Para quem acha que
capitalismo é apenas um sistema econômico, não uma relação de poder, o Brasil
desta 5ª feira incentiva a revisão de conceitos.
Saul Leblon – Carta
Maior, editorial
A marcha dos
acontecimentos nas últimas 48 horas (27/3):
- o Supremo aposentou o domínio do fato e ressuscitou o império da
lei para julgar o mensalão tucano;
- os que tentaram fatiar e vender a Petrobrás em 1997, agora reivindicam
uma CPI para defendê-la;
- a Standar & Poor’s rebaixa a nota do país em desacordo com a política
fiscal enquanto o capital estrangeiro não para de comprar títulos do Brasil ;
- o Ibope anuncia que a aprovação ao governo despenca , no
mesmo dia em que o IBGE divulga o menor nível de desemprego no
desde 2002 e a maior renda real dos trabalhadores em 12
anos.
Como entender a feijoada de paradoxos?
Olhando o calendário.
Estamos a sete meses das eleições presidenciais de 2014; as
pesquisas mostram Dilma na liderança, com chances de vencer no 1º turno.
Os resultados da economia desmentem a guerra
santa das expectativas.
Por enquanto.
Mas o martelete conservador opera diuturnamente.
A dar um crédito – generoso - ao passado do Ibope, a trepidação ininterrupta já
teria provocado uma trinca nas expectativas, suficiente para
ressuscitar aquilo que o ciclo Lula tinha extirpado do imaginário brasileiro: o
medo do futuro.
A associação entre o medo e o futuro forma um redemoinho
capaz de cegar a visão do presente e sepultar a disposição da sociedade para
enfrentar os interditos ao passo seguinte do seu desenvolvimento.
A manada de bisão acantonada nas redações dedica-se a isso com
afinco: afia os cascos no chão e recobre o horizonte brasileiro de uma
espessa poeira cinza asfixiante. O chão treme.
É imperioso ligar o aspirador de pó à passagem do tropel noticioso. A
mesa do café da manhã fica imprestável quando dividida com a
edição do dia.
A culpa pelas más notícias nunca é do carteiro. OK. Exceto se ele
exorbita e troca a entrega da correspondência pela ordem de despejo.
O pisoteio dos cascos isentos faz mais ou menos isso ao
reduzir a partículas ínfimas qualquer saliência que
desafie a pauta do Brasil aos cacos.
Nenhum vestígio positivo do passado e do presente mas,
sobretudo, os brotos do futuro, sobrevivem à passagem diária do
tropel.
Repita-se: isso, há sete meses do pleito que pode dar um quarto
mandato à coalizão centrista comandada pelo PT.
Há quem ache merecido.
Até sorria ao ouvir o barulho do Brasil esmigalhando sob as patas do
tropel.
As alianças ‘escolhidas’ pelo PT, afinal, sem falar no próprio,
submeteram a sociedade a uma camisa de força conservadora, diz Eduardo
Campos, de braço dado com os Bornhausen, de conhecidos pendores mudancistas...
Há quem vá além e prefira a parceria com autênticos partisans de um
novo amanhecer.
Combatentes da cepa de um Jarbas Vasconcelos, por exemplo; ou
da estirpe de Agripino, le rouge, companheiros de caminho dos que
levaram ao Procurador Geral, Rodrigo Janot, um pedido de
investigação contra a Presidenta Dilma Rousseff pelo caso Pasadena.
A manada ganhou esta semana outro reforço de notórios compromissos com o
país.
A agencia Standart & Poor’s, cuja credibilidade é conhecida,
mostrou a que veio ao rebaixar a nota do país para pendurá-lo
um degrau acima do patamar a que estão relegadas alguns Estados falidos.
E não ficou nisso: ‘Os sinais enviados pelo governo ainda não são claros’,
advertiu a agência no idioma da chantagem imperial. ‘Podemos promover
ainda um novo corte na nota’, reforçou a senhora Lisa Schineller, analista da
agencia, em teleconferência à mídia embevecida.
Em seguida foi direto ao centro da sua meta que é para ninguém ter
dúvida do que é o principal na vida de uma nação: ‘(a punição) é um
reflexo da política fiscal (a economia para pagar os juros dos rentistas),’cuja
credibilidade se enfraqueceu de forma sis-te-máti-ca’, escandiu a
executiva da ‘S& P’.Orgasmos intelectuais na plateia.
Nesse bacanal da isenção com a equidistância a ninguém ocorreu, naturalmente,
perguntar-lhe se a mesma corrosão da credibilidade teria atingido a agência de
risco pelo desempenho pregresso.
Em agosto de 2008 a ‘S&P’ atribuiu ao banco Lehman
Brothers um esférico triple A: a nota máxima do ‘rating’ de credibilidade,
da qual ela afastou o Brasil um pouco mais agora.Trinta dias depois
o banco implodia acionando a espoleta da maior crise do capitalismo desde
1929.
Há um outro recuerdo ilustrativo do combustível que move a engrenagem por
trás da fala assertiva da senhora Schineller.
A ‘S&P’ foi responsável por rebaixar a nota do Brasil em julho de
2002.
As pesquisas do Datafolha mostravam então o candidato Lula na liderança das
intenções de voto, com 38% das preferências dos eleitores, seguido de Ciro
Gomes.
Só depois vinha o delfim da eterna derrota conservadora: José Serra.
O risco da argentinização sob um governo petista era o mote do jogral
conservador, ao qual a S&P adicionou seu grave de tenor.
Como corolário da impoluta trajetória ética e técnica recorde-se que o governo
norte-americano encontrou um erro de cálculo de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas
contas que orientaram a mesma Standard & Poor’s a rebaixar o
rating do país em 2012.
Essa a folha corrida. Cuja representação era aguardada com ansiedade pela
manada e seus candidatos amigáveis à sucessão.
A bala de prata não negou fogo.
Mas o day after da apoteose foi talvez o maior fiasco já enfrentado
pelo jornalismo isento que se vestiu de gala com manchetes
garrafais à espera de uma 3ª feira negra que não veio.
O dólar caiu ao menor nível em quatro meses; o capital estrangeiro
continuou a desembarcar - uma parte, ressalve-se, apenas para
desfrutar dos juros altos-- mas US$ 9,2 bi em investimento efetivos
aportaram no 1º bimestre.
A Bolsa atingiu a maior pontuação desde setembro de 2013 (e continuou
subindo, após a divulgação do Ibope desfavorável ao governo)
As ações da Petrobras se mantiveram em espiral ascendente - e assim
seguiram também após o Ibope.
Para finalizar, o Tesouro anunciou uma arrecadação recorde em fevereiro
–em frontal desacordo com o veredito da ‘inconsistência fiscal’ alegada
pela ‘S&P’ para cortar o ‘rating’ do país.
O que aconteceu no day after - e no day after do day after - na verdade, só
reafimou aquilo que os indicadores tem mostrado neste início de ano, à revelia
das manchetes alarmistas.
O Brasil tem problemas; sérios alguns (leia ‘Quem vai mover as turbinas
do Brasil?’).
Mas está longe de ser a terra arrasada produzida pelos cascos que esmagam e
amesquinham tudo o que se opõe à pauta da economia que vai afundar – 'se
não for hoje, de amanhã não passa'.
Nesta 2ª feira, por exemplo, o insuspeito jornal Valor reuniu 18 indicadores
atualizados para medir a temperatura da economia neste início de ano.
Treze dos dezoito apontavam um desempenho positivo.
São eles: renda, emprego, atividade industrial, vendas do varejo, vendas
de serviços, venda de aços planos, crédito, inadimplência, nível de atividade
do BC, vendas de automóveis, fluxo de veículos pedagiados e vendas de
papel para embalagem.
Dos cinco indicadores negativos, apenas um se referia a
atividade produtiva de fato: produção de automóveis (influenciada pela
antecipação de vendas do final de 2013 e o fim da isenção do IPI)
Os demais dizem respeito à formação das expectativas, diretamente
contaminadas pela guerra eleitoral manipulada pela mídia – intenção de
consumo, confiança da indústria, confiança do consumidor, indicador antecedente
da FGV.
Em resumo, os mercados, ao contrário do jornalismo colegial, sabem
que as candidaturas conservadoras não emplacam.
Enquanto cuidam de faturar, usam as redações isentas, a exemplo dos
serviços pagos, da ‘Standard & Poor’s e do Ibope, para
chantagear o final do governo Dilma.
Mas não só chantagear.
Também para engessar a presidenta-candidata no palanque de outubro .
E, no limite, desossar sua eventual reeleição, circunscrevendo-a
num círculo de ferro de mercadismo e mediocridade.
A transição de ciclo econômico vivida pelo Brasil apimenta esse embate.
Mas não é a sua determinação maior.
A determinação dominante é o mutirão do dinheiro graúdo para engessar o
governo em curso-- e, sobretudo a sua continudiade, a partir de 2015-- e
impedir que ele seja de fato o portador do desejo mudancista do
eleitorado brasileiro, majoritariamente associado à condução do processo
pela própria Presidenta-candidata.
O cerco está visível a olho nu.
Trata-se de espremer Dilma e tanger o PT , obrigando-os a pensar pequeno.
Pensar um futuro governo menor que o país.
Uma campanha presidencial menor que as possibilidades e urgências da
Nação.
Com um programa de governo - e uma estratégia eleitoral - menor
que a ponte necessária entre a prostração democrática que favorece a chantagem
em curso, e a repactuação da sociedade com o desenvolvimento, feita
de prazos e metas críveis para a construção da cidadania plena.
Se pensar pequeno, o governo que finda, e o seu novo mandato, corre o
risco de caber na goela conservadora.
Que não hesitará em mastiga-lo até o último farelo.