terça-feira, 20 de maio de 2014

ALTERAÇÕES PROFUNDAS NA “NOSSA CASA COMUM”



Martinho Júnior, Luanda

1 – O Mundo está a viver um momento de transição entre o “diktat” da aristocracia financeira anglo-saxónica e a sua “ementa” de hegemonia unipolar que provoca o desequilíbrio, as injustiças de toda a ordem, o caos, as tensões, os conflitos e as guerras, face à emergência multipolar que procura a todo o transe uma ordem internacional mais justa, mais vocacionada para a paz, para a busca de consensos e aberta à participação numa ordem multipolar.

Os que defendem a hegemonia unipolar estreitaram tanto as capacidades de lucro que hoje, em claro sinal de desespero, recorrem à ditadura do capital, em estreita aliança com o terrorismo fundamentalista islâmico, o fascismo e até com o nazismo, na ânsia de manter o domínio, tirando partido do modelo de revolução industrial e de outras tecnologias que impuseram historicamente a toda a humanidade!

O seu poder é de tal ordem que, como um enorme camaleão consegue recorrer ao mimetismo da“democracia representativa”para salvar o que é essencial a um punhado, aos tais 1% que procuram dominar o controlo das riquezas do planeta e são incapazes de assumir outra equação para além daquela que se reduz ao seu próprio umbigo, em relação ao qual se revêem desde há décadas…

Os que emergem ansiosos por um universo multipolar, não têm outra alternativa senão tirar partido das brechas que esse atroz egoísmo faz prevalecer desde o fim da assim considerada “Guerra Fria”, de forma tão desastrosa, sangrenta e obsoleta.

A emergência assume assim o espaço crítico que um dia foi ocupado pelo socialismo, ainda que hoje não se reduza a ele, embora o tenha em devida conta.

A luta contra o subdesenvolvimento crónico faz parte dessa emergência, pois são os desequilíbrios provocados à escala global que alimentam o atraso de continentes inteiros e muito particularmente de África.

Os espaços gerados pelas emergências são a oportunidade para se quebrar esse ciclo vicioso de largos séculos, que em África se iniciou, é preciso recordá-lo, com a primeira das globalizações: o “comércio triangular” que recorreu à escravatura de tantos milhões de africanos, obrigando-os à força a abandonar o seu continente… para assim melhor delapidar as suas riquezas…

2 – As geo-estratégias e as geo-políticas reflectem as enormes tensões existentes entre as duas linhas de força e nos imensos teatros geográficos, as opções e os alinhamentos vão transformando as sociedades, como se o mundo não passasse duma simples aldeia com pouca harmonia, apesar dos vasos comunicantes tão evidentes que obrigam a essas alterações, por que, consciente ou inconscientemente, por via das mais legítimas aspirações de paz, de liberdade, de solidariedade e de amor, a humanidade é obrigada a optar e a escolher o caminho, que não pode ser mais favorável aos tradicionais 1% da aristocracia financeira mundial, nos termos em que ela se faz prevalecer.

Em todas as sociedades as pessoas buscam enveredar por políticas que são opções entre os dois parâmetros, mesmo que a sua influência sócio-política seja aparentemente inócua, ou seja neutralizada pela manipulação, pela mentira, pelo embuste ou pela opressão.

Aqueles que “absorveram” historicamente capacidades de domínio em relação aos recursos da Terra, são prevalecentes nos dois campos: são eles que assumem as linhas de força mais decisivas em relação ao petróleo, aos minerais e a todos os recursos de conhecimento científico e tecnológico daí derivados, bem como às articulações do poder…

As geo-estratégias e as geo-políticas da transição em curso, reflectem portanto as duas visões de mundo que actualmente se confrontam sem remissão e a luta não conhece fronteiras, passando-se por vezes bem no interior das sociedades e até das comunidades.

3 – A aproximação entre os emergentes que perseguem a multipolarização é inevitável e é a cegueira do campo controlado pela aristocracia financeira mundial, daqueles que reduzem o mundo ao seu umbigo, que está, quantas vezes, a incitar essa aproximação.

A China e a Rússia assumem a “espinha dorsal” dessa geo-estratégia e geo-política, de forma a cobrir o paralelo continental do Pacífico ao Atlântico.

No momento em que a “civilização ocidental” instrumentaliza a NATO e grupos fascistas e nazis na Ucrânia, ao mesmo tempo que impõe os parâmetros da encoberta ditadura do capital na União Europeia, precisamente para “parar” o domínio russo em relação ao leste europeu, o Presidente Putin toma iniciativas sem precedentes de aproximação à China, de modo a que essa aproximação não perca de vista impactos de toda a ordem em todos os continentes.

Os reflexos desse estreitamento de relações entre a Rússia e a China dizem respeito a todas as actividades humanas, desde a exploração e exploração do gás, até às mais enérgicas medidas em relação à dilatação dos vasos comunicantes no âmbito dos transportes, comunicações e ligações de toda a ordem.

Para além dos BRICS propriamente ditos, os que rompem com a visão obsoleta da humanidade e do planeta, anseiam por essa emergência, no momento em que se torna evidente que não será nem pelo domínio na informação, nem pelas imensas capacidades na“inteligência”, nem na capacidade colossal da força das armas, ou seja, nas potencialidades de manipulação e ingerência, que as sociedades se vão abater… ou vão deixar de saber optar!

De facto, a ânsia de liberdade, de solidariedade, de participação, colocam limites sócio-políticos ao poder daqueles que abusam da “democracia representativa” para blindar os e blindarem-se nos seus interesses egoístas, tão perversamente assumidos!

4 – O que é obsoleto está agora mais visível que antes e o“papel celofane” que antes servia para esconder o apodrecimento da “civilização ocidental” e da “doutrina de choque” eminentemente neo liberal, está velho e rasga-se com múltiplas contradições que vão consumindo a“ementa” intestina.

No momento em que, por exemplo, se evidenciam os expedientes fascistas, nazis e colonialistas na Europa, um Presidente ultra-conservador como Cavaco Silva busca desesperadamente na China alternativas que contribuam para sair do sufoco e das grilhetas que foram impostas pela ditadura do capital a Portugal: é a rota das caravelas de novo em pleno século XXI!

Cabe agora aos emergentes terem mais ousadia para a formulação das políticas multipolares: a ONU está obsoleta, o FMI está obsoleto, o Baco Mundial idem, a OMC já não pode esconder os relacionamentos desestabilizadores… há que criar novas Organizações Internacionais que reflictam a emergência multipolar e coloque de quarentena tudo o que está obsoleto!

O exemplo vem-nos da América Latina: está de quarentena a Organização dos Estados Americanos, está de quarentena a ALCA, o “pátio traseiro” já não pode ter a serventia que antes tinha para o império e as“democracias representativas” estão a ser neutralizadas por dentro dos ambientes sócio-políticos pelas organizações populares que buscam ansiosamente mais liberdade, mais solidariedade e mais participação.

Quanto mais musculado se manifestar o império anglo-saxónico nas suas jogadas de desespero, mais os povos vão perceber qual o caminho a seguir, como vão segui-lo e com quem!

A luta consciente sobre os fenómenos profundamente dialécticos que vão ocorrendo na “nossa casa comum”, é essencial para trazer mais felicidade à humanidade e garantir o respeito que a Mãe-Terra merece! 

*Mapa global das exportações de cada país; compreender as correlações de forças, passa pelo conhecimento real das tendências nos relacionamentos que o comércio internacional obriga a implicar.

José Mário Vaz venceu as presidenciais na Guiné-Bissau




José Mário Vaz venceu as eleições presidenciais na Guiné-Bissau, de acordo com os resultados provisórios anunciados por Augusto Mendes, presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Bissau, 20 mai (Lusa) - José Mário Vaz venceu as eleições presidenciais na Guiné-Bissau, de acordo com os resultados provisórios anunciados por Augusto Mendes, presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

José Mário Vaz, apoiado pelo Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), obteve 61,9 por cento dos votos na segunda volta das eleições presidenciais, realizada no domingo, enquanto o candidato Nuno Nabian recolheu 38,1 por cento.

LFO // VM – Lusa – foto Tiago Petinga

Angola e Moçambique no top 10 do crescimento económico




As duas economias estarão entre as dez melhores em 2014 e 2015. Mas todos os PALOP deverão crescer, segundo o relatório “Perspectivas Económicas Africanas”, apresentado segunda-feira (19.05), em Kigali, no Ruanda.

Produzido anualmente pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), pelo Centro de Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), o relatório de 2014 defende que o continente africano pode transformar a sua economia e avançar o seu projecto de desenvolvimento, ao participar de forma mais eficaz na produção global de bens e serviços.

O foco do relatório são as cadeias de valor globais. “Muitas vezes, os produtos vêm de vários países e a composição do produto ocorre ainda noutro país. Isso quer dizer que a estrutura de produção mudou radicalmente a nível mundial”, comenta Jan Rieländer, chefe de unidade do Centro de Desenvolvimento da OCDE.

O que significa que “os países em desenvolvimento têm de pensar em novas estratégias sobre como se pode criar desenvolvimento económico nestes tempos de globalização, quando as estruturas de produção são tão novas”, acrescenta Jan Rieländer.

O documento “Perspectivas Económicas Africanas” mostra ainda que os países africanos têm resistido a choques internos e externos, como a crise dos preços alimentares, a crise económico-financeira global de 2008 e a Primavera Árabe. Mas “pelo menos vemos que estes choques já passaram” lembra Jan Rieländer.

Pelos que os países africanos estão prestes a atingir taxas de crescimento económico saudáveis. “Prevemos que o crescimento vai melhorar nos próximos anos e que iremos recuperar o nível que víamos em África antes de 2008. Com base nisso, prevemos que, em 2013, houve um crescimento económico de 3,9%, e partimos do princípio que em 2014 crescerá até 4,8% e em 2015 para 5,7%, recuperando assim as taxas de entre 5 a 6%”, avalia o chefe de unidade do Centro de Desenvolvimento da OCDE.

Nem tudo o que reluz é ouro em Angola

Segundo
o relatório, Angola vai registar um aumento de 7,9% em 2014 e 8,8 % em 2015. A previsão baseia-se nos grandes investimentos em infra-estruturas públicas. Contudo, o relatório nota que os indicadores sociais não acompanharam o crescimento económico, uma vez que 36% da população vive abaixo da linha de pobreza e o desemprego está nos 26%.

A previsão coloca Angola na lista dos 10 países com melhores previsões. Um lista composta principalmente por países ricos em recursos naturais: “República Democrática do Congo, Chade, Nigéria, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa, Moçambique, mas também Ruanda e Etiópia”, enumera Jan Rieländer.

“São especialmente interessantes os casos do Ruanda e da Etiópia porque se tratam de dois países que não são ricos a nível de recursos naturais e que conseguem este crescimento através de reformas estruturais e de uma política económica relativamente boa”, salienta o chefe de unidade do Centro de Desenvolvimento da OCDE.

Mega-projetos empurram Moçambique para top 10

O outro PALOP que entra neste top 10 é Moçambique, que deverá ter um crescimento de 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 e 8,2% em 2015, depois de ter registado um aumento de 7% em 2013.

O crescimento é explicado pelo aumento da produção de carvão, pela implementação de grandes projetos de infraestruturas e pela expansão orçamental.

A OCDE destaca contudo a deterioração da situação política no país e adverte que a aposta em projetos de capital intensivo cria um número limitado de empregos.

Tal como acontece em muitos países do continente, o crescimento económico não é suficiente para acabar com os índices de pobreza.

“As taxas de pobreza em muitos países melhoraram um pouco mas não com a força necessária. E também concluímos que até houve alterações estruturais, mas a criação de postos de trabalho não foi tão alta como devia ter sido”, constata Jan Rieländer.

Crescimento ligeiro em São Tomé, Praia e Bissau

Quanto a São Tomé e Príncipe, a economia vai acelerar para 4,8% este ano e 5,6% no próximo, face aos 4,3% de 2013. O leve aumento deve-se principalmente a um moderado investimento estrangeiro directo. O país é altamente dependente de apoios ao desenvolvimento estrangeiros, o que o torna vulnerável ao abrandamento do crescimento económico global.

3,1% deverá ser o crescimento registado por Cabo Verde em 2014, e 3,3% em 2015. O crescimento tem abrandado no país desde 2012, devido principalmente à situação internacional. A economia cabo-verdiana depende da situação da Zona Euro, o principal parceiro comercial do país, e o aumento previsto apenas se vai concretizar se a diminuição de receitas turísticas não continuar.

Finalmente, para a Guiné-Bissau, a OCDE prevê um crescimento de 2,8% do PIB em 2014 e 2,6% em 2015, estando estes resultados altamente dependentes do ambiente sociopolítico e dos resultados das eleições.

Depois de ter registado um crescimento negativo em 2012, o país continua com valores positivos. Mas o relatório nota que este retorno ao crescimento esconde problemas estruturais graves, que pioraram com a interrupção da maior parte das reformas introduzidas antes do golpe.

Deutsche Welle – Autoria: Rita Himmel – Edição: Glória Sousa / António Rocha

Recenseamento atingiu 87,7% dos eleitores previstos em Moçambique




A taxa de recenseamento para as eleições gerais moçambicanas de outubro situou-se em 87,7 por cento, segundo dados do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral de Moçambique (STAE), que apontam para um universo de 10,6 milhões de eleitores.

No início do processo, em 15 de fevereiro, os órgãos eleitorais moçambicanos previam recensear 12.203,727 eleitores no país.

Excluindo o recenseamento realizado em 2013 para as eleições autárquicas, em que se registaram 3.059.804 eleitores nos atuais 53 municípios do país, durante o censo eleitoral de 2014, que decorreu entre 15 de fevereiro e 09 de maio, foram registados 7.709.736 eleitores, de acordo com informações disponibilizadas pelo STAE.

A contagem do órgão de administração eleitoral, referente aos dois censos, aponta para um universo de 10.697.245 eleitores registados no país, no entanto, a soma dos dois valores indica a existência de 10.769.540 eleitores, numa discrepância acrescida de 72.295 votantes.

Os dados dos censos de 2013 (163.411) e de 2014 (914.921) referentes à província de Tete, no centro do país, indicam que foram recenseados 940.758 eleitores, embora o cálculo aponte para 1.078.332, o que indica uma diferença de mais 137.574 eleitores.

Já os da província de Nampula (norte), onde foram recenseados 451.463 eleitores em 2013, e 1.573.281 durante este ano, referem a existência de 2.090.023 votantes, embora a soma dos dois valores aponte para 2.024.744 eleitores, ou seja, menos 65.279 eleitores face número disponibilizado.

Quando somados os dados destes dois círculos eleitorais não contabilizados pelo STAE (-65.279+137.574) obtém-se a discrepância de 72.295 eleitores, detetada na contagem global referente às 11 províncias do país.

A agência Lusa procurou, sem sucesso, obter junto do STAE um esclarecimento sobre as diferenças que detetou nos dados disponibilizados pela organização.

Relativamente aos círculos provinciais, a informação avançada pelo STAE indica que, depois de Nampula, a Zambézia apresenta o maior número de eleitores (1.871.146), seguida de Tete (940.758), Cabo Delgado (939.622), Sofala (925.903), Maputo Província (746.458), Maputo Cidade (705.543), Manica (705.129), Niassa (602.921), Inhambane (597.910) e Gaza (571.832).

Quanto aos eleitores recenseados em postos consulares, o STAE indica um total de 89.741, registados na África do Sul (50.345), Suazilândia (4.501), Zâmbia (2002), Malaui (8.810), Zimbabué (9.210), Tanzânia (12.276), Quénia (848), Portugal (1.119) e Alemanha (550).

As eleições presidenciais, legislativas e provinciais moçambicanas estão marcadas para 15 de outubro.

Lusa, em Notícias ao Minuto

40º aniversário da Fretilin: Xanana apela a mudança de mentalidades





O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, apelou hoje a uma mudança de mentalidades e comportamentos dos timorenses para o país poder "ir para a frente e crescer".

"Temos de mudar a nossa mentalidade e o nosso comportamento porque quando mudarmos o nosso comportamento o país pode ir para a frente e crescer", disse Xanana Gusmão, que discursava nas comemorações do 40º aniversário da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), onde participou enquanto antigo membro do Comité Central do partido.

"Hoje todos os partidos devem juntar os seus militantes para discutir o desenvolvimento e não pensar só em dinheiro", afirmou Xanana Gusmão aplaudido por milhares de militantes e simpatizantes da Fretilin.

Usando na cabeça o boné da Fretilin do secretário-geral do partido, Mari Alkatiri, Xanana Gusmão salientou que "hoje os responsáveis timorenses só pensam em si próprios" e que "isso é preciso ser corrigido".

Sobre a Fretilin, único partido da oposição no parlamento timorense, o primeiro-ministro de Timor-Leste disse que merece o respeito de toda a gente.

"Vocês merecem o nosso respeito. A Fretilin merece o meu respeito. Curvo-me com respeito", disse Xanana Gusmão, salientando que a Fretilin é o partido mais organizado de Timor-Leste e que orientou a luta que culminou com a restauração da independência a 20 de maio de 2002.

Nas comemorações do 40º aniversário da Fretilin, transmitidas em direto pela televisão estatal, participaram, além de milhares de apoiantes e militantes, vários elementos do governo timorense e membros do corpo diplomático acreditado em Díli.

O partido foi criado a 20 de maio de 1974 com a denominação de Associação Social Democrata Timorense (ASDT), que a 11 de setembro do mesmo ano foi renomeado Fretilin.

Xanana Gusmão, que foi eleito em 1981 chefe do braço armado da Fretilin, as Falintil, abandonou o partido em 1988 quando foi eleito presidente do Conselho Nacional da Resistência Maubere.

Lusa, em Notícias ao Minuto

PARA QUE, AFINAL, SERVE O FUTEBOL?




Esperar hospitais e postos de saúde de uma copa de futebol é o mesmo que esperar democracia e respeito às liberdades da mídia oligárquica e das igrejas.

Katarina Peixoto – Carta Maior

Sou uma viciada em programa eleitoral de televisão. Lembro de programas eleitorais quando não sabia o que era, direito. Nos últimos dias, quando os Colombos descobridores da violência policial e das mazelas brasileiras voltaram a “hashtaguear”, mais do que a organizar, o “não vai ter copa”, fui assaltada pela memória de dois momentos do primeiro programa eleitoral do segundo turno de 2010. E resolvi propor um experimento retórico, para tentar entender o que pode querer dizer a militância eleitoral, na tentativa de surfe contra um acontecimento pactuado, escolhido e, por fim, votado, há 4 anos, na eleição presidencial.

O primeiro programa eleitoral do segundo turno foi aberto com a candidata Dilma, vestida de branco, agradecendo os votos do primeiro turno, inclusive a deus. A cena era horrível para qualquer mulher com compromisso republicano e democrático na vida. Ela foi coagida, pelo obscurantismo e a má-fé das campanhas da oposição, sobretudo pelo sopão reacionário e oligóide do pentecostalismo pseudo-ecológico, a se posicionar em relação ao útero e ao desejo de ser mãe de todas as mulheres brasileiras. Poucas vezes na vida me senti tão vilipendiada, agredida, violentada, como naquele momento. Enquanto parte da esquerda se apavorava com a onda obscurantista e se ligava nas pesquisas, senti indignação. Até quando a esquerda brasileira seguirá achando inofensiva a religiosidade travestida de popular e democrática?

Por que essa cultura moralizadora, de natureza messiânica, segue deseducando e criando esses monstrengos?  Até quando poucos levarão a sério o fato de a esquerda ter, no Brasil, chegado tão longe na redução de desigualdades sociais, ao passo que segue conivente com a barbárie cometida contra as mulheres, os gays e todos os dissidentes sexuais que não se enquadram no padrão religioso, igrejeiro, tomado como inofensivo na época em que havia ditadura? A Dilma ali, de branco, falando em deus e coagida a se posicionar sobre o meu útero foi uma das imagens mais terríveis de que se pode fazer uma derrota política (e estávamos numa vitória eleitoral e política iminente). E do quanto a vida é dura, numa democracia. Do quanto o jogo é jogado em todos os momentos, em cada pedaço de bola disputável.

O segundo momento, do mesmo programa eleitoral, era uma imagem aérea do Cristo Redentor. O off era o anúncio de que o então presidente Lula tinha trazido a Copa e as Olimpíadas para o país. Propaganda eleitoral, isso, a mensagem era: votem na Dilma, entre outras coisas, porque ela é uma das responsáveis pela escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Nada nessa propaganda e nada na iminência da Copa do Mundo contradiz o que foi prometido na campanha. Para o bem ou para o mal, a coerência entre o governo Dilma e aquilo anunciado na propaganda eleitoral, de 2010, é plena. Nem houve propaganda enganosa, nem promessa não cumprida.

De onde vem a questão “copa para quem?”, então? Resolvi levar a sério as cobranças e ataques à Copa no Brasil e me encontrei num contexto semântico calamitoso. O que é que a Copa do Mundo está devendo ao Brasil? Fiquei pensando se a Copa do Mundo seria um sistema de financiamento público e estatal do investimento em agricultura orgânica, nas pequenas e médias propriedades. Isso seria absurdo? Por que? E se a FIFA, na verdade, quiser dizer Federação Internacionalista da Fraternidade Anarquista, seria o caso acusá-la de fraude por estar exigindo regras que atentam contra a soberania brasileira, como a prerrogativa da venda exclusiva de certa marca de cerveja? FIFA, Copa do Mundo, “Arenas”. Pronto, o problema são as arenas, as remoções, os despejos, as injustiças, os gastos públicos com o “pão e circo”. Sou contra tudo isso. Para que, afinal, servem os estádios de futebol? Alguém por acaso acompanha o futebol, neste país? Em que mundo vivem as pessoas que esperam um estádio ser construído sem impacto ambiental e social? Ah, a denúncia de uma expectativa hipócrita e oportunista é cínica? As vilas despejadas, os operários mortos, as famílias desfeitas, as casas destruídas, por conta da Copa, são, mesmo, responsabilidade da Dilma? Afinal, a Copa do Mundo é um movimento de ocupação das polícias militares, dos governos estaduais e municipais do Brasil?

Tem algo mais ridículo e monstruoso do que exigir do governo federal um SUS “padrão FIFA”. Não é lá muita coisa: é fazê-lo sem se comprometer em entender ou em lutar minimamente contra o jorro de dinheiro para o mercado financeiro que se esvai em taxação de juros, e seguir achando o tema do financiamento do estado algo irrelevante. Esta é uma maneira realmente ridícula de exigir uma rede de saúde a uma federação internacional de futebol. Há outras, claro: que tal uma legislação igualitária, para adoção por casais gays, e o casamento gay, e o direito ao aborto legal? Pode-se exigir isso da FIFA, também?

A indigência política da direita é a indigência política da oligarquia midiática, que age contra a lei, no Brasil. A indigência política da esquerda é seguir acreditando na confusão, no obscurantismo e na guerra ideológica promovida por quem finge ou acredita (os ingênuos e moralóides de todas as cores) que está realmente esperando que uma Copa do Mundo poderia servir para melhorar as condições de habitação, educação, meio ambiente e politização do Brasil. Não é para isso que serve um campeonato mundial de futebol, qualquer criança que faz um álbum de figurinhas sabe, mas essa horda de descobridores da América sai a vociferar truísmos incapazes de convencer um guri que disputa grêmio estudantil. Está aí o seu fracasso. Se o dinheiro que circula ou não nos grandes eventos entrará no país para fins de investimento nos programas que significam mais democracia e qualidade de vida, este é o tema central sobre Copa do Mundo e Olimpíadas. É por isso, e por nada menos, que esses eventos foram trazidos para o Brasil: acreditou-se e acredita-se que esses acontecimentos mobilizam, dinamizam, viabilizam, investimentos, produção, distribuição, de riqueza e de conhecimentos (vai sem dizer que nada disso cai sob o domínio moral).

Quem votou em 2010 pode ter votado, é claro, por uma Copa do Mundo com um Programa de Transição a tiracolo. Cada qual com seus limites e contradições, como diz o filósofo. Perguntar, agora, para quem é a Copa, com o propósito de denunciar que a Copa do Mundo é a Copa do Mundo, é como esperar que na eleição presidencial alguém defenda o direito ao aborto legal, ao casamento gay, à adoção por casais gays seriamente, isto é, com chances de vencer, mais do que de ganhar as consciências. Com um agravante: estas últimas bandeiras, ao contrário da pergunta tautológica e por isso sem sentido político algum, do “copa para quem”, são bandeiras políticas, democráticas e civilizatórias.

A eleição promete ser cheia dessa má-fé retórica, dessa indigência performativa e, portanto, de irracionalidade. Resta saber se o fracasso político dessa babaquice oportunista e politicamente indigente vai seguir com essa aura moralista, a atacar os que estão na luta por toda e qualquer bola realmente dividida.
 
Qualquer professor de quinta série ensina a seus alunos o que foi a política do pão e circo. Esperar hospitais e postos de saúde de um campeonato de futebol é o mesmo que esperar democracia e respeito às liberdades da mídia oligárquica, das igrejas e dos adoradores de axé music. Tem coisa mais ridícula do que ficar criticando música e vídeo de abertura da copa do mundo, do que ficar cobrando hospitais padrão FIFA (só imaginar isso causa arrepios! Quem, seriamente, poderia querer uma monstruosidade dessas?), do que perguntar, com o peito cheio da certeza delirante de estar ao lado do bem e do verdadeiro, “copa para quem?”. No momento, é difícil lembrar. Talvez seja o jingle de Eymael, o nosso democrata cristão de estimação, sei lá. Para que, afinal, serve o futebol, não é mesmo? Vai ver serve para democratizar as bacias hidrográficas. Não quer pão e circo? Ótimo. Que tal começar a querer, ao menos sabendo que está querendo, sair do armário moralizador e entrar no jogo?

Hora de ensinar boas maneiras aos “grandes” poderes




Estados Unidos já não são capazes de impor sua ordem. Mas como evitar que seu declínio resulte num mundo caótico?

Slavoj Zizek - Outras Palavras - Tradução: Marília Arantes

Conhecer uma sociedade não significa apenas conhecer as suas regras explícitas. É preciso saber como aplicá-las: quando utilizá-las, quando violá-las, quando negar uma chance que nos é oferecida, e quando somos obrigados necessariamente a fazer algo enquanto pretendemos fazê-lo por livre e espontânea opção. Considere o paradoxo, no caso, das propostas feitas para que sejam recusadas. Quando sou convidado para jantar em um restaurante por um tio rico, ambos sabemos que é ele quem vai pagar a conta, embora eu deva insistir de leve que podemos dividir – imagine a minha surpresa caso meu tio de repente diga: “está bem, então, pague a conta você!”

Aconteceu um problema similar durante os caóticos anos pós-soviéticos sob governo Yeltsin na Rússia. Embora as regras legais fossem conhecidas e, em boa parte, idênticas às da União Soviética, uma complexa rede de regras implícitas, não-escritas – as que sustentavam todo o edifício social -, se desintegraram. Na União Soviética, se você precisasse de um tratamento hospitalar melhor, assim como um apartamento melhor, se tivesse alguma reclamação contra as autoridades, estivesse sendo processado ou quisesse seus filhos admitidos em uma escola de ponta, era preciso saber das regras implícitas.

Você precisava compreender a quem deveria se dirigir ou persuadir, e o quê deveria ou não fazer. Após o colapso do poder soviético, um dos maiores aspectos a mudar no cotidiano das pessoas comuns foi que estas regras não-ditas tornaram-se seriamente obscuras. As pessoas simplesmente não sabiam como reagir, como se referir às regulamentações oficiais explícitas, o que deveria ser ignorado e até onde a persuasão funcionaria. (Uma das funções do crime organizado era prover um tipo de Ersatz – um substituto -, da legalidade. Se você fosse o dono de um pequeno negócio e um cliente lhe devesse dinheiro, você deveria procurar respaldo de um mafioso, que cuidaria do problema, já que o sistema legal do Estado era ineficiente.) A estabilização da sociedade sob o reinado de Putin só se deu, em grande parte, por causa da transparência no estabelecimento recente de regras não-escritas. Agora, novamente, a maioria das pessoas pode compreender a complexa teia de interações sociais.

Na política internacional, ainda não atingimos este estágio. Voltando aos anos 90, um pacto silencioso regulamentava as relações entre a Rússia e as grandes potências Ocidentais. Os Estados do Ocidente tratavam a Rússia como um grande poder, sob a condição de que ela não agisse enquanto tal. Mas o que acontece quando a pessoa a quem se fez uma proposta-feita-para-se-recusar, resolve aceitá-la? E se a Rússia começa a agir enquanto grande potência? Uma situação como esta é de fato catastrófica, por ameaçar toda a teia de relações existentes – assim como aconteceu há cinco anos, na Geórgia. Cansada de ser apenas tratada como superpotência, a Rússia passou a atuar enquanto uma.

Como isso aconteceu? O “Século Americano” acabou e nós entramos em um período em que passaram a se formar múltiplos centros no capitalismo global. Nos Estados Unidos, Europa, China e talvez América Latina, também, os sistemas capitalistas se desenvolveram com características específicas; os EUA defendem o capitalismo neoliberal, a Europa, o que restou do Estado de bem-estar social, a China, um capitalismo autoritário e a América Latina, o capitalismo populista. Desde que a tentativa dos Estados Unidos de se imporem enquanto superpotência hegemônica – polícia do mundo – faliu, existe a necessidade de se estabelecer novas regras para interação entre estes centros locais, conforme o que diz respeito a seus interesses divergentes.

É por isto que os nossos tempos são potencialmente mais perigosos do que parecem. Durante a Guerra Fria, as regras para o comportamento internacional eram claras, e garantidas pela loucura – da destruição mútua assegurada– pelas superpotências. Quando a União Soviética violou as tais regras não-escritas ao invadir o Afeganistão, ela pagou seriamente pela infração. A Guerra no Afeganistão foi o começo de seu próprio fim. Atualmente, velhas e novas superpotências estão se testando umas às outras, tentando impor suas próprias versões das regras globais, experimentando abordagens aos mais próximos – que, é claro, são outras, nações e estados menores.

Karl Popper certa vez defendeu o exame científico de hipóteses, afirmando que assim permitimos que nossas hipóteses morram, em vez de morrermos nós mesmos. Mas, nos testes realizados hoje em dia, as pequenas nações ganham mais mortos e feridos do que as grandes – primeiro foi a Geórgia, agora a Ucrânia. Embora os argumentos oficiais sejam altamente moralistas, defendam os direitos humanos e a liberdade, a natureza do jogo é clara. Os acontecimentos na Ucrânia parecem algo como a “Crise da Geórgia – Parte II” – o próximo estágio da luta por controle em um mundo não-regulamentado, multipolarizado.

Sem dúvida, é hora de ensinarmos a estas superpotências, velhas e os novas, algumas boas-maneiras [regras de conduta], mas quem fará isto? Obviamente, apenas uma entidade transnacional poderia mediar isto – há mais de 200 anos, Immanuel Kant enxergou a necessidade de uma ordem legal internacional que fosse capaz de permear o apogeu das sociedades globalizadas. Em seu projeto pela paz perpétua, escreveu: “Desde que uma comunidade mais estreita e mais ampla entre povos do mundo tenha se desenvolvido a ponto que a violação dos direitos em uma localidade do mundo seja sentido nas demais, a ideia de que exista uma lei mundial de cidadania não seria mero devaneio ou noção exagerada.”

Isto, no entanto, nos leva ao que é discutivelmente a “principal contradição” da nova ordem mundial (se ainda pudermos utilizar o velho termo maoísta): a impossibilidade de criarmos uma ordem política mundial que seja capaz de corresponder com a economia capitalista globalizada.

Mas e se, por razões estruturais, e não somente devido a limitações empíricas, não seja possível existir uma democracia amplamente difundida ou um governo representativo mundial? E se a economia do mercado global não puder ser organizada diretamente como uma democracia liberal, global com eleições em nível mundial?

Na era de globalização, estamos pagando o preço desta “principal contradição”. Na política, antigas fixações, em particular, questões substancialmente étnicas, religiosas e de identidade cultural voltaram como vingança. Nosso dilema é definido por sua tensão: à livre circulação global de commodities seguem crescentes separações na esfera social. Desde a queda do muro de Berlim e o apogeu do mercado global, novos muros começaram a emergir por todas as partes, segregando pessoas e suas culturas. Talvez a sobrevivência crucial da humanidade dependa da resolução desta tensão.

Mais lidas da semana