michael Brown e que a justiça seja feita".

África 21, com Rádio Onu

Nova York - O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, espera que "a polícia americana esclareça as circunstâncias sobre a morte de Michael Brown e que a justiça seja feita". Ban pediu às autoridades que garantam os direitos de reunião pacífica e de liberdade de expressão da população.

Ele pediu ainda moderação a todos os lados e que os policiais respeitem as normas dos Estados Unidos e internacionais no trato com manifestantes.

Segundo agências de notícias, no dia 9 de agosto, Brown foi baleado por um policial depois de uma briga na cidade de Fergunson, no Missouri.

O FBI iniciou investigação para apurar as causas do assassinato do jovem afro-americano, que estava desarmado, por um policial branco.

Desde o incidente, a polícia local enfrentou várias manifestações violentas que levaram o governador Jay Nixon a decretar toque de recolher e a convocar a Guarda Nacional para ajudar na segurança.

Segundo a mídia americana, o presidente Barack Obama disse que o secretário de Justiça, Eric Holder vai visitar a cidade para conversar com as autoridades sobre a situação.


EUA: POR TRÁS DA CASA BRANCA, O ESTADO PROFUNDO




Como o Pentágono e mega-instituições financeiras norte-americanas constituíram um “governo das sombras”, que pressiona incessantemente por guerra, vigilância e concentração de riquezas

Mike Lofgren – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

Roma viveu de seu capital até que a ruína a encarou de frente. 
A indústria é a única fonte de riqueza verdadeira, e não havia nenhuma indústria em Roma.
Durante o dia, o caminho de Ostia ficava lotado de carroças e tropeiros
transportando para a cidade grande sedas e especiarias do Oriente,
mármore da Ásia Menor, madeira do Atlas, grãos da África e do Egito;
e na volta as carroças não traziam nada além de um monte de esterco.
Essa era sua carga no retorno

Winwood Reade, “The Martyrdom of Man” (“O Martírio do Homem”), 1871

Há o governo visível localizado em torno do National Mall, em Washington, mas também há outro governo, mais sombrio e indefinido, que não é explicado na escola secundária ou observável por turistas na Casa Branca ou no Capitólio. O primeiro consiste na política partidária tradicional de Washington: a ponta do iceberg que os jornais e TVs enxergam diariamente e que, em teoria, pode ser controlado via eleições. O subsolo do iceberg será denominado Estado Profundo, que opera por sua própria bússola, independentemente de quem está, em teoria, no poder [1].

Durante os últimos cinco anos, a mídia vem sendo inundada por especialistas que criticam a política fragmentada de Washington. O saber convencional diz que desacordo e impasses entre os partidos são a nova normalidade. Certamente é isso mesmo, e tenho sido um dos críticos mais severos desse estado de coisas. Mas é também imperativo reconhecer os limites dessa crítica, quando se trata do sistema de governo norte-americano. Por um lado, a crítica é evidente: naquilo que pode ser observado pelo público, o Congresso está num impasse irremediável, o pior desde os anos 1850, década violentamente rancorosa anterior à Guerra Civil.

Como escrevi em “The Party is Over” , o objetivo atual dos congressistas republicanos é debilitar o poder executivo, pelo menos até que um presidente republicano seja eleito (uma meta que as leis de exclusão de eleitores, em estados controlados pelo Partido Republicano [ou Great Old Party – GOP, como também é conhecido] pretendem claramente alcançar). O presidente Obama não pode executar seu orçamento e políticas domésticas; por causa do incessante obstrucionismo do GOP, ele não apenas não pode preencher um grande número de vagas na magistratura federal, como sequer consegue a nomeação de suas mais inócuas indicações para a administração federal. Democratas que controlam o Senado responderam enfraquecendo a obstrução das nomeações, mas os republicanos vão com certeza reagir com outras táticas parlamentares protelatórias. Esta estratégia resulta na anulação dos braços do Poder Executivo no Congresso, por um partido que tem maioria em apenas uma das casas do Congresso.

A despeito dessa aparente impotência, o presidente Obama pode matar cidadãos americanos sem o devido processo, deter indefinidamente prisioneiros sem acusação, exercer vigilância tipo “arrastão”, sem mandado judicial, contra o povo norte-americano, e envolver-se em caça às bruxas sem precedentes – ao menos desde a era McCarthy – contra funcionários federais (o chamado Insider Threat Program, ou “Programa de Ameaça Interna”). Nos Estados Unidos, esse poder caracteriza-se pela exibição de força intimidatóriamaciça, pelas polícias de nível local, estadual e federal. No exterior, o presidente Obama pode iniciar guerras à vontade e envolver-se em praticamente qualquer outra atividade, sem muita licença do Congresso Nacional, incluindo aí a organização do pouso forçado de um avião que transportava um presidente de Estado soberano sobre território estrangeiro. Apesar da hipocrisia habitual sobre a expansão de poderes do Executivo por Obama, suposto aspirante a ditador, até recentemente ouvimos muito pouco de congressistas republicanos sobre essas ações – com a exceção menor de um provocador como o senador Rand Paul, de Kentucky. Os democratas, salvo alguns independentes como Ron Wyden, do Oregon, não estão tampouco perturbados – a ponto de permitirem aparente perjúrio de funcionários do Executivo, em depoimento ao Congresso, sob juramento, sobre vigilância ilegal.

Estas não são casos isolados de uma contradição; eles têm sido tão onipresentes que a tendência é ignorá-los como ruído de fundo. Em 2011, no período em que a guerra política em torno do teto da dívida começava a paralisar o serviço de governança em Washington, o governo dos Estados Unidos de alguma forma conseguiu recursos para derrubar o regime de Muammar Kadhafi na Líbia, e quando a instabilidade criada pelo golpe respingou até o Mali, providenciou assistência aberta e encoberta para que houvesse ali uma intervenção francesa. Num momento em que havia um debate acalorado sobre inspeções contínuas da carne e do controle de tráfego aéreo civil, por causa da crise orçamentária, nosso governo foi de algum modo capaz de comprometer 115 milhões de dólares para manter uma guerra civil na Síria, e pagar ao menos 100 milhões de libras para o Escritório de Comunicações do governo do Reino Unido para comprar influência e acesso à inteligência daquele país. Desde 2007, duas pontes que ligam rodovias interestaduais desabaram devido à falta de manutenção da infra-estrutura, uma delas matando treze pessoas; durante esse mesmo período, o governo gastou 1,7 bilhões de dólares na construção de um edifício do tamanho de dezessete campos de futebol, em Utah. Essa estrutura gigantesca destina-se a permitir que a Agência de Segurança Nacional (NSA) armazene um yottabyte de informações, a maior que os cientistas da computação jamais tiveram. Um yottabyte é igual a 500 quintilhões de páginas de texto. Eles precisam disso tudo para armazenar cada traço eletrônico que você faz.

Sim, há outro governo oculto por trás daquele que é visível em cada extremidade da Pennsylvania Avenue, uma entidade híbrida de instituições públicas e privadas a governar o país, oportuna e inoportunamente, conforme padrões consistentes, conectados, mas apenas intermitentemente controlados pelo Estado visível cujos líderes escolhemos. Minha análise desse fenômeno não é a exposição de uma cabala secreta e conspirativa; em sua maioria, o Estado dentro do Estado esconde-se à vista de todos, e seus operadores atuam principalmente à luz do dia. Também não pode ser chamado com precisão de “establishment”. Todas as sociedades complexas têm um “establishment”, uma rede social comprometida com seu próprio enriquecimento e perpetuação. Quanto ao seu escopo, recursos financeiros e alcance global direto, o estado norte-americano híbrido, o Estado Profundo, consiste numa única classe. Isso posto, ela não é nem onisciente nem invencível. Nem é a instituição tão sinistra (embora tenha aspectos altamente sinistros) quanto implacavelmente bem entrincheirada. Longe de ser invencível, seus fracassos, como no Iraque, Afeganistão e Líbia, são bastante rotineiros, de modo que só a proteção do Estado Profundo a seu pessoal de alto escalão lhes permite escapar das consequências de sua tão frequente inépcia [2].

Como consegui fazer uma análise do Estado Profundo, e por que estaria eu apto a fazê-la? Como membro da equipe do Congresso especializado em segurança nacional, por 28 anos, e detentor de um certificado de segurança top secret, eu me encontrava pelo menos nas franjas do mundo que estou descrevendo, ainda que não totalmente, pela adesão plena e disposição psicológica. Mas, como praticamente todas as pessoas empregadas, fui até certo ponto assimilado pela cultura da instituição em que trabalhava, e só lentamente  – a partir de pouco antes da invasão do Iraque – , é que passei a questionar fundamentalmente as razões de Estado que motivam as pessoas que são “os decisores”, para citar George W. Bush.

Assimilação cultural é parte daquilo que o psicólogo Irving L. Janis chamou de “pensamento de grupo”, a capacidade camaleônica das pessoas assimilaram os pontos de vista dos seus superiores e colegas. Esta síndrome é endêmica em Washington: a cidade é caracterizada por modismos repentinos, sejam eles orçamento bienal, grandes negócios ou invasão de países. Então, depois de um tempo, todos os garotos espertos da cidade largam mão dessas ideias, como se contivessem material radioativo. Assim como os militares, todo mundo tem de embarcar na missão, e questionar a missão não é um movimento propulsor da carreira. O universo de pessoas que analisam criticamente os fatos nas instituições em que trabalham sempre será pequeno. Como disse Upton Sinclair: “É difícil fazer um homem entender alguma coisa quando seu salário depende de não entender essa coisa.”

Um aspecto mais esquivo da assimilação cultural é sua completa normalidade, uma vez que você se plantou pela décima-milésima vez na sua cadeira de escritório. Sua vida não é propriamente uma vinheta de novela de Allen Drury a respeito de intrigas sob a cúpula do Capitólio. Sentar-se olhando para o relógio na parede quase branca do escritório às onze da noite, jurando nunca, jamais em sua vida comer outro pedaço de pizza pra viagem, não é uma experiência que convoca os mais altos instintos literários de um possível memorialista. Depois de um tempo, um funcionário estatal começa a ouvir coisas que, em outro contexto, seriam bastante impressionantes, ou pelo menos notáveis, e ainda assim elas simplesmente escapam da consciência: “Isso significa que o número de grupos terroristas contra os quais estamos lutando é informação confidencial?” Não se admira que poucas pessoas sejam denunciantes, para além da terrível retaliação que a denúncia de irregularidades frequentemente provoca: a menos que seja abençoado com imaginação e fino senso de ironia, é fácil tornar-se imune à curiosidade do próprio ambiente. Parafraseando o inimitável Donald Rumsfeld, eu não sabia tudo o que sabia, pelo menos até estar há um par de anos longe do governo para refletir sobre isso.

O Estado Profundo não abrange todo o governo. É um híbrido de segurança nacional e agências de aplicação da lei: o Departamento de Defesa, o Departamento de Estado, o Departamento de Segurança Interna, a Agência de Inteligência Central (CIA) e o Departamento de Justiça. Isso inclui  também o Departamento do Tesouro, por causa de sua jurisdição sobre os fluxos financeiros, sua aplicação de sanções internacionais e sua simbiose orgânica com Wall Street. Todas essas agências são coordenadas pelo Gabinete Executivo do Presidente via Conselho de Segurança Nacional. Certas áreas chaves do Judiciário pertencem ao Estado Profundo, como a Corte de Vigilância de Inteligência Exterior, cujas ações são um mistério até mesmo para a maioria dos membros do Congresso. Está também incluído um punhado de tribunais federais cruciais, tais como o Distrito Leste de Virgínia e o Distrito Sul de Manhattan, nos quais são conduzidos procedimentos sensíveis em casos de segurança nacional. O componente final do governo (e possivelmente o último em prioridade entre os ramos formais de governo estabelecidos pela Constituição) é uma espécie de filé do Congresso, que consiste na liderança do Congresso e alguns (mas não todos) membros dos comitês de Defesa e Inteligência. O resto do Congresso, normalmente tão turbulento e partidarizado, é em sua maioria apenas intermitentemente consciente do Estado Profundo e, quando necessário, normalmente resigna-se diante de algumas poucas e bem escolhidas palavras de emissários do Estado.

Eu assisti a esse tipo de submissão em várias ocasiões. Um incidente memorável foi a votação da Lei de Alterações da Vigilância de Inteligência Estrangeira, de 2008. Essa lei legalizou retroativamente a vigilância ilegal e inconstitucional revelada pela primeira vez pelo The New York Times em 2005 e indenizou as empresas de telecomunicações pela cooperação nesses atos. A lei passou facilmente: só se exigiu a invocação da palavra “terrorismo” e a maioria dos membros do Congresso respondeu como limalha de ferro a um imã. Um dos que responderam desse modo foi o senador Barack Obama, logo depois consagrado candidato presidencial pelos Democratas na Convenção Nacional, em Denver. Ele então já havia ganho a maioria dos delegados ao fazer campanha à esquerda de sua principal oponente, Hillary Clinton, sobre os excessos da guerra ao terrorismo e a erosão das liberdades constitucionais.

Como o voto sobre a indenização mostrou, o Estado Profundo não consiste apenas de agências governamentais. O que é eufemisticamente denominado empresa privada é parte integral das suas operações. Na série especial do The Washington Postdenominada “Top Secret America”, Dana Priest e William K. Arkin descreveram o escopo do Estado Profundo privatizado, e o tanto de metástase que sofreu após os ataques de 11 de setembro. Existem hoje 854 mil funcionários do governo com autorização de confidencialidade – um número maior do que o dos principais funcionários civis. Embora eles estejam espalhados em todo o país e em todo o mundo, é inconfundível sua grande concentração em torno dos subúrbios de Washington: desde o 11 de Setembro, 33 instalações para a inteligência ultra secreta foram construídas ou estão em construção. Combinadas, elas ocupam o espaço de quase três Pentágonos – cerca de 17 milhões de metros quadrados. Setenta por cento do orçamento da comunidade de inteligência vão para o pagamento de contratos. E a separação entre o governo e as companhias prestadoras de serviços é altamente permeável: o diretor de Inteligência Nacional, James R. Clapper, é um ex-executivo do Booz Allen, um dos maiores empreiteiros de inteligência do governo. Seu antecessor, o almirante Mike McConnell, é o vice-presidente em exercício da mesma empresa. A Booz Allen é 99 por cento dependente de negócios com o governo. Esses empreiteiros agora dão o tom político e social em Washington, assim como estão cada vez mais definindo a direção do país, mas estão fazendo isso em silêncio, seus atos não constam dos Registros do Congresso ou no Registro Federal, e raramente são submetidos a audiências no Congresso.

Washington é o nódulo mais importante, mas não o único do Estado Profundo que dominou os EUA. Tramas invisíveis de dinheiro e ambição conectam a cidade a outros nódulos. Um é Wall Street, que fornece o dinheiro que mantém a máquina política em vigília e operação, como um teatro de marionetes. Se os políticos esquecem suas tramas e ameaçam o status quo, Wall Street inunda a cidade de dinheiro e advogados para ajudar mãos contratadas a lembrar dos seus próprios interesses. Os executivos das gigantes financeiras ainda têm imunidade penal de fato. Em 6 de março de 2013, ao testemunhar perante o Comitê Judiciário do Senado, o procurador-geral Eric Holder declarou o seguinte: “Estou preocupado que algumas dessas instituições se tornem tão grandes que fique difícil para nós processá-los, por haver indícios de que se os processarmos, se dirigirmos a eles uma acusação criminal, isso terá um impacto negativo sobre a economia nacional, talvez até mesmo a economia mundial.” Isso, dito pelo diretor de aplicação da lei de um sistema de justiça que praticamente aboliu o direito constitucional de julgamento para os réus mais pobres acusados de certos crimes. Não é demais dizer que Wall Street pode ser o proprietário final do Estado Profundo e suas estratégias. Se não por outra razão, porque possui dinheiro para premiar agentes do governo com uma segunda carreira que é lucrativa para além dos sonhos da avareza – certamente para além dos sonhos de um assalariado do governo [3].

O corredor entre Manhattan e Washington é uma estrada bem trilhada para as personalidades que tornaram-se conhecidas por todos nós desde a desregulamentação maciça de Wall Street: Robert Rubin, Lawrence Summers, Henry Paulson, Timothy Geithner e muitos outros. Nem todo o tráfego envolve pessoas ligadas às operações puramente financeiras do governo: em 2013, o general David Petraeus juntou-se à KKR (Kohlberg Kravis Roberts, anteriormente) da Rua 57, em New York, umaempresa de administração de fortunas privadas com 62,3 bilhões  de dólares em ativos. A KKR é especializada na gestão de aquisições e finanças alavancadas; a perícia do general Petraeus nessas áreas não é clara; sua capacidade de vender influência, no entanto, é uma mercadoria conhecida e valorizada. Ao contrário de Cincinato, os comandantes militares do Estado Profundo não pegam na enxada quando largam a espada. Patreus também obteve uma sinecura como membro sênior não-residente no Centro Belfer para Ciência e Assuntos Internacionais, na Universidade de Harvard. A Liga Ivy é, naturalmente, a banheira preferida para o branqueamento e a escola charmosa da oligarquia norte-americana [4].

Petraeus, e a maioria dos avatares do Estado Profundo – os conselheiros da Casa Branca que impeliram Obama a não impor limites à remuneração dos executivos (CEOs) de Wall Street, os especialistas do think tank ligado à empreiteira que pediram para “manter o curso” no Iraque, os gurus econômicos que demonstraram perpetuamente que a globalização e a desregulamentação são uma bênção que nos torna melhores no longo prazo – são cuidadosos ao fingir que não têm ideologia. Sua pose preferida é a do tecnocrata politicamente neutro que oferece conselhos bem considerados, com base em conhecimento profundo. Isso é nonsense. Eles estão completamente tingidos pela cor da ideologia oficial da classe governante, uma ideologia que não é especificamente nem democrata nem republicana. No plano interno, seja qual for sua crença particular sobre questões sociais essencialmente polêmicas, como o aborto ou o casamento gay, quase sempre acreditam no “Consenso de Washington”: financeirização, terceirização, privatização, desregulamentação e mercantilização do trabalho. Internacionalmente, defendem o excepcionalismo norte-americano do século XXI: o direito e o dever de os Estados Unidos se intrometerem em todas as regiões do mundo, a diplomacia coercitiva, de botas no chão, e o direito de ignorar as normas internacionais de comportamento civilizado dolorosamente conquistadas. Parafraseando o que Sir John Harrington disse mais de 400 anos atrás sobre a traição, agora que a ideologia do Estado Profundo prosperou, ninguém se atreve a chamá-lo de ideologia [5]. É por isso que descrever a tortura com a denominação de tortura na televisão aberta é considerado menos como heresia política do que como um lapso imperdoável de etiqueta de Washington: como fumar um cigarro diante das câmeras, simplesmente “não se faz” nos dias de hoje.

Depois das revelações de Edward Snowden sobre a extensão e profundidade da espionagem praticada pela Agência Nacional de Segurança [NSA, National Security Agency], tornou-se publicamente evidente que as grandes empresas de tecnologia da informação do Vale do Silício também são um nódulo vital do Estado Profundo. Ao contrário dos contratantes militares e de inteligência, o Vale do Silício vende  especialmente para o mercado privado; mas seus negócios são tão importantes para o governo que surgiu um estranho relacionamento. Embora o governo pudesse simplesmente obrigar as empresas de alta tecnologia a cumprir as ordens da NSA, ele prefere cooperar com tão importante motor da economia do país, talvez com um quid pro quo implícito. Isso talvez explique a extraordinária indulgência do governo com as práticas do Vale em matéria de propriedade intelectual. Se um norte-americano “desbloqueia” seu smartphone (ou seja, modifica-o para que possa usar outro provedor que não o determinado pelo fabricante), pode sofrer uma multa de até 500mil dólares e vários anos de prisão; tudo isso apesar dos alardeados direitos de propriedade do cidadão consumidor. A pose libertária dos magnatas do Vale do Silício, tão cuidadosamente cultivada por seus relações públicas, foi sempre uma farsa. Há muito o Vale do Silício vem rastreando para fins comerciais as atividades de cada pessoa que usa um dispositivo eletrônico; não é de surpreender que o Estado Profundo deva igualar o Vale e fazer o mesmo para os seus próprios fins. Também não é surpreendente que ele recrute o apoio do Vale.

Ainda, apesar do papel essencial desempenhado pela Baixa Manhattan (Lower Manhattan, onde está situado Wall Street) e o Vale do Silício, o centro de gravidade do Estado Profundo está firmemente localizado dentro e no entorno do anel rodoviário de Washington (o Beltway),  isto é, junto aos fornecedores e lobistas do governo federal, em oposição aos interesses da populaçãonorte-americana. A expansão e consolidação do Estado Profundo em torno do Beltway parece ser uma paródia dos frequentes pronunciamentos de que a governança em Washington é disfuncional e fragmentada. Que o Estado Profundo, oculto e não-responsável, flutue livremente acima do engarrafamento entre as duas extremidades da Pennsylvania Avenue é o paradoxo do governo americano no século XXI: ataques aéreos, extração de dados, prisões secretas e controle tipo panóptico, por um lado; e, por outro, as visíveis, ordinárias instituições parlamentares de governo em declínio, até o status de uma república de bananas, em meio  ao colapso gradual da infraestrutura pública.

Os resultados dessa contradição não são abstratos, como se poderá atestar num passeio pelas falidas, deterioradas, apodrecidas cidades do meio-oeste norte-americano. Nem sequer estão limitados àquelas partes do país largadas pra trás por um Consenso de Washington que decretou a financeirização e desindustrialização da economia no interesse da eficiência e lucros para o acionista. Esse paradoxo é evidente até mesmo dentro do próprio Beltway, a região metropolitana mais rica da nação. Embora demógrafos e urbanistas invariavelmente considerem Washington como “cidade global”, isso nem sempre é evidente para aqueles que vivem ali. Praticamente toda vez que há uma forte tempestade de verão, dezenas – ou mesmo centenas – de milhares de residentesficam sem energia elétrica, muitas vezes por vários dias. Há racionamentos de água ocasionais em grandes áreas, em razão doestouro de adutoras mal construídas e inadequadamente mantidas [6]. Para a área metropolitana de Washington, é uma tarefa hercúlea construir uma ligação ferroviária para o seu aeroporto internacional – com sorte, ela poderá ser concluída até 2018.

É como se a quase conseguiu aprovar uma emenda que teria compartilhado a coleção de dados pessoais de norte-americanos sem mandato da NSA. Pouco depois o presidente, ao defender mais uma intervenção militar no Oriente Médio, desta vez na Síria, defrontou-se com ceticismo tão avassalador no Congresso que mudou de assunto, agarrando-se a um salva-vidas diplomático lançado a ele por Vladimir Putin [7].

Terá o Estado visível, constitucional, aquele contemplado por Madison e os outros Fundadores da nação norte-americana, finalmente começado a agitar-se contra as reivindicações e usurpações do Estado Profundo? Talvez, até certo ponto. O desdobramento das revelações no âmbito da vigilância sem mandado da NSA tornou-se tão notório que até mesmo apologistas institucionais, como a senadora Diane Feinstein, começaram a recuar – ainda que apenas retoricamente – de suas intempestivas defesas  da agência. À medida que mais pessoas começam a despertar do estado sugestionável e de medo que 11 de Setembro criou em suas mentes, é possível que a tática de uma década, já, do Estado Profundo, de gritar “terrorismo!” cada vez que enfrenta resistência, não esteja mais provocando a mesma resposta pavloviana de dócil obediência. E o povo norte-americano, possivelmente até mesmo os seus legisladores, estão ficando cada vez mais cansados dos intermináveis pesadelos no Oriente Médio.

Mas há outra razão mais estrutural pela qual o Estado Profundo pode ter  atingido o pico de sua posição de domínio. Embora pareça flutuar acima do estado de direito, sua natureza essencialmente parasitária, capturadora de riquezas, significa que ainda está amarrado a processos formais de governança. O Estado Profundo prospera quando há funcionalidade tolerável nas operações cotidianas do governo federal. Enquanto os dotações são aprovadas a tempo, as listas de promoção são confirmadas, orçamentos negros (ou seja, secretos) são chancelados, vantagens fiscais especiais para certas corporações são aprovados sem controvérsias, enquanto não são feitas muitas perguntas embaraçosas, as engrenagens do estado híbrido rodam sem fazer barulho. Mas quando uma casa do Congresso é tomada por ultra-fundamentalistas do Tea Party, a vida torna-se mais difícil para a classe dominante.

Se há alguma coisa que o Estado Profundo requer é fluxo de recursos silencioso, ininterrupto, e a confiança de que as coisas se darão como aconteciam no passado. Ele está até mesmo disposto a tolerar um grau de impasse: disputas partidárias sobre questões culturais podem ser uma distração útil para sua agenda. Mas recentes palhaçadas do Congresso envolvendo o sequestro, a paralisação do governo e a ameaça de calote sobre a extensão do teto da dívida têm perturbado esse equilíbrio. E uma dinâmica de extremo impasse desenvolveu-se entre as duas partes, de tal modo que continuar algum nível de sequestro é politicamente a opção menos má para ambas as partes, embora por razões diferentes. Por mais que muitos republicanos queiram aliviar o orçamento para os órgãos de segurança nacional, eles não podem reverter totalmente o sequestro sem os democratas demandarem aumentos de receita. E democratas, ao querer gastar mais em programas domésticos arbitrários, não podem anular o sequestro em programas nacionais ou de defesa sem que os republicanos insistam em cortes de direitos.

Por isso, no futuro previsível, o Estado Profundo deve restringir seu apetite por dinheiro do contribuinte: ofertas limitadas podem suavizar o sequestro, mas é improvável que pedidos de agências sejam totalmente financiados no futuro próximo. Mesmo operações rentistas de Wall Street foram afetadas: depois de ajudar a financiar o Tea Party para fazer avançar suas próprias ambições plutocráticas, o Big Money da América está agora lamentando ter criado o monstro Frankenstein. Como crianças brincando com dinamite, a compulsão do Tea Party para levar a nação ao calote de crédito alarmou os adultos que comandam as alturas do capital; estes agora dizem aos políticos quepensavam ter sido contratados para desbaratá-los.

O voto da Câmara para desfinanciar os programas de vigilância ilegal da NSA foi igualmente ilustrativo da natureza disruptiva da insurgência do Tea Party. Democratas comprometidos com as liberdades civis, sozinhos, nunca teriam chegado tão perto da vitória; o inflexível deputado Justin Amash (R-MI), do Tea Party, que inclusive aborreceu a comunidade de negócios por seu fundamentalismo sobre limite da dívida, foi o principal patrocinador republicano da emenda do NSA, e a maioria dos republicanos que votaram com ele estavam alinhados com o Tea Party.

O fator final é o Vale do Silício. Devido ao sigilo e à obscuridade, é difícil saber o quanto do relacionamento da NSA com o Vale é baseado em cooperação voluntária, o quanto é obrigação legal através de mandados de FISA e o quanto é uma questão de a NSA sorrateiramente invadir sistemas de empresas de tecnologia. Dada a exigência de relações públicas do Vale para acalmar seus clientes preocupados com a privacidade, é difícil tomar pelo valor de face os protestos libertários das empresas de tecnologia sobre o acordo do governo com seus sistemas, especialmente porque eles se envolvem em atividades semelhantes, contra seus próprios clientes, por razões comerciais. Isso posto, acumulam-se evidências de que o Vale do Silício está perdendo bilhões em negócios no exterior para empresas, indivíduos e governos que querem manter a privacidade. Para os empreendedores de alta tecnologia, o nexo da grana é, em última análise, mais atraente do que a demanda do Estado Profundo por cooperação patriótica. Mesmo a compulsão legal pode ser combatida: ao contrário do cidadão individual, empresas de tecnologia têm bolsos profundos e montes de advogados com os quais combater as imposições do governo.

Esta resistência foi tão longe que, em 17 de janeiro, o presidente Obama anunciou revisão nos programas de coleta de dados da NSA, incluindo a retirada de custódia do NSA de um banco de dados de registros de telefones domésticos, ampliando os requisitos para mandados judiciais e acabando com a espionagem de (indefinidos) “líderes estrangeiros amigáveis”. Os críticos denunciaram as alterações como umajogada de relações públicas cosmética, mas ainda assim elas são significativas, já que o clamor tornou-se tão alto que o presidente sentiu a necessidade política de enfrentá-lo.

Quando as contradições internas de uma ideologia dominante vão tão longe, os antagonismos aparecem e aquela ideologia começa lentamente a desintegrar-se. Oligarcas corporativos como os irmãos Koch já não estão totalmente satisfeitos com o grupo de frente político pseudo-populista que ajudaram a constituir e financiar. O Vale do Silício, por todas as tendências tipo Ayn Rand de seus principais jogadores, suas estratégias off-shore e consequente exacerbação da desigualdade de renda, está agora pressionando o Congresso para restringir a NSA, um componente central do Estado Profundo. Algumas empresas de tecnologia estão se mobilizando para criptografarseus dados. Empresas de alta tecnologia, assim como governos, buscam o domínio sobre as pessoas pela coleta de dados pessoais, mas as empresas estão abandonando o barco, agora que a reação adversa do público aos escândalos da NSA ameaça seus lucros.

O resultado de todos esses desdobramentos é incerto. O Estado Profundo, baseado nos pilares gêmeos do imperativo da segurança nacional e hegemonia corporativa, parecia até recentemente inabalável, e os últimos eventos podem ser uma perturbação apenas temporária em sua trajetória. Mas a história tem uma maneira de derrubar o altar dos poderosos. Embora as duas grandes ideologias materialistas e deterministas do século XX, o marxismo e o Consenso de Washington, tenham decretado sucessivamente que a ditadura do proletariado e a ditadura do mercado eram inevitáveis, o futuro na verdade é indeterminado. Pode ser que as correntes econômicas e sociais profundas criem o quadro da história, mas essas correntes podem ser canalizadas, sofrer reviravoltas ou mesmo ser revertidas pelas circunstâncias, o acaso e a ação humana. Temos apenas que refletir sobre despotismos glaciais extintos, como a URSS ou Alemanha Oriental, para conscientizar-nos de que nada é para sempre.

Ao longo da história, sistemas estatais com pretensões agigantadas de poder reagiram ao seu meio de duas maneiras. A primeira estratégia, refletindo a esclerose das elites dirigentes, consiste em repetir que não há nada errado, que o status quo reflete a boa sorte única da nação favorecida por Deus, e que aqueles que pedem mudanças são apenas arruaceiros subversivos. Como descobriram o Velho Regime francês, a dinastia Romanov e os imperadores Habsburgo, a estratégia funciona esplendidamente por um tempo, em especial se a pessoa tem talento para desconsiderar fatos desagradáveis. Os resultados finais, contudo, provavelmente serão totalmente decepcionantes.

A segunda estratégia é adotada, em graus diferentes e com diversos objetivos, por figuras de personalidades tão contrastantes como Mustafa Kemal Attatürk,  Franklin D. Roosevelt, Charles de Gaulle e Deng Xiaoping. Eles com certeza não eram revolucionários por temperamento; sua natureza era conservadora, se tanto. Mas eles entenderam que as culturas políticas em que viviam estavam fossilizadas e incapazes de adaptar-se aos tempos. No impulso de reformar e modernizar os sistemas políticos que herdaram, o primeiro obstáculo a ser superado eram os mitos ultrapassados que estavam incrustados no pensamento das elites do seu tempo.

À medida que os Estados Unidos confrontam-se com seu futuro após experimentar duas guerras fracassadas, uma economia precária e 17 trilhões de dólares de dívida acumulada, a controvérsia nacional encontra-se dividida em dois campos: o primeiro, dos “declinistas”, enxerga um sistema político fragmentado, disfuncional e impossível de reformar, e uma economia que em breve será ultrapassada pela China. O outro campo, dos “reformadores”, oferece uma profusão de panaceias para transformar a nação: financiamento público das eleições para cortar a artéria de dinheiro entre os componentes corporativos do Estado Profundo e os funcionários dependentes de financiamento para eleger-se; reverter a maré da terceirização nas funções de governo e os conflitos de interesse que ela cria; uma política fiscal que valorize o trabalho humano mais que as transações financeiras; e uma política comercial que privilegie a exportação de produtos manufaturados sobre a exportação de capitais para investimento.

Tudo isso é necessário, mas não suficiente. As revelações de Snowden, cujo impacto foi surpreendentemente forte; a iniciativa descarrilada de intervenção militar na Síria; e um Congresso turbulento, cujas disfunções tornaram-se grave inconveniente para o Estado Profundo, mostram que há agora um profundo, embora ainda incipiente apetite por mudança. O que os EUA não tem é uma figura com autoconfiança serena para nos dizer que os ídolos gêmeos de segurança nacional e do poder corporativo são dogmas ultrapassados, que não têm nada mais a oferecer-nos . Assim libertas, as próprias pessoas irão desvendar o Estado Profundo com velocidade surpreendente.
[1] A expressão “Estado Profundo” foi cunhada na Turquia, e denomina um sistema composto de elementos de alto nível nos serviços de inteligência, militar, de segurança, judiciário e crime organizado. No último romance do autor britânico John Le Carré, A Delicate Truth (“Uma Verdade Delicada”), um personagem descreve o Estado Profundo como “… o círculo eternamente em expansão de iniciados não-governamentais dos bancos, indústria e comércio liberados para receber informação altamente confidencial negada a grande parte da Whitehall e Westminster.” Uso o termo para designar uma associação híbrida de elementos do governo e parcela do nível superior das finanças e da indústria que são efetivamente capazes de governar os Estados Unidos sem submeter-se ao consentimento dos governados como se expressa pelo processo político formal.

[2] Vinte e cinco anos atrás o sociólogo Robert Nisbet descreveu esse fenômeno como “o atributo da Não Culpa. … Presidentes, secretários e generais e almirantes nos EUA aparentemente apoiam a doutrina de que nenhuma culpa é atribuída à política e suas operações. Esta convicção da Não Culpa os impede de levar muito a sério desastres notórios como o do Desert One, de Granada, do Líbano e, agora, do Golfo Pérsico”. À sua lista podemos acrescentar o 11 de Setembro, o Iraque, o Afeganistão e a Líbia.

[3] A atitude de vários membros do Congresso diante de Wall Street foi memoravelmente expressa pelo deputado Spencer Bachus (Republicano de Alabama), o novo presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, em 2010: “Em Washington, a visão é de que os bancos devem ser regulados, e minha visão é de que Washington e os reguladores estão lá para servir os bancos.”

[4] Todos os presidentes dos EUA, desde 1988, formaram-se em Harvard ou Yale. Desde 2000, todo candidato presidencial perdedor também formou-se em Harvard ou Yale, com exceção de John McCain em 2008.

[5] Recentemente, a população norte-americana assistiu a um vívido exemplo de operador do Estado Profundo que faz propaganda de sua ideologia sob a bandeira do pragmatismo. O ex-Secretário de Defesa Robert M. Gates – um antigo oficial de carreira da CIA e empregado profundamente engajado na política da família Bush – camuflou sua defesa da escalada militar (que ofereceu ao país apenas vítimas e aflição fiscal), como se fosse um livro de memórias de um típico filho do Kansas, que desdenha Washington e seus políticos.

[6] Enquanto isso, o governo norte-americano assumiu a liderança na restauração do sistema de esgotos de Bagdá, a um custo de US$ 7 bilhões.

[7] A abrupta meia-volta de Obama sugere que ele pode ter sido o tempo todo cético em relação a uma intervenção militar na Síria, mas só abandonou a ideia quando o Congresso e Putin deram-lhe a saída para fazê-lo. Em 2009, ele foi em frente com a “ofensiva” no Afeganistão, em parte porque a campanha de relações públicas do general Petraeus e lobbies nos bastidores de Washington, para a implementação de sua estratégia militar preferida, frustraram outras opções. Estes incidentes levantam a questão perturbadora de o quanto um presidente democraticamente eleito – qualquer presidente – define a política do estado de segurança nacional, e o quanto a política é definida, para ele, pelos agentes profissionais daquele Estado, que engendram fatos consumados a forçar sua mão.

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