sábado, 8 de fevereiro de 2014

A VERDADE SOBRE O ARSENAL NUCLEAR SECRETO DE ISRAEL

 

Julian Borger* - O Diário.info
 
Enquanto a máquina mediática imperialista prossegue a barragem de desinformação e propaganda sobre o “armamento nuclear” do Irão e as “armas químicas” Sírias, faz silêncio sobre o único Estado do Médio Oriente que detêm um poderoso arsenal tanto de armas químicas como de ogivas nucleares, o Estado de Israel. Arsenal que foi criado secretamente com a activa cumplicidade dos EUA, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha e de outros países capitalistas possuidores dos materiais e da tecnologia necessária.
 
Na profundeza das areias do deserto, um acossado Estado no Médio Oriente construiu uma bomba nuclear secreta, utilizando tecnologia e materiais fornecidos por potências amigas ou roubados por uma rede clandestina de agentes. Eis o material das novelas baratas de suspense e o tipo de narrativa frequentemente utilizado para caracterizar os piores temores acerca do programa nuclear iraniano. Na realidade, entretanto, nem os serviços de inteligência estado-unidenses ou britânicos crêem que Teerão tenha decidido construir uma bomba, e os projectos atómicos do Irão encontram-se sob constante acompanhamento internacional.

Todavia a exótica história da bomba oculta no deserto é verdadeira. Apenas se aplica a outro país. Por meio de um extraordinário conjunto de subterfúgios, Israel conseguiu juntar todo um arsenal nuclear subterrâneo – estimado agora em 80 ogivas, o que o coloca a par da India e Paquistão – e inclusivamente há quase meio século ensaiou uma bomba, perante um mínimo de protestos internacionais ou mesmo de muita percepção pública do que estava a fazer.

Apesar do facto de o programa nuclear de Israel se ter tornado um segredo de Polichinelo desde que um técnico descontente, Mordechai Vanunu, o revelou em 1986, a posição oficial de Israel continua a ser de nem confirmar nem negar a sua existência.

Quando o ex presidente do Knesset [parlamento israelita], Avraham Burg, terminou no mês passado com o tabu, declarando que Israel possui armas nucleares e químicas e descrevendo a política oficial de reserva absoluta como “obsoleta e infantil”, um grupo direitista solicitou formalmente uma investigação policial por traição.

Entretanto, governos ocidentais alinharam no jogo com a política de “opacidade” ao evitar qualquer menção do tema. Em 2009, quando uma veterana jornalista em Washington, Helen Thomas, perguntou no primeiro mês da sua presidência a Barack Obama se tinha conhecimento de algum país no Médio Oriente possuidor de armas nucleares, este esquivou-se ao tema dizendo apenas que não queria “especular”.

Os governos do Reino Unido têm actuado geralmente da mesma forma. Interrogada em Novembro na Câmara dos Lordes acerca das armas nucleares israelitas, a baronesa Warsi enveredou pela tangente: “Israel não declarou um programa de armas nucleares. Conversamos regularmente com o governo de Israel sobre uma serie de temas relacionados com o problema nuclear”, disse a ministra. “O governo de Israel não tem duvidas sobre os nossos pontos de vista. Incitamos Israel a converter-se num Estado parte do Tratado de Não Proliferação Nuclear [TNP].”

Mas através das fissuras deste muro de pedra continuam a emergir mais e mais pormenores sobre como Israel construiu as suas armas nucleares com componentes contrabandeados e tecnologia roubada.

A história fornece um contraponto histórico à actual e prolongada luta relativamente às ambições nucleares do Irão. O paralelo não é inteiramente exacto – Israel, ao contrário do Irão, nunca subscreveu o TNP de 1968, de modo que não poderia violá-lo. Mas é quase seguro que violou um tratado que proíbe ensaios nucleares, bem como inumeráveis leis nacionais e internacionais que restringem o tráfico de materiais e tecnologia nucleares.

A lista de nações que venderam em segredo a Israel o material e o know-how para construir ogivas nucleares, ou que fizeram vista grossa ao seu roubo, inclui os mais acérrimos inimigos da proliferação: EUA, França, Alemanha, Grã-Bretanha e inclusivamente a Noruega.

Entretanto, agentes israelitas encarregados de comprar material físsil e tecnologia avançada chegaram a integrar alguns dos estabelecimentos industriais mais impenetráveis do mundo. Este atrevido grupo de espias de notável êxito, conhecido como Lakam, o acrónimo hebreu para o Gabinete de Relação Científica (de ressonância inócua), incluía personagens tão pitorescos como Arnon Milchan, o multimilionário produtor de êxitos de Hollywood como Pretty Woman, LA Confidential, e 12 Years a Slave, que no mês passado admitiu o papel que desempenhou.

“¿Sabeis o que significa ser um jovem de vinte e tal anos [e] o seu país encarregá-lo de ser James Bond? ¡Caramba! ¡A acção! Foi excitante”, disse num documentário israelita.

A história da vida de Milchan é pitoresca, e é bastante improvável que sirva de tema de um dos êxitos que financia. No documentário Robert de Niro recorda ter discutido o papel de Milchan na compra ilícita de detonadores para ogivas nucleares. “Em certa ocasião tê-lo-ei interrogado a esse respeito, como amigo dele, não em termos de uma acusação. Só queria saber,” disse de Niro. “E ele disse-me: sim, fi-lo. Israel é o meu país.”

Milchan não se mostra tímido no que diz respeito à utilização de ligações em Hollywood para apoiar a sua tenebrosa segunda carreira. Num determinado momento, admite no documentário, utilizou uma visita a casa do actor Richard Dreyfuss como isco para conseguir que um importante cientista nuclear estado-unidense, Arthur Biehl, integrasse no conselho de administração de uma das suas companhias.

Segundo a biografia de Milchan, dos jornalistas israelitas Meir Doron e Joseph Gelman, foi recrutado em 1965 pelo actual presidente de Israel, Shimon Peres, que encontrou num clube nocturno de Tel Aviv (chamado Mandy’s, baptizado pela anfitriã e esposa do proprietário, Mandy Rice-Davies, célebre pelo seu papel no escândalo sexual Profumo). Milchan, que então dirigia a companhia familiar de fertilizantes, nunca se arrependeu, desempenhando um papel central no programa clandestino de aquisições de Israel.

Foi responsável por conseguir tecnologia vital de enriquecimento de uranio, fotografar planos de centrifugadoras “abandonados” temporariamente na sua cozinha por um executivo alemão subornado para o fazer. Esses mesmos planos, pertencentes ao consórcio de enriquecimento de uranio europeu Urenco, foram roubados uma segunda vez por um empregado paquistanês, Abdul Qadeer Khan, que os utilizou para fundar o programa de enriquecimento de uranio do seu país e estabelecer um negócio global de contrabando nuclear vendendo o projecto à Líbia, à Coreia do Norte e ao Irão.

Por esse motivo, as centrifugadoras de Israel são quase idênticas às do Irão, uma convergência que permitiu que os israelitas experimentassem um vírus informático, conhecido como Stuxnet, nas suas próprias centrifugadoras antes de o introduzir no Irão em 2010.

Possivelmente as façanhas de Lakam terão sido ainda mais arriscadas que as de Khan. Em 1968 organizou a desaparição no meio do Mediterrâneo de um cargueiro inteiro cheio de mineral de uranio. No que chegou a ser conhecido como o affaire Plumbat, os israelitas utilizaram uma rede de companhias de fachada para comprar uma remessa de óxido de uranio, conhecido como “torta amarela” (yellowcake) ou urania, em Amberes. A torta amarela estava oculta em tambores com a etiqueta “plumbat”, um derivado do chumbo, e foi carregada num cargueiro fretado por uma suposta companhia liberiana. A venda foi camuflada como uma transacção entre companhias alemãs e italianas com ajuda de funcionários alemães, segundo se diz em troca da oferta israelita de ajudar os alemães com tecnologia de centrifugadoras.

Quando o navio, o Scheersberg A, atracou em Rotterdam, toda a tripulação foi despedida usando o pretexto de que a embarcação tinha sido vendida e uma tripulação israelita tomou o seu lugar. O navio partiu para o Mediterrâneo onde, sob escolta naval israelita, a carga foi transferida para outra embarcação.

Documentos estado-unidenses e britânicos desclassificados no ano passado revelaram também uma compra israelita previamente desconhecida de umas 100 toneladas de torta amarela da Argentina em 1963 ou 1964, sem as salvaguardas tipicamente utilizadas em transacções nucleares para impedir que o material seja utilizado em armas.

Israel teve poucos escrúpulos em promover a proliferação de know-how e materiais para armas nucleares, e ajudou o regime do apartheid na África do Sul no desenvolvimento da sua própria bomba nos anos setenta, em troca de 600 toneladas de torta amarela.

O reactor nuclear de Israel também necessitava de óxido de deutério, também conhecido como água pesada, para moderar a reacção físsil. Para tal fim, Israel voltou-se para a Noruega e a Grã-Bretanha. Em 1959 Israel conseguiu comprar 20 toneladas de água pesada que a Noruega tinha vendido ao Reino Unido mas que era excedentária em relação às necessidades do programa nuclear britânico. Ambos os governos suspeitavam que o material seria utilizado para fabricar armas, mas decidiram fazer vista grossa. Em documentos vistos pela BBC em 2005 funcionários britânicos argumentaram que impor salvaguardas constituiria “excesso de zelo”. Pela sua parte a Noruega realizou apenas uma visita de inspecção, em 1961.

Entretanto, o projecto de armas nucleares de Israel nunca teria podido começar a funcionar sem uma enorme contribuição da França. O país que, quando se tratou do Irão, adoptou a linha mais dura na contra proliferação ajudou a criar os fundamentos do programa de armas nucleares de Israel, impelido por um sentimento de culpa por não ter apoiado Israel no conflito do Suez de 1956, pela simpatia de cientistas franco-judaicos, pelo intercambio de inteligência sobre a Argélia e pelo impulso de vender no estrangeiro a especialização francesa.

“Existia uma tendência no sentido de exportar e um sentimento geral de apoio a Israel”, disse a Avner Cohen, historiador nuclear israelo-estadounidense, Andre Finkelstein, ex vice-comissário do Comissariado de Energia Atómica de França e vice-director geral do Organismo Internacional de Energia Atómica.

O primeiro reactor de França fora posto em marcha em 1948 mas a decisão de produzir armas nucleares parece ter sido tomada em 1954, depois de Pierre Mendès France ter feito a sua primeira viagem a Washington como presidente do conselho de ministros da caótica Quarta República. No regresso a casa disse a um assessor: “É exactamente como uma reunião de gângsteres. Cada qual coloca a sua pistola sobre a mesa, e se não tens uma pistola não és ninguém. Portanto devemos ter um programa nuclear.”

Mendès France deu a ordem de começar a produzir bombas em Dezembro de 1954. E ao construir o seu arsenal, Paris vendeu ajuda material a outros Estados aspirantes a ter armas, não apenas a Israel.

“Isto continuou durante muitos, muitos anos até que fizemos algumas exportações estúpidas, incluindo ao Iraque e a instalação de reprocessamento no Paquistão, o que foi uma loucura”, recordou Finkelstein em entrevista que agora pode ser lida numa colecção de documentos de Cohen no think-tank Wilson Centre em Washington. “Fomos o país mais irresponsável no que diz respeito à não-proliferação”.

Em Dimona chegaram em massa engenheiros franceses para ajudar a construir un reactor nuclear para Israel e uma instalação muito mais secreta de reprocessamento, capaz de separar plutónio de combustível de reactor consumido. Esta foi a verdadeira revelação involuntária de que o programa nuclear de Israel apontava para a produção de armas.

No final dos anos cinquenta havia 2.500 cidadãos franceses vivendo em Dimona, transformando-a de uma aldeia numa cidade cosmopolita, completa com liceus franceses e ruas repletas de Renaults, mas apesar disso todo o projecto foi realizado sob um denso manto de secretismo. O jornalista de investigação estado-unidense Seymour Hersh escreveu no seu livro The Samson Option: “Aos trabalhadores franceses em Dimona era proibido escrever directamente a parentes e amigos em França e outros lugares, o seu correio era enviado para uma caixa postal falsa na América Latina”.

Os britânicos foram mantidos fora da operação, e em diferentes ocasiões foi-lhes dito que a imensa construção era um instituto de investigação de terra desértica não arável e uma instalação de processamento de manganésio. Os estado-unidenses, igualmente não informados por Israel e França, sobrevoaram Dimona com aviões espião U2 na tentativa de descobrir o que estava a ser feito.

Os israelitas admitiram que possuíam um reactor mas insistiram que era para fins inteiramente pacíficos. Afirmaram que o combustível consumido era enviado para França, para ser reprocessado, e forneceram inclusivamente gravações filmadas da sua carga em cargueiros franceses. Durante todos os anos sessenta negaram directamente a existência da instalação subterrânea de reprocessamento em Dimona, que produzia plutónio para bombas.

Israel negou-se a autorizar visitas por parte do Organismo Internacional de Energia Atómica (OIEA), de modo que no princípio dos anos sessenta o presidente Kennedy exigiu que aceitasse inspectores estado-unidenses. Físicos estado-unidenses foram enviados a Dimona mas foram-lhes trocadas as voltas desde o início. As visitas nunca tiveram lugar duas vezes por ano como tinha sido acordado com Kennedy e foram objecto de repetidos adiamentos. Os físicos estado-unidenses enviados a Dimona não foram autorizados a trazer o seu próprio equipamento ou a recolher amostras. O principal inspector estado-unidense, Floyd Culler, perito em extracção de plutónio, assinalou nos seus relatórios que em um dos edifícios existiam paredes recém rebocadas e pintadas. O que acontecia é que antes de cada visita estado-unidense os israelitas tinham construído paredes falsas em volta de uma serie de ascensores que baixavam seis pisos até à instalação subterrânea de reprocessamento.

À medida que mais e mais provas do programa de armas de Israel emergiam, o papel dos EUA evoluiu de pateta involuntário a cúmplice renitente. Em 1968, o director da CIA Richard Helms disse ao presidente Johnson que Israel certamente tinha conseguido produzir armas nucleares e que a sua força aérea tinha realizado voos para praticar o seu lançamento.

A oportunidade não podia ter sido pior. O TNP, previsto para impedir que demasiados génios nucleares escapassem das suas garrafas, acabava de ser redigido e se viesse a público a noticia de que um dos supostos Estados sem armas nucleares tinha produzido em segredo a sua própria bomba, converter-se-ia em letra morta que muitos países, especialmente Estados árabes, se recusariam a assinar.

A Casa Branca de Johnson decidiu nada dizer, e a decisão foi formalizada numa reunião em 1969 entre Richard Nixon e Golda Meir, na qual o presidente dos EUA aceitou não pressionar Israel a que assinasse o TNP, enquanto a primeira ministro de Israel aceitou que o seu país não seria o primeiro a “introduzir” armas nucleares no Médio Oriente e que não faria nada para que a sua existência fosse publicamente conhecida.

Na realidade a participação dos EUA foi mais além do que o simples silencio. Numa reunião em 1976 que chegou recentemente ao conhecimento público, o director adjunto da CIA, Carl Duckett, informou uma dezena de funcionários da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA que a agencia suspeitava que parte do combustível físsil nas bombas de Israel era uranio de grau utilizável em armamento roubado debaixo do nariz dos EUA de uma instalação de processamento na Pensilvânia.

Não apenas faltava uma quantidade alarmante de material físsil na companhia, a Nuclear Materials and Equipment Corporation (Numec), como tinha sido visitada por um verdadeiro grupo de eminencias da inteligência israelita, incluindo Rafal Eitan, descrito pela firma como um “químico” do ministério da defesa israelita mas que era, de facto, um alto agente da Mossad a quem posteriormente coube a direcção de Lakam.

“Foi um choque. Ficaram todos de boca aberta”, recorda Victor Gilinsky, que foi um dos funcionários nucleares estado-unidenses informados por Duckett. “Foi um dos casos mais evidentes de material nuclear desviado, mas as consequências pareceram tão terríveis aos directamente envolvidos e para os EUA que ninguém queria realmente investigar o que estava a suceder”.

A investigação foi arquivada e ninguém foi acusado.

Poucos anos depois, em 22 de Setembro de 1979, um satélite dos EUA, Vela 6911, detectou o clarão duplo típico de um teste de arma nuclear ao largo da costa da África do Sul. Leonard Weiss, matemático e perito em proliferação nuclear que trabalhava como assessor do Senado, depois de ser informado do incidente por agencias de inteligência dos EUA e pelos laboratórios de armas nucleares do país convenceu-se de que tinha tido lugar um ensaio nuclear, em contravenção do Tratado de Proibição de Ensaios Nucleares.

Só depois de o governo de Carter e depois o de Reagan terem tentado silenciar o incidente e branqueá-lo através da investigação de um pouco convincente painel, ocorreu a Weiss que tinham sido os israelitas, e não os sul-africanos, quem realizara a detonação.

“Foi-me dito que criaria un problema de política exterior muito serio para os EUA si dissesse que se tratara de um ensaio. Alguém tinha revelado algo que os EUA não queriam que ninguém soubesse”, diz Weiss.

Fontes israelitas disseram a Hersh que o clarão registado pelo satélite Vela foi na realidade o terceiro de uma serie de ensaios nucleares no Oceano Índico que Israel realizou em cooperação com a África do Sul.

“Foi uma trapalhada”, disse-lhe uma fonte. “Houve uma tempestade e pensámos que bloquearia Vela, mas houve uma brecha atmosférica – uma janela – e Vela foi cegado pelo clarão”.

A política de silencio dos EUA continua até hoje, apesar de Israel parecer continuar a comerciar no mercado negro nuclear, embora em volumes muito reduzidos. Num documento sobre o comercio ilegal em material e tecnologia nuclear publicado em Outubro, o Institute for Science and International Security (ISIS) com base em Washington assinalou: “Sob a pressão dos EUA nos anos oitenta e princípios dos noventa, Israel… decidiu deter em grande parte a obtenção ilícita de matérias para o seu programa de armas nucleares. Hoje em dia existe evidencia de que Israel pode ter continuado a fazer aquisições ilícitas – operações policiais de surpresa estado-unidenses e processos judiciais instaurados provam-no.”

Avner Cohen, autor de dois livros sobre a bomba de Israel, assinalou que uma política de opacidade em Israel e Washington é mantida agora sobretudo por inercia. “No âmbito político, ninguém quer encarar o caso por temor a abrir uma caixa de Pandora. Converteu-se de muitas formas num fardo para os EUA mas as pessoas em Washington, a todos os níveis até Obama, não lhe tocam por temerem que poderia comprometer a própria base do entendimento Israel-EUA.”

No mundo árabe e mais além ainda existe uma crescente impaciência com este enviesado status quo. O Egipto em particular ameaçou retirar-se do TNP a menos que haja progresso no sentido da criação de uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente. As potencias ocidentais prometeram realizar uma conferencia sobre a proposta em 2012, mas foi cancelada, em grande parte a pedido dos EUA, para reduzir a pressão no sentido da participação de Israel e da declaração do seu arsenal nuclear.

“De alguma forma o teatro kabuki continua”, diz Weiss. “Se se admite que Israel tem armas nucleares pelo menos pode ter-se uma discussão honesta. Parece-me muito difícil que se venha a obter uma solução do tema do Irão sem ser honesto a esse respeito.”

*Julian Borger é editor diplomático do Guardian. Antes foi correspondente nos EUA, Médio Oriente, Europa Oriental e nos Balcãs.

© 2014 Guardian News and Media Limited.

Moçambique: NERVOSISMO

 

Verdade (mz) - editorial
 
O Conselho Constitucional prestou um mau serviço ao partido no poder. As indicações no terreno mostram, por A mais B, que a derrota é um dado adquirido para o partido de Armando Emílio Guebuza. As detenções arbitrárias e as constantes perseguições aos adversários políticos da Frelimo protagonizados pela, pasme-se, Polícia da República de Moçambique, demonstram claramente que a anulação do processo foi um golpe no baixo ventre da maior e mais antiga formação política do país.
 
As multidões que seguem o candidato do MDM revelam o quão pútrido é o Conselho Nacional de Eleições (CNE). Em Gúruè torna-se evidente que houve a tentativa de falsear a verdade das urnas e que se as eleições forem justas a Frelimo será literalmente varrida do mapa político municipal. Ou seja, será oposição e com uma minoria que roçará, depois da trapaça de 20 de Novembro, a uma vergonha do tamanho do orçamento da nova sede da Presidência da República de Moçambique.
 
Não há, sem ser pela burla e pela trapaça, hipótese alguma de a Frelimo sair reforçada deste processo. A acção da Polícia e a forte presença de efectivos estrangeiros no quotidiano da pequena urbe revelam muito nervosismo. Há polícias que andam de um lado para outro à procura de alojamento, numa urbe que nunca viu tantos “estrangeiros” juntos. Há um povo revoltado e que se sabia burlado pela divulgação de um resultado que não traduziu aquilo que ele escolheu.
 
Analisando os dados e a vontade de extirpar, tal como um cancro, a Frelimo do poder só podemos concluir que o Conselho Constitucional prestou um mau serviço à Frelimo. Repetir o processo, sabendo-se em manifesta desvantagem, só desgasta a imagem de um partido que o povo quer expurgar. Lutar contra a vontade popular com recurso aos truques de sempre é desgastaste e perigoso.
 
E só pode submeter a um exercício de ridicularização quem o detesta. O Conselho Constitucional podia poupar a Frelimo da vergonha deste sábado e também poderia ter poupado o possível derramamento de sangue. Os homens da FIR armados até aos dentes e com caras de poucos amigos não estariam aqui. Era muito mais fácil declarar a derrota da Frelimo e de Guebuza.
 
Era bem mais fácil porque, se o fizessem, só perderiam uma vez e ficavam com a mancha da vergonha; agora, nos actuais moldes, a vergonha será triplicada e a derrota bem mais vexatória. Esperemos que não roubem e que não usem balas para dispersar um povo sedento de mudança. Afinal, como disse o outro, o povo é quem mais ordena. Portanto, esqueçam a perpetuação do poder porque governar não pode ser um prémio que se dá aos mestres da burla. Tem de ser reflexo da vontade popular.
 

Moçambique: REPETIÇÃO DE ELEIÇÕES EM GURUÉ COM TENTATIVAS DE FRAUDE

 


Boa afluência no início da repetição da votação no município do Gurúè; Há tentativas de fraude
 
Verdade (mz)
 
No município do Gurué, na província da Zambézia, a repetição da eleição autárquica iniciou neste sábado (08) pontualmente as 7 horas em todas as mesas, com os membros de mesa e delegados dos partidos concorrentes presentes, com grande afluência dos eleitores aos postos de votação.
 
Numa ronda efectuada, pelos correspondentes do Centro de Integridade Pública, nos principais postos de votação, de diferentes bairros, revelam que até 9 horas filas contavam em média com 100 à 200 pessoas.
 
Os candidatos à edil, Jahanguir Jussub (candidato pelo partido Frelimo), e Orlando Janeiro (candidato pelo MDM) exerceram o seu direito de voto nas primeiras horas na Escola Secundária de Gurúè.
 
Entretanto começam a ser verificadas as primeiras irregularidades como a existência de presidentes das Assembleias são funcionários públicos e membros do partido Frelimo. O Presidente da Assembleia de voto nº 04009501, na Escola Secundária e Pré-Universitária de Gurué é o Senhor Farias Noé, Director dos Serviços Distritais de Educação Juventude e Tecnologia.
 
Registou-se um incidente nas primeiras horas quando observadores Eleitorais do Parlamento Juvenil tentaram fazer um inquérito nos bairros e foram confundidos com membros do partido Frelimo, tendo sido vitimas de ameaças por alguns populares. A Polícia da República de Moçambique (PRM) interviu e ajudou-os a sair do local.
 
No final da manhã uma cidadã, simpatizante do partido Frelimo, foi encontrada com voto preenchidos, escondidos na sua blusa. Verificou-se que a cidadã andava de mesa em mesa apesar de não fazer parte dos delegados e membros de mesa.
 
A cidadã esteve para ser linchada por populares e escapou graças a intervenção da PRM. Contudo, levada para a esquadra da polícia, a cidadão desapareceu misteriosamente.
 
Refira-se que a votação para o município de Guré está a ser repetida devido a constatação por parte do Conselho Constitucional "de flagrantes violações da lei por parte dos membros das mesas das assembleias de voto, da Comissão Provincial de Eleições da Zambézia e dos excessos da PRM".
 
No município do Gurúè estão inscritos 36.672 eleitores e foram criadas 49 mesas de votação.
 
 

Angola: Lopo do Nascimento – à saída, o discurso para toda a vida política

 

Marcolino Moco*
 
A intervenção de Lopo do Nascimento, despedindo-se formalmente de uma, há muito anunciada saída da vida política, que como era de esperar, teve partes escamoteadas na comunicação oficial de Angola, seja qual for a face da realidade em que for apreciada, é um marco histórico, no processo político angolano no sentido positivo.
 
Eu que como amigo pessoal já o censurei pelo seu recuo de uma missão histórica de transformar, dentro do MPLA, as ideias do “novo pan-africanismo” que sustentou no discurso final, numa realidade, senti-me aliviado, no ponto em que as coisas chegaram, e que tenho documentado com propostas concretas “para sairmos disso”, por considerar que o Homem deixou uma mensagem de relevo para a juventude.
 
Não importam as razões concretas que o terão levado a sair agora, os jovens (por vezes penso que os mais velhos já estão demasiado contaminados por “tribalismos” e “racismos” sempre disfarçados na verborreia do politicamente correcto) dentro do MPLA, na oposição e na sociedade civil, deviam aproveitar este mote para começar a discutir uma saída pacífica duma situação que e já se vai tornando insustentável.
 
Lopo do Nascimento, Pepetela, eu próprio e tantos outros que das gerações mais velhas, (“comprometidos” com um passado de actores do sistema de partido-único que terminou em 1992, agora reciclado no “eduardismo” do pós 2002) temos esgrimido um discurso sobre os problemas actuais, seremos sempre apodados junto dos mais jovens, pelos mais renitentes dos nossos coetâneos, de “não termos o direito à palavra” sobre o desejo de mudanças na actualidade. Por vezes penso que é isso cansa Lopo de Nascimento, Pepetela e outros mais velhos que gostariam também de falar sobre o “escandaloso” do presente e são abafados pela força da desgraça dos nossos próprios recursos naturais, que tudo compram, dentro e fora do país.
 
Lopo do Nascimento, líder da ala do MPLA (de que era o prestigiado Secretário Geral) que foi cobardemente afastada da direcção, no Congresso de Dezembro de 1998, foi sempre a figura tutelar da criação de um novo MPLA, adaptado aos tempos posteriores à queda do Muro de Berlim.
 
Deve-se dizer agora, com toda a clareza, que foi a partir dessa altura que se construiu o “MPLA” que temos hoje, que após o que chamam “derrota militar da UNITA”, constrói sofregamente um Estado-Etnia política, que entrega todo o poder ao seu líder, para da sua mesa recolher “as migalhas suculentas”. Todo o interesse perdido em contribuir para a construção de Estado-Nação que respeite as diferenças e a diversidade, sem comprar consciências.
 
Notei com muito apreço as três figuras simbólicas que Lopo homenageou no seu discurso de despedida: Lúcio Lara, Mendes de Carvalho e Nfulupinga Lando Victor. É esta Angola que teremos de construir: a Angola pacífica mas contraditória, de todas as raças, de todas as etnias e de todas as regiões, cada um com o seu sotaque, algumas “manias” e diferentes cosmovisões.
 
Se Lopo, ao longo da sua extraordinária vida política, não conseguiu encher o copo (quem sozinho o conseguiria?), deitou ontem uma gota de volume <significativo num copo chamado futuro pacífico de Angola.
 
*Marcolino Moco (nascido em 1953) foi o primeiro-ministro de Angola a partir de 02 dezembro de 1992 até 3 de junho de 1996. [1] Moco foi demitido do cargo pelo presidente José Eduardo dos Santos – Wikipédia
À Mesa do Café – 26 janeiro 2014
 
Leia mais opinião de Marcolino Moco
 

AUTORIDADES SUÍÇAS RECUSAM REABRIR “ANGOLAGATE”

 


Caso envolve o alegado desvio de centenas de milhões de dólares para destacados dirigentes angolanos
 
Voz da América
 
O director da organização angolana de defesa dos Direitos Humanos, Salvador Freire, lamentou a decisão da procuradoria suíça de não reabrir o caso de corrupção “Angolagate” conforme pedido pela organização internacional Corruption Watch e cidadãos angolanos.

A procuradoria suíça disse que a nova queixa apresentada não apresenta nenhum novo elementos que justifique a reabertura do procedimento.

Freire fez notar que a questão da corrupção teve sempre um grande impacto em Angola “por estarem envolvidas determinadas personalidades ligadas ao sistema”.

“Portanto quando há um posicionamento desses do ministério público suíço vai evidentemente incentivar outras acções do mesmo índole ou piores do que essa no nosso país,” disse o dirigente da Mãos Livres.

O alegado escândalo envolve uma série de contractos entre a Rússia e Angola no final dos anos 90 nos quais Angola devia reembolsar com vendas de petróleo uma dívida de mil e 500 milhões de dólares à Rússia.

Os pagamentos terão sido feitas através de companhias onde cerca de 750 milhões de dólares terão desaparecido e pagos a figuras russas, e angolanas. Os bancos usados nessas transferências foram bancos suíços.

Mas nos anos 90 as autoridades suíças disseram não terem sido cometidos crimes na Suíça e o país devolveu mais de 60 milhões de dólares que haviam sido congelados nessas contas com o proviso de que esses fundos seriam usados para fins humanitários em benefício do povo angolano.

A “Corruption Watch” ao pedir a reabertura do processo disse ter pormenores do alegado desvio de fundos afirmando que o presidente Eduardo dos Santos beneficiou em 36.250.000 dólares, o diplomata angolano Elísio de Figueiredo em 17.557.000 dólares, o antigo director geral da SONANGOL Joaquim David em 13.250.000 dólares, o director da SONANGOL José Paiva da Costa Castro em 4.465.000 e José Leitão da Costa e Silva, antigo ministro da presidência em 3,358.000 dólares.

Milhões de dólares teriam sido transferidos através de bancos baseados na Suíça. Luxemburgo, Chipre, Holanda, Ilhas Virgens britânicas e a ilha de Man para beneficio dessas figuras angolanas e também russas

Freire manifestou o desejo de que as autoridades suíças tornem publico todos os aspectos do processo “para podermos fazer consultas e analise daquilo que foi apresentado”.

Anteriormente outro destacado membro da “Mãos Livres” tinha afirmado que a organização tencionava continuar com processos crimnes contra colaboradores do presidente Eduardo dos Santos na Suíça, Luxemburgo e Portugal.

Neste último país as autoridades arquivaram também investigações de corrupção contra dirigentes angolanos mas Mendes disse que isso poderá ter efeitos benéficos porque os processos saíram do segredo da justiça.

O presidente da Mãos Livres, David Mendes, disse que gostaria que as autoridades suíças tivessem chamado as partes envolvidas “para prestarem declarações”.

“Isso não aconteceu e o que nós podemos apenas fazer é lamentar,” acrescentou.

ANGOLA ATINGE OBJETIVO NO COMBATE À FOME

 


Especialista recomenda maior investimento na agricultura caso contrário o objectivo não será alcançado.
 
Coque Mukuta – Voz da América
 
Angola e São Tomé e Príncipe estão entre os 11 países que vão alcançar os objectivos do milénio definidos pelas Nações Unidas até 2015 a nível da luta contra a fome.

A revelação foi feita em Addis Abeba pelo Director-Geral do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) Graziano da Silva, mas em Angola questionam-se as políticas agrárias executadas pelo Governo e o seu real impacto na vida das pessoas.

Segundo o Director-Geral do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o brasileiro Graziano da Silva, esses países são Angola, São Tomé e Príncipe,Argélia, Benin, Camarões, Djibuti, Gana, Malawi, Níger, Nigéria e Togo.

“Isto mostra de novo que os africanos estão no bom caminho”, disse Silva, reiterando o objectivo de, em 2025, haver uma África com zero por cento de fome.

Entretanto, apesar destes números, em Angola, o economista António Pedro Gomes questiona as políticas agrárias que são colocadas em práticas pelo executivo angolano.

Aquele especialista sugere uma aposta maior do Governo na agricultura para melhor se alcançar o primeiro objectivo de Desenvolvimento do Milénio, que prevê a redução da fome para metade, já no próximo ano: "Se não haver maior investimento na agricultura todo o investimento neste sentido será inexistente para a nossa realidade", afirmou o economista.

EURODEPUTADA ANA GOMES DIZ TER SIDO “TRAÍDA” PELO MPLA

 


Em 2003, "como responsável pelas relações internacionais do PS", disse ao secretariado do seu partido que era o momento de "levantar as objecções" à entrada do MPLA na Internacional Socialista.
 
A eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou sentir-se traída pelo MPLA, depois de ter ajudado à integração na Internacional Socialista do partido no poder em Angola.
 
Intervindo no gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, Ana Gomes afirmou, esta sexta-feira, que já houve "tentativas subtis" por parte do MPLA de comprar o seu "silêncio e passividade" em relação aos direitos humanos em Angola. A eurodeputada participava na sessão Diamantes, Milionários, Violência e Pobreza nas Lundas, juntamente com o jornalista angolano Rafael Marques e dois angolanos residentes na região diamantífera angolana que foram testemunhas de alegados abusos de direitos humanos.
 
Ana Gomes recordou que em 2003, "como responsável pelas relações internacionais do PS", disse ao secretariado do seu partido que era o momento de "levantar as objecções" à entrada do MPLA na Internacional Socialista, objectivo desejado há 11 anos pelo maior partido angolano. "Obviamente, para mim, a entrada do MPLA na Internacional Socialista significava um grau mais elevado de exigência", frisou, argumentando que "a evolução de Angola e do próprio MPLA não foi a que era prometida".
 
Para a eurodeputada, há um "grande desconhecimento" da situação em Angola e poucos portugueses se preocupam em "pôr a situação de Angola no mapa". "Prefere-se passar por cima. As pessoas podem não ter a coragem de dar a cara e dar o nome, mas há interesse em saber. Não noto atitude negativa ou hostil, mas há passividade. Por qualquer que seja a razão", disse ainda.
 
Ana Gomes mostrou-se ainda preocupada com a situação de Queirós Chilúvia, director de Informação da Rádio Despertar, apoiada pela UNITA (oposição), condenado esta sexta-feira a seis meses de prisão com pena suspensa pelo crime de difamação da Polícia Nacional.
 
Queirós Chilúvia foi detido na tarde do passado dia 2, junto à Divisão Policial do Cacuaco, um dos distritos de Luanda, depois de ter procurado saber junto da Polícia Nacional a razão dos gritos que tinha ouvido, provenientes do interior das instalações.
 
Ana Gomes afirmou ainda que vai pedir especial protecção para os três angolanos – Rafael Marques, Mwana Capenda e Linda Moisés da Rosa – que participaram no encontro sobre direitos humanos, em Lisboa. "Portugal tem responsabilidade porque tem relações humanas, históricas e políticas. Estes problemas dizem-nos respeito e sinto-me responsável pela segurança destes três angolanos e escreverei ao Governo português, [ao presidente da Comissão Europeia] Durão Barroso e à senhora Ashton [chefe da diplomacia europeia] para que estas pessoas sejam intocáveis", concluiu.
 
Lusa, em Público – foto Miguel Madeira
 

Portugal: Jerónimo acusa Governo de 'crime social, económico e financeiro'

 


O secretário-geral do PCP acusou na sexta-feira o Governo de cometer um "crime social, económico e financeiro", de seguir uma política fundada na "mentira" e "mistificação" para enganar os portugueses e impor uma política de empobrecimento do povo.
 
Em Guimarães, na "capital" do calçado "mas também dos salários baixos", durante um comício do PCO, Jerónimo de Sousa responsabilizou o Presidente da República por colaborar com o Governo e alertou que "não há saída da crise sem que a questão dos juros, prazos e quantitativos de resolva".
 
O líder comunista realçou que se aproxima uma "batalha eleitoral importante", as eleições europeias, em Maio, numa altura em que a Europa está marcada pelo "aprofundamento" do neoliberalista e federalismo, pelo que o voto da CDU é um "decisiva opção" para "assegurar o direito a um desenvolvimento soberano" de Portugal.
 
"Nós acusamos este Governo, e responsabilizamos o Presidente da República, e todas as instituições que com eles colaboram, por serem autores deste crime social, económico e financeiro que se está a praticar", acusou Jerónimo de Sousa.
 
Segundo o líder comunista, a maioria que sustenta o Governo está a levar a efeito uma "campanha de ilusionismo politico", "uma campanha de propaganda e mistificação da realidade que quer fazer crer que o pior já passou".
 
Mas para Jerónimo de Sousa é "indisfarçável" a pretensão do Governo de "transformar em definitivos todos os roubos perpetrados aos trabalhadores e aos reformados", feitos de "forma premeditada" para "impor a sua política de empobrecimento e rebaixamento do nível de vida do povo".
 
Referindo-se à chegada da data para a saída de Portugal do programa de ajuda financeira, o líder comunista avisou que as saídas apontadas pelo Governo, saída à Irlandesa, programa cautelar ou saída limpa, significam "continuação de medidas de austeridade e de colonização do país pela Europa da oligarquia financeira e do directório das grandes potências".
 
Jerónimo de Sousa considerou que a União Europeia está "marcada pelo aprofundamento dos pilares neoliberal, federalista e militarista" com consequências para Portugal.
 
A campanha para as eleições europeias em Maio, definiu, será uma de esclarecimento e de "denúncia da conivência das forças da política de direita nacional e do actual Governo e da sua identificação com as orientações, objectivos e natureza do processo de integração capitalista europeu".
 
Apelou, por isso, ao voto na CDU "como a mais decisiva opção para assegurar o direito de Portugal a um desenvolvimento soberano e um outro rumo para a Europa" e como "a mais segura contribuição para a inadiável derrota do Governo e para dar força à construção da alternativa".
 
O discurso do líder comunista foi ainda marcado por criticas ao PS, que, segundo Jerónimo de Sousa, apoiou medidas que serviram apenas para "engordar os grandes económicos e empobrecer o país", assim como a reforma do IRC que, para o PCP "quer transformar o país num paraíso para o capital".
 
O secretário-geral do PCP questionou como é que o "país sai do atoleiro", com uma "política de concentração de riqueza, de desendividamento dos banqueiros que puseram a salvo os milhões dos negócios de agiotagem".
 
"Levaram daqui a carne e deixaram só os ossos para o povo roer", finalizou.
 
Lusa, em Sol
 

Portugal: "Para o governo tudo é matemática orçamental, as pessoas não contam" - Bagão

 

Isabel Tavares – Jornal i
 
Ex-ministro das Finanças diz que o governo tem de saber negociar juros mais baixos com a troika, "a bem,ou a mal"
 
Gosta de fazer contas para não falar de cor. Mas os números são, para Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e actual conselheiro de Cavaco Silva, um instrumento, não um fim em si mesmo. Afinal "a economia existe para servir as pessoas, e não o contrário". Lamenta que este governo insista no erro e continue a perseguir os pensionistas, mudando apenas o embrulho. E teme o que o futuro possa trazer, para esta e para as próximas décadas.
 
Têm vindo a ser publicados alguns indicadores positivos. É a luz ao fundo do túnel?
 
Apesar de tudo, tem de se reconhecer que há alguma mudança com significado nas variáveis macroeconómicas, quer ao nível da produção, quer ao nível do emprego, quer ao nível da confiança. Para isso terá contribuído significativamente o ambiente de maior estabilidade monetária e de maior consolidação das economias com as quais temos relações mais fortes, designadamente na zona euro. Continuo a insistir na mesma tecla: os fins não justificam todos os meios. Nesse aspecto, penso que há uma excessiva concentração no painel dos sacrificados, de uma maneira que me parece excessivamente árida do ponto de vista humano.
 
Por exemplo?
 
Fiz as contas e o aumento da receita fiscal e parafiscal, designadamente IRS, CES e taxa social única (TSU), foi superior a 5 mil milhões de euros, qualquer coisa como 2,9% do produto interno bruto (PIB). No entanto, o défice desceu uma coisa relativamente escassa para o esforço que foi pedido aos portugueses: há uma carga excessiva face aos resultados, ponto um, e essa carga excessiva está demasiado concentrada, ponto dois. Digamos que são os aspectos mais críticos deste programa.
 
O governo e a troika têm agora o argumento "estão a ver como tínhamos razão"?
 
Não, não. Não podem. Em Portugal temos uma tendência muito curiosa, e isso é transversal a todas as lógicas partidárias: quando alguma coisa corre mal, a culpa é do exterior. Quando corre bem, o êxito é nosso.
 
Porque é que a situação melhorou?
 
Permita-me o exagero da expressão: a situação melhorou porque tinha de melhorar. Há aqui um certo efeito mecânico, como quando um avião entra num poço de ar: cai brutalmente, as pessoas assustam-se imenso, mas depois volta a ganhar estabilidade, embora a menos pés. As pessoas também vão retomando a sua vida, embora noutra escala - o que não é necessariamente negativo. De facto, temos de aprender a viver mais em função das nossas possibilidades. Por outro lado, lá fora a situação económica melhorou, mas sobretudo estabilizou bastante, e há também outro aspecto que me parece fundamental, que foi a alteração na política preventiva e avisadora do Banco Central Europeu (BCE), desde a célebre declaração de Mario Draghi a 12 de Agosto de que faria tudo para salvar o euro. Os nossos problemas melhoraram num ponto ou noutro, mas os problemas estruturais subsistem.
 
Quais são?
 
A dívida é um problema fundamental.
 
Antes de falar na dívida, disse que temos de viver mais de acordo com as nossas possibilidades... Isso significa que só temos possibilidade de viver mal, temos poucas possibilidades?
 
Não. Significa, por um lado, que não podemos constantemente ter um modelo em que consumimos mais que aquilo que criamos de riqueza. Por outro, que há uma distribuição muito assimétrica dos diferentes factores de rendimento, entre salários, lucros, rendas, juros, etc. Aí o factor trabalho tem uma proporção que é demasiado baixa para o tal nível de rendimento ou nível de consumo em que deveremos situar-nos. Por exemplo: a taxa de pobreza em Portugal anda à volta dos 18%. Depois, o próprio INE (Instituto Nacional de Estatística) diz-nos que se riscarmos as consequências e a função das pensões, dos abonos e dos subsídios da Segurança Social, a taxa de risco de pobreza passa para 45%. Isto mostra duas coisas: uma é a importância do Estado social, outra é que se está a pedir demasiado esforço à Segurança Social. No fundo, a Segurança Social, com esta décalage entre os 18% e os 45%, está a exercer uma função que competia à economia.
 
Como se pode pôr a economia a desempenhar esse papel?
 
A esta questão está associada outra, que é a da produtividade. Se formos mais produtivos, somos mais competitivos. A distribuição dos ganhos de produtividade pode ser melhorada, na minha opinião. Quando se discute a questão do salário mínimo nacional, acho confrangedor que se considere que o hipotético aumento de 25 ou 30 euros do salário mínimo nacional possa bloquear a economia. Quando se pensa isto é porque se está a negar a essência da economia, que existe para as pessoas, não o contrário. Há alguns factores de políticas públicas que podem e devem contribuir para esta situação.
 
Como a política fiscal?
 
É nesse sentido que tenho alguma dificuldade em compreender que a primeira medida fiscal tenha sido a diminuição de impostos sobre lucros e não a diminuição dos impostos sobre os rendimentos. Quando o rendimento mensal de um casal em que cada um ganha 800 a 1000 euros paga uma taxa marginal de IRS com sobretaxa que ultrapassa os 40% - mais a taxa social única, que eleva para perto dos 50% -, então é o próprio Estado que está a contribuir brutalmente para a captação de uma parte significativa dos rendimentos do trabalho pela via fiscal. Mas não faz isso em relação aos outros tipos de rendimento.
 
O rendimento de capital tem uma taxa de retenção de 28%...
 
Que já é elevada. Mas 28% nos rendimentos de trabalho atingem-se muito mais depressa e são ultrapassados mais rapidamente. O governo tem dito, e bem, que tanto quanto possível - e eu percebo que não seja fácil - vai entrar numa fase de reforma fiscal, não só de melhoria do sistema, mas também uma redução da imposição fiscal do Estado sobre as famílias e sobre as empresas. É verdade que tem de começar por algum sítio, mas ter começado pelo IRC não me parece ter sido o mais adequado.
 
Porquê?
 
Em primeiro lugar, porque para ter efeito significativo na economia a redução de IRC tinha de ser muito acentuada. Não é descendo um ou dois por cento que se decide investir em Portugal. É uma razão marginal para se investir, mas não é uma razão substantiva. Mas o governo entendeu que essa redução deve ser por etapas e, sendo por etapas e sendo relativamente reduzida, o efeito não é aumentar o investimento, é diminuir a parte dos lucros que é retida pelo Estado, ou seja, favorecer a menor tributação dos lucros.
 
Se a hipótese fosse começar pelos impostos sobre rendimentos?
 
Aí sim, aumentava o rendimento disponível das famílias, aumentava o seu consumo, aumentava o volume de negócios, diminuía o desemprego, melhorava a economia. Os efeitos eram mais imediatos. Eu percebo a lógica do IRC e não estou contra ela, mas o que me parece é que esta precedência não se justifica e não vai ser nada de concreto. Voltamos à questão da coesão social, é muito difícil perceber - e os ideais de um país também têm a ver com a maneira como as pessoas simples percepcionam o seu futuro - que no mesmo ano em que se cortam pensões de viuvez, com base em critérios bastante anacrónicos e discricionários, em que se alarga a CES a pensões líquidas de 880 euros, haja uma decisão de aumentar os lucros líquidos por parte daqueles que já os têm sem que isso tenha o aspecto positivo de aumentar o investimento produtivo em Portugal. Há aqui uma injustiça objectiva.
 
Tem sido um grande crítico da contribuição extraordinária de solidariedade. Porquê?
 
O governo nunca explica as medidas que toma. Podia ao menos dizer que a CES é assim e acaba no ano X para as pessoas poderem gerir expectativas. Mas o governo gosta de insistir no erro relativamente ao Tribunal Constitucional e tende a mudar apenas o papel de embrulho, as medidas são as mesmas. Isso denota, além do mais, falta de consideração pelos outros órgãos de soberania. E sobra-lhe obsessão. Quando o Tribunal Constitucional considerou que a convergência da pensões em retrospectiva não poderia existir ou que a CES era apenas admitida temporariamente, o que o governo fez foi criar um grupo de trabalho para reformar globalmente o sistema de pensões. Evidentemente que isto é a mesma coisa que dizer que está a estudar um corte alternativo à CES, o que já de si é insólito, ter um grupo de trabalho liderado pelo Ministério das Finanças e não pelo ministério das pensões, que é o da Segurança Social. É a mesma coisa que ter uma reforma global do sistema de Saúde capitaneada pelo Ministério das Finanças. Em meu entender é gato escondido com o rabo de fora.
 
E o que acha que vai acontecer?
 
O que vai acontecer é que o governo vai tentar criar uma figura alternativa à CES que lhe vai permitir a mesma coisa e lá caímos na taxa social única das pensões. Mas tudo é feito de forma muito hermética, sem ouvir pessoas que, ventilando posições doutrinárias e técnicas diversas, possam acrescentar alguma coisa ao debate. Estamos a falar de pessoas, a grande maioria em posição muito vulnerável em termos sociais e humanos. O que se está a fazer no domínio das pensões é absolutamente impensável, está--se a dissolver a preocupação de longo prazo, que deve existir, a curto prazo. E essa ambivalência é muito, muito perigosa e vai ser muito danosa para as próximas décadas.
 
O que significa isso, exactamente?
 
Significa que o Estado deixará de ser definitivamente uma pessoa de bem no domínio social. Ou seja, altera as regras do jogo a seu bel-prazer, na calada da noite, gere os sistemas de pensões como um puzzle em que não há uma dimensão global, não há um conhecimento técnico profundo, não há uma dimensão humana e social ajustada. Veja por exemplo que as pensões de sobrevivência acumuladas, se forem superiores a 2 mil euros, têm um corte. Mas não há corte se se tratar de uma pensão de sobrevivência mais rendimentos de trabalho. Ou seja, uma pessoa que tem uma pensão de 1200 euros e uma pensão de viuvez de 1000 euros tem um corte, mas outra que tenha uma pensão de sobrevivência de 1000 euros e 10 mil euros de rendimentos de trabalho não sofre corte algum. É, mais uma vez, uma obsessão pelos pensionistas e esta ideia de causar uma guerra geracional - como a moção apresentada no congresso do PSD dizendo que as gerações actuais estão a onerar definitivamente a esperança das gerações futuras. Isto é um disparate e é perigosíssimo. Mas voltando ao puzzle, para o governo é tudo matemática orçamental, as pessoas não contam. Depois a peças não encaixam, porque são tudo medidas pontuais, não há visão de conjunto. E esta maneira de querer enganar os pensionistas, como se fossem uns tolinhos, não é a melhor maneira de fazer política.
 
O INE divulgou esta semana os dados relativos ao desemprego no último trimestre. Qual a sua leitura?
 
Temos de ser claros: há uma inversão da tendência e isso é muito positivo. A taxa de desemprego é muito elevada ainda, 15,3% no último trimestre, mas está a descer e devemos aplaudir. Analisei o comportamento da taxa de desemprego entre o terceiro trimestre de um ano e o quarto trimestre do mesmo ano desde 2000 até final do ano passado e verifiquei que em todo este tempo só em 2000, em 2007 (muito pouco) e em 2013 é que o desemprego diminuiu no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior. Em regra, o quarto trimestre tem mais desemprego que o terceiro, devido ao fim dos empregos de Verão. O facto de este ano ter acontecido de outra maneira é muitíssimo positivo, significa que está a descer o desemprego com rapidez maior do que seria previsível em contexto normal.
 
O INE anunciou que o desemprego baixou em 97 mil pessoas em termos anuais. O secretário-geral do Partido Socialista disse que isto era um milagre em plena recessão...
 
Estou muito à vontade nestas coisas, digo o que penso, procuro estudar os problemas e não me guio por baias políticas ou partidárias, sou independente no meu raciocínio. Foi uma afirmação pouco inteligente, podia ter dito que o PS se congratulava com isso e escolhia os indícios negativos - que também há e são graves - para criticar. Em primeiro lugar, já não estamos em recessão. Em segundo, depois de uma recessão acentuada, como foi a nossa, o reingresso no mercado de trabalho faz-se através de salários mais baixos, e por isso é mais rápido.
 
Quais são os indícios mais negativos?
 
O desemprego de longa duração (pessoas desempregadas há mais de um ano) aumentou de 55% do total para perto de 65%. Isto significa que as pessoas que perderam emprego há mais tempo têm cada vez menos probabilidade de voltar ao mercado de trabalho. E aqui estaria uma boa discussão, política, técnica e social, que é a divergência entre cada vez mais desempregados de longa duração numa altura em que o governo encurtou o período de protecção de subsídio de desemprego para estas pessoas. Entramos no buraco negro social. Infelizmente, entre Miró, praxes e outras coisas, a discussão não se faz. De qualquer forma só foram criados perto de 30 mil novos postos de trabalho, outro tanto são os desencorajados, desistiram de procurar emprego e por isso passaram para a vida inactiva, e o resto é provavelmente emigração.
 
Logo no início falou da dívida, um problema que se mantém. Como é possível ainda representar 129% do PIB?
 
Ora aí está, o governo não sabe explicar e defender as suas próprias posições. Há uma parte desse aumento - não sabemos qual - que resulta de uma mera alteração contabilística. Todos os anos estão a passar para o Orçamento do Estado e para a dívida pública as chamadas EPR - entidades públicas reclassificadas, que têm passivos brutais. Foi uma imposição do Eurostat. A dívida já existia, estava era noutro cacifo. Era importante que o governo dissesse isto: a dívida, em termos comparativos, só aumentou tanto, o resto foi incorporado por este motivo, era dívida, mas estava com uma classificação diferente.
 
Era ou não possível ter reduzido despesa com reformas mais profundas?
 
Pois, só se reduziu com os pensionistas. Ter-se-á feito alguma coisa a outros níveis, mas ainda insuficiente. Reconheço que não é fácil, a questão é complicadíssima mas só discutimos o acessório. Esta chinesice (isto agora não se pode dizer...) de programa cautelar ou saída limpa é tudo entretenimento. O fundamental é que a saída seja feita de maneira a assegurar que os juros que vamos pagar são o menores possível. É a única variável que interessa, baixar a factura dos juros para possibilitar diminuir a dívida a prazo. De facto, quando um país tem quase 8 mil milhões de euros de pagamento de dívida pública soberana, além da das entidades públicas deficitárias, o que significa que ultrapassamos os 10 mil milhões de euros, o ónus que impende sobre si é brutal.
 
Como é que o governo consegue negociar juros mais baixos?
 
A taxa que o governo espanhol negociou para os bancos é inferior a 3%. Porque é que não temos as mesmas condições da Espanha, sendo um país mais débil? Isto significa que se não é a bem é a mal, mas o governo tem de ser mais forte em algumas posições. O valor do juro não é só o preço do dinheiro, é uma questão do maior ou menor esforço, que nos obriga a ter uma capacidade económica de pagar esse mesmo dinheiro. Há um círculo vicioso. Mas a grande variável é o juro e o que temos de discutir nos próximos anos é isto: ao começar a pagar ou a substituir o empréstimo da troika por empréstimos no mercado, o custo desses empréstimos vai aumentar, porque a taxa da troika é de sensivelmente 3,5% e o financiamento no mercado ronda os 4,5%. Esse é que é o nó górdio. Não sei responder a isto, mas acho que deve ser discutido.
 
Passos Coelho afirmou esta semana que o que quer não é reestruturar a dívida portuguesa, é pagá-la...
 
Não direi que isso é o orgulhosamente só, mas há um orgulho que pode ser muito caro. Uma coisa é certa, o problema é muito, muito difícil. Mas discutir a forma de saída do programa de assistência é uma fantasia, o que interessa é reduzir o custo da aquisição de recursos financeiros por parte do Estado no futuro. Nesse aspecto, o programa cautelar é aparentemente melhor, porque tem a almofada de segurança do BCE e dos mecanismo monetários, que permitirá adquirir dinheiro a um custo mais baixo.
 
Falou na colecção Miró e agora não resisto a perguntar-lhe como olha para toda esta trapalhada?
 
Mais uma vez, temos aqui uma questão em que os políticos portugueses dissolvem o longo prazo no curto prazo. Eu não sei o valor dos quadros, mas sei que o governo não pode confundir o conceito de despesa com o conceito de investimento, de activo. Se comprarmos um bom quadro não estamos a fazer uma despesa, estamos a investir e a constituir um activo. No fundo, se já tem o activo, a questão que pode colocar-se é se se deve vendê-lo agora, daqui a 20 anos ou nunca. Saber qual o retorno que se pode obter desse activo e qual a vantagem de se desfazer dele. Custa-me ver que o secretário de Estado da Cultura tenha dito que tem de se vender por uma questão orçamental. Eu até percebia o argumento se fosse o secretário de Estado do Orçamento a utilizá-lo.
 
Não foi exactamente isso que ele afirmou. O que o secretário de Estado da Cultura disse foi que lhe tinham perguntado, no governo, se era uma prioridade. Ele respondeu que não, que tinha outras prioridades, como manter museus e teatros abertos, etc.
 
Muito bem. O senhor secretário de Estado é uma pessoa que aprecio, por aquilo que pensa sobre a cultura, mas precisamos de saber mais, nesse caso: porque é que não é prioritário? O que não posso aceitar são estas linguagens mais ou menos redutoras que ouvi nos últimos dias, do género, então se os 30 e tal milhões não vierem, que imposto é que aumentamos ou onde é que cortamos... Criamos uma CES 2? Só falta. Nessa altura tem de se questionar tudo. Porque é que os outros governos fizeram um novo Museu dos Coches? Então e a colecção Berardo? E porque é que o ministro tal foi à Indonésia? Agora estamos entretidos com este Miró Gate. Portugal está a transformar-se num bazar de activos. Tudo são activos, os jogadores de futebol são activos, a floresta é um activo, as empresas públicas são activos, os quadro de Miró são activos... É um bazar de activos. Os único passivo são os funcionários e os pensionistas, o que é uma maçada. Não estou a dizer que se venda ou deixe de vender, mas há um aspecto que também não percebo: porque é que o problema é levantado agora quando é conhecido há mais de quatro anos e ninguém se preocupou se estavam numa offshore ou dentro de caixotes? Porque é que há-de ser tudo tão rudimentar e redutor? Agora tudo o que se faz é com a obsessão orçamental, não há estudo do bom ou mau retorno. Lembra-se dos 40 milhões do Centro Cultural de Belém? O que responderiam hoje as pessoas que se pronunciaram então a favor ou contra? É preciso ver mais longe.
 
Foto: Eduardo Martins
 

Portugal: 40 ANOS DO 25 DE ABRIL. QUE FAZER?

 


Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
 
Nos seus diálogos, conferências e escritos sobre o que é um povo, nas suas dimensões individual e coletiva, e sobre os caminhos a encetar para ir construindo o futuro, José Saramago criou e utilizou, inúmeras vezes, uma síntese extraordinária: "Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir".
 
O dia 25 de Abril de 2014 aproxima-se e o conjunto de iniciativas que se conhecem em torno da evocação dos 40 anos de um dos acontecimentos mais marcantes da história de Portugal, é, na minha opinião, pobre e desconexo, apesar de significativos esforços que algumas organizações, instituições e forças políticas - as que não se submetem - estão a desenvolver.
 
Abril foi liberdade e soberania para os portugueses e para outros povos, foi a afirmação de dignidade humana, de igualdade, de democracia vivida e instituída, foi dizer não à guerra e ao belicismo, foi progresso social e cultural, foi desenvolvimento efetivo da sociedade portuguesa. A Revolução de Abril foi tomada como exemplo na Europa como noutras paragens do Mundo, como uma demonstração da capacidade de um povo se libertar e concretizar profundas transformações progressistas da sociedade de forma criativa, participada e pacífica.
 
Abril foi também combate político aceso e duro. Exposição e gestão de muitas contradições próprias da ação empreendedora dos seres humanos. Abril desafia-nos à afirmação e não à subjugação da política: da participação do povo e do respeito pelo seu poder soberano.
 
Há que tudo fazer para não voltarmos ao tempo de um país de gente submetida, maltratada e prisioneira num espaço que é o seu. O tempo de imensa pobreza de toda a ordem e da vergonhosa exaltação da pobreza, de ausência de direito à saúde, ao ensino, a condições de higiene ou de proteção social, não pode voltar.
 
Abril abriu enormes portas. Acima de tudo, tocou os portugueses e portuguesas. Chamou-nos a todos, novos e mais velhos, para uma participação coletiva capaz de mover montanhas. Recordo-me das primeiras assembleias populares que começaram a acontecer na minha aldeia e nas aldeias vizinhas, com a participação de militares e não só, onde se discutia o que fazer. Participava toda a gente. Camponeses, que jamais saíam de casa e do seu trabalho, para participar em qualquer ato coletivo que não fosse a missa e, esporadicamente uma romaria, ali estavam expectantes e a pensar como construir novos planos de vida.
 
A todos os que amam a liberdade, a democracia e o progresso se impõe o desafio de dar contributos para que a memória de Abril, a memória de um longo percurso coletivo de um povo, não seja enxovalhada. No atual contexto em que vivemos, emerge a responsabilidade de revitalizar o combate social e político que sustente novos rumos para o país.
 
O Governo e os partidos que o suportam são dominados por gente que abomina os valores fundamentais do 25 de Abril. O seu apego à democracia é apenas o inerente à sua condição de parasitas da democracia. Sugá-la-ão até a secarem, se lhes for dado tempo para executar a tarefa. Hoje, tudo o que foi construção coletiva para o todo da sociedade está a ser destruído e individualmente cada português e cada família ficam mais pobres, mais isolados e desprotegidos.
 
Temos um presidente da República que coloca como referência maior do percurso destes 40 anos de democracia a "presença" de Portugal na Europa, escamoteando o facto de termos um país a caminhar para o amorfismo e a subjugação total, integrando uma União Europeia (UE) cujo rumo descambou perigosamente e onde o cheiro a enxofre vai aumentando. Neste Portugal concreto, primeiro fora da UE e depois integrado, foi a concretização de valores de Abril que nos permitiu alcançar níveis elevados de desenvolvimento humano em áreas vitais.
 
Sem populismos, com humildade e respeito recíproco, as forças progressistas e os democratas deste país têm de começar a instabilizar as suas consciências. É possível fazer frente a estes bloqueios, correr com esta política e com estes governantes.
 

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