Para Silva Lopes,
um dos males da democracia é a impunidade
O economista e
antigo governador do Banco de Portugal José Silva Lopes afirmou, em entrevista
à Lusa, que Portugal é um país "profundamente desigual" e
"bastante corrupto", apontando o caso da fraude no BPN como um caso
único na Europa.
Num balanço do
desenvolvimento registado em Portugal após o 25 de Abril, Silva Lopes, antigo
ministro das Finanças e do Comércio Externo, apontou vários entraves e indicou
que persiste o problema da corrupção.
"Apesar dos
progressos na educação, temos uma população muito pouco educada no sentido
formal, e com um grau de instrução muito inferior ao da média europeia, das
piores da Europa. Depois também somos um país bastante corrupto, não somos o
mais corrupto da Europa (haverá três ou quatro mais corruptos), mas temos um
nível de corrupção que é alto", afirmou.
O ex-ministro
afirmou também que Portugal é "um país profundamente desigual".
"Temos um dos
níveis de desigualdade maiores da Europa (talvez também um ou dois países à
nossa frente) e principalmente não temos organizações nem instituições para
combater estes problemas", declarou Silva Lopes.
"Vemos a
corrupção campear em frente por aí e não se ataca como deve ser. Vemos a fraude
do BPN (Banco Português de Negócios), por exemplo. Não há nenhum país da
Europa, penso eu, nenhum, em que um indivíduo que causa um prejuízo ao país de
4,5 mil milhões de euros não esteja na prisão", criticou.
"Cá não lhe
vai acontecer nada porque com recurso e com 80 ou 800 testemunhas, já nem sei
quantas são, e prescrições, sabemos uma coisa, ele e os outros vão ficar
livres. Nós pagamos", acrescentou.
Para Silva Lopes,
um dos males da democracia é a impunidade.
"A nossa
liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros e cá damos liberdade a todos
os delinquentes", disse, acrescentando que "fomos longe demais nessas
coisas, na proteção dos delinquentes".
Silva Lopes defendeu que "o sistema político português precisa de alguns
ajustes".
"Agora temos
esta mania dos direitos adquiridos. Os direitos adquiridos são para se manter
se for possível", considerou.
"Quando a
situação muda, que é o que está a acontecer agora, não podemos deixar de tocar
nalguns direitos adquiridos", afirmou e indicou o caso dos que têm
"reformas milionárias".
"Eu também
tenho uma reforma alta. Se fosse defender os meus direitos adquiridos, também
protestava, mas não protesto", referiu.
Questionado sobre
uma revisão da Constituição, Silva Lopes respondeu que a defende sobretudo no
sentir de evitar que sejam feitas "interpretações excessivas, abusivas ou
distorcidas" das normas constitucionais.
Após 11 março
"não tinha poder e saí" do governo
José Silva Lopes
integrou quatro governos logo a seguir ao 25 de Abril, tendo sido ministro das
Finanças em dois executivos liderados por Vasco Gonçalves, mas saiu após o 11
de março, quando percebeu que já não tinha grande poder.
Em entrevista à
Lusa, o economista recordou os tempos conturbados do pós-revolução, a
nacionalização da banca e o período até 1980, quando foi governador do Banco de
Portugal.
"Foram talvez
os anos mais importantes da minha vida profissional", afirmou em alusão ao
período em que esteve à frente do banco central.
No I Governo
provisório, Silva Lopes foi secretário de Estado das Finanças. Não havia
Ministério das Finanças, mas um Ministério da Coordenação Económica.
"Era um modelo
que não funcionava e o I Governo (provisório) durou pouco. Quando veio o II
Governo chefiado por Vasco Gonçalves fiquei como ministro das Finanças",
afirmou, acrescentando que continuou nesta pasta no III governo.
Quando surge o IV
Governo, logo a seguir ao 11 de março (de 1975), já num período de
radicalização revolucionária, quis sair da pasta.
"Percebi que
já não tinha grande poder, nomeadamente sobre a banca e percebi que já não
estava lá a fazer grande coisa", afirmou o economista, explicando que
Vasco Gonçalves insistiu na sua continuação e criou mesmo a pasta do Comércio
Externo, que viria a ocupar.
"Mas, no IV
Governo não me dei nada bem, porque aquilo funcionava já em regime de
'Politburo' e só alguns ministros é que se reuniam em Conselho de Ministros.
Embora fosse ministro, funcionava como secretário de Estado", afirmou.
"Era muito
desagradável e o período era muito conturbado. Quando o PS resolveu sair do
Governo, eu saí logo a seguir", afirmou Silva Lopes, que voltaria a ser
membro do Governo durante alguns meses em 1978, "no tempo de Nobre da
Costa".
O ex-ministro
referiu que logo após o 25 de Abril encontrou a economia já em dificuldades.
"Tinha-se dado o primeiro choque petrolífero", houve um aumento da
inflação e um desequílibrio da balança de pagamentos e no primeiro ano no
governo já havia um défice orçamental - "embora pequeno, muito pequeno
comparado com o que se seguiu" - mas inédito desde que Salazar subira ao
poder.
Silva Lopes lembrou
ainda a instabilidade de então. "Havia manifestações todos os dias,
cheguei a estar cercado no Ministério e ter de sair pelas águas-furtadas".
Mas, contou também
que ficou impressionado por pensar que as pessoas estariam preocupadas com a
igualdade e "afinal preocupavam-se era consigo próprias", mesmo
aqueles "com o emblema do Lenine que apareciam lá nos gabinetes".
Segundo Silva
Lopes, o coronel Melo Antunes, que integrou vários governos provisórios, foi um
dos que o apoiaram, dado que "não tinha força política".
Após o 11 de março,
"mudou tudo". A banca foi nacionalizada.
Embora defendesse
que era necessária uma intervenção na banca, para evitar a fuga de capitais,
Silva Lopes sublinhou à Lusa que "intervir não era nacionalizar".
"O Conselho da
Revolução não entendeu assim e acabei por aderir às teses do Conselho da
Revolução", afirmou, explicando que quando se tratou de nomear as novas
administrações dos bancos nacionalizados, na altura, nada se fazia sem
consultar os sindicatos e estes recusaram a lista de gestores que propôs. Foi
então que deixou as Finanças.
Na segunda metade
da década de 1970, foi governador do Banco de Portugal e enfrentou outros
problemas.
"Tínhamos um
problema na balança de pagamentos, andávamos já a hipotecar o ouro e não
tínhamos quem nos emprestasse dinheiro", indicou, explicando que foi
apoiado e aconselhado por economistas do MIT (Massachusetts Institute of
Technology) como Robert Solow, Paul Krugman ou Peter Diamond, mais tarde
galardoados com o Nobel da Economia, e pelo alemão Rudi Dornbush, pai do
'crawling peg', um mecanismo de flutuação cambial que varia consoante a
inflação.
"Foi a coisa
mais importante que fiz pelo país em toda a minha vida, foi o 'crawling peg',
que fez com que a economia crescesse bastante até ao fim da década de 80",
considerou.
Lusa, em jornal i