quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

LEGITIMIDADE, LEGALIDADE E PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Entre guerra e direito existem quatro tipos de relações: 1) A guerra como meio; 2) A guerra como objecto do direito; 3) A guerra como fonte de direito; 4) a guerra como antítese do direito. Do ponto de vista do direito internacional as suposições 1) e 2) – a guerra como meio (estabelecendo o direito) e a guerra como objecto do direito (juridicamente regulamentada) – são as tradicionais, sendo a 3) e a 4) – a guerra como fonte de direito e a guerra como a antítese do direito – suposições originadas pela (e na) crise das doutrinas tradicionais do direito internacional.
 
As doutrinas tradicionais sempre debateram a justa causa das guerras (e consequentemente a questão da guerra justa) e a regulamentação da conduta na guerra. Este debate comporta consigo as duas raízes doutrinais: a legitimidade e a legalidade da guerra. A guerra justa é legítima e a regulamentação da conduta dos participantes no campo de batalha é legal. Esta distinção assume relevo porque podem existir guerras legítimas (guerra por justa causa) mas sem serem legais, e podem existir guerras que respeitem as normas e regulamentações, mas que careçam de legitimidade (guerras injustas). Assim, as guerras poderão classificar-se (no âmbito da relação entre guerra e direito) como: a) guerras legítimas e legais; b) guerras legítimas e ilegais; c) guerras ilegítimas e legais; d) guerras ilegítimas e ilegais. 
 
A legitimidade é um processo de justificação e as acções podem ser justificadas a partir do seu fundamento ou pelo seu objectivo. A legitimação de uma guerra justa é sempre realizada pelo seu objectivo. A guerra torna-se um meio necessário ao restabelecimento do direito, ou seja, a guerra é o meio enquanto o direito é o fim, o objectivo. Mas a guerra justa, legítima, pode ser realizada de duas formas: a legal (respeitando as convenções) e a ilegal (caso das guerrilhas, movimentos de resistência armada, etc.).
 
A legalidade da guerra torna-a objecto de regulação jurídica, ou seja, a guerra é objecto de direito. Para que a guerra surja como um facto jurídico total (para que seja legal e legítima) é condição necessária que o direito surja como fim e como meio, ou seja, o complexo das operações componentes da guerra têm de estar voltados para o fim último (restabelecimento do direito violado) e estejam, em simultâneo, disciplinadas por regras jurídicas.
 
As normas reguladoras de comportamentos que têm por finalidade o restabelecimento de um direito violado são normas secundárias, ou seja, normas que conservam a ordem jurídica. A guerra quando realizada sobre o pressuposto da legalidade é, assim, uma forma de conservar a ordem jurídica. Mas quando se refere que a guerra é um meio de restabelecimento do direito, entende-se por direito o conjunto das regras primárias (aquelas normas cuja observância pode ser efectuada pela força, as normas reforçadas, que podem recorrer ao uso da força). Apenas quando entendemos por direito o conjunto das normas primárias e secundárias é que a guerra surge como meio (em relação ás normas primárias) e como conteúdo (em relação ás normas secundárias).
 
II - Estas duas doutrinas tradicionais (legitimidade e legalidade da guerra) desmoronam-se, fragmentam-se, desde a I Guerra Mundial e foram substituídas por duas novas relações: a guerra como fonte de direito e a guerra como antítese do direito. O primeiro destes modelos (a guerra como fonte de direito), parte do princípio de que a guerra é geradora de um direito novo, de uma nova ordem internacional. Esta relação está para as relações internacionais assim como as revoluções e as guerras civis apresentam-se no plano interno. O que muda neste conceito é a legitimidade, ou melhor, o critério de legitimidade. A guerra continua a ser considerada em função do direito, não para restabelecer um direito violado, mas sim para instaurar um novo direito.
 
O modelo que considera a guerra como antítese do direito assume que a guerra está para além deste, que está fora de qualquer controlo jurídico e onde quer que apareça ou sob que forma se manifeste, derruba o direito. Nesta concepção o direito é assumido como sendo um conjunto de regras ordenadas que têm por fim a paz. Onde avança o direito, avança a paz e recua a guerra. A vitória do direito consistiria, assim, na eliminação das relações de força desregulada, de que a guerra é a mais elevada expressão.
 
Pode, portanto, estabelecer-se um esquema que resuma as diversas justificações da guerra segundo estes parâmetros: Todas as guerras são boas (representada pela teoria da guerra como fonte de direito), é um pressuposto conducente ao belicismo absoluto; Todas as guerras são más (representada pela teoria da guerra como antítese do direito), é um pressuposto conducente ao pacifismo absoluto; As guerras podem ser boas ou más (esta a teoria tradicional, suportada pelas questões da legitimidade e da legalidade), é o pressuposto da guerra justa (o caso das guerras de libertação nacional) e do comportamento normativo na condução da guerra (a respeitabilidade das convenções internacionais, conducentes a uma “humanização” da guerra).
 
III - Vejamos agora como estas relações entre guerra e direito estão representadas na guerra de agressão movida á Síria. É nas cimeiras, nas reuniões internacionais e nos meetings, que estas relações ficam expostas, embora por detrás das intenções e dos ponderados compromissos negociados ou das invitáveis rupturas assumidas. A cimeira em curso na cidade de Genebra, ao fim de cinco dias, ainda não tinha representado qualquer “avanço importante”, segundo as palavras do mediador principal Lakhdar Brahimi. De facto o único avanço realizado tem sido em desacordos e acusações e os resultados estão longe das pretensões de Brahimi, que pretende alcançar um cessar-fogo, primeiro passo para um eventual acordo que termine com uma guerra que já provocou mais de 130 mil mortos e cerca de 6 milhões e meio de refugiados e desalojados.
 
As delegações do governo sírio e da oposição (representada pela Coligação Nacional Síria - CNS) acusam-se mutuamente. Os oposicionistas sentem-se desconfortados pelo facto da delegação governamental impor uma lista de princípios, controlando desta forma as conversações, impondo as suas condições e desviando o processo de negociação dos seus objetivos. A oposição aspira á criação de um órgão de governo transitório que substitua o actual governo do BAAS, que governa desde a década de 60.
 
Por sua vez o governo sírio questiona as propostas da oposição por não comtemplarem um processo de transição controlada, em que Bashar al-Assad tenha um papel preponderante. A delegação governamental síria comprometeu-se a permitir a saída de mulheres e crianças da cidade de Homs, cercada desde o início do ano passado, assim como deu acesso á assistência por parte da ONU, que enviou de imediato um carregamento humanitário (com alimentos e remédios) para mais de duas mil e quinhentas pessoas. No entanto o comboio está a guardar autorização de entrada, perto no Líbano, na zona fronteiriça. Faisal Makdad, um dos responsáveis da delegação síria, rechaçou qualquer responsabilidade do seu governo no bloqueio á cidade de Homs e da respectiva crise humanitária, pedindo, ainda, garantias á ONU de que o comboio humanitário não cairá em mãos das milícias oposicionistas, que controlam o centro da cidade.
 
Por sua vez a oposição síria não fala a uma só voz. No interior do país os grupos não pertencentes ao CNS, recusaram-se a comparecer em Genebra. Hassan Abud, líder da Frente Islâmica (FI), apelou á delegação do CNS que abandonasse a cimeira (Genebra II, como é conhecida), considerando que é “uma falta de respeito á vida” comparecer às negociações com “os representantes de Bashar al-Assad”, e acusou o CNS de “vender o sangue dos mártires”. Antes do início da conferência a FI recusou qualquer solução politica até que o governo sírio “liberte os prisioneiros, termine com os bloqueios às cidades libertadas e termine com os bombardeamentos e expulse as milícias sectárias” (esta ultima exigência é uma clara referencia á presença da milícias do Hezbollah, que apoiam o governo sírio e o Presidente Bashar al-Assad). A FI exigiu ainda que a ONU tem de dar garantias de que não haverá “ingerências estrangeiras após a saída de Bashar”.
 
IV - Estamos pois na presença de uma negociação onde se interligam todos os factores de relacionamento entre guerra e direito. A legitimidade e a legalidade, a nova ordem internacional e a perspectiva de pacificação, todas interconectadas, buscando não somente uma solução (embora esta seja a perspectiva apresentada, busca de uma solução que permita a pacificação do país, como passo essencial para a resolução do conflito) mas as soluções consubstanciadas nas perspectivas dos actores do conflito: o governo sírio, os seus aliados, a oposição, os Estados do Golfo e o Ocidente, surgindo ainda nas negociações o eco dos grupos terroristas, através destes últimos (produtos criados pelos USA e pela NATO com o suporte financeiro – e capital humano, também – das monarquias do Golfo. Claro que estes produtos são gerados por factores inerentes ás dinâmicas internas da região, mas aproveitados pelos factores de dinâmica externa).
 
A legitimidade é uma relação que neste conflitos (como em todos os conflitos) os actores em campo (principais e secundários) revindicam: a legitimidade de salvaguarda da soberania nacional (por parte do governo sírio); a legitimidade de combater “a tirania” por parte da oposição; a legitimidade de apoiar o estado agredido (posição dos aliados do governo sírio, do Hezbollah á Rússia) e a legitimidade de apoiar “os rebeldes que legitimamente lutam contra a opressão” (posição das monarquias do Golfo e do Ocidente).
 
Já a legalidade é uma questão mais controversa. Ela apenas existe em pleno por parte do governo sírio (a sua acção é legitima e é legal) e por parte dos Estados aliados da Síria. Surge como controversa (podendo criar a posição legitima, mas ilegal) por parte das forças paramilitares que o apoiam (caso do Hezbollah ou das milícias curdas). Do lado da oposição, o seu posicionamento, do ponto de vista tradicional será visto como ilegal, mesmo que legitimo. Quanto aos seus aliados o acto de apoiar rebeldes pode ou não ser legal, conforme a legislação em vigor nos seus Estados. Misturam-se aqui duas posições: a legal e a ilegal. Estas relações originam, em Genebra II, as relações legítimas e legais (no caso dos aliados cuja legislação permite apoiar grupos rebeldes) as legítimas e ilegais (o caso do CNS, por exemplo). É evidente que os oposicionistas poderão enveredar por uma posição legalista, mas fora do contexto tradicional, já no contexto da nova ordem. Nesse quadro as posições invertem-se, mas também invertem-se as posições assumidas em torno da relação legitimidade. Criam-se então as linhas da legitimidade/ilegalidade e da ilegitimidade/legalidade, assumidas em função dos interesses dos actores, abrindo espaço á nova ordem e quebrando o cenário tradicional do direito internacional.
 
Cruzadas que foram as relações entre guerra e direito, fundamentadas na justificação legitimista e na ordem jurídica (legitima/legal, legitima/ilegal e ilegítima/legal), resta a ultima: a ilegítima e ilegal. Mas esta, obviamente não está presente em Genebra II e apenas faz-se ouvir nos corredores. Está nesta posição a FI, ou as redes da Al-Qaeda na região e as milícias da extrema-direita sunita. Obviamente que esta é uma posição que não é compatível com as negociações, por uma razão muito simples: ilegítimo e ilegal é uma posição só para os joguetes e assumida apenas pelos peões de brega. Tem como função cansar o boi…
 
V - A questão da legalidade e da legitimidade assume particular importância na mudança política, principalmente quando esta mudança ultrapassa os mecanismos de alternância dos Estados de Direito. Para simplificar esta questão podemos seguir, a título de mero exemplo, os recentes acontecimentos no Egipto. O governo egípcio (saído de um golpe de estado, ou seja consequência de um processo que ultrapassa os mecanismos da ordem jurídica) anunciou o adiamento das eleições presidenciais, que serão realizadas em Abril deste ano e decidiu apresentar como candidato o marechal Abdel Fatah al-Sisi, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas e Ministro da Defesa.
 
Após a indicação do candidato governamental, o presidente interino (e primeiro mandatário da campanha de Sisi), Adli Mansur, anunciou que a campanha presidencial decorrerá antes das eleições legislativas e avisou que o executivo egípcio tomará, se necessário, “medidas excepcionais”. Foi também anunciado que a Comissão Eleitoral Suprema recebeu instruções para preparar as inscrições dos candidatos.
 
A recente constituição prevê que as eleições legislativas sejam realizadas antes das eleições presidências, mas o governo decidiu adiantar as presidenciais, provavelmente devido ao facto do recém-nomeado marechal Sisi (ex-general) gozar de uma crescente popularidade. No entanto o triunfo alcançado pelo governo no referendo constitucional poderá ser enganador, se for levado em conta que votaram apenas cerca de 40% dos eleitores (embora esta seja a participação habitual no Egipto). A este factor (que é demasiado empolgado pela Irmandade Muçulmana – IM - e pela imprensa internacional e que poderá não ser relevante) deve ser adicionada alguma conflitualidade política e social. Os apoiantes do ex-presidente Morsi continuam a convocar acções de protesto contra o derrube do ex-presidente e a IM comemora nas ruas o 3º aniversário da queda de Hosni Mubarak. Por outro lado (e aqui as novas autoridades egípcias deverão ter atenção) os sindicatos egípcios (que foram decisivos na queda de Morsi e do governo da IM) têm manifestado algum descontentamento com a política social seguida pelo actual governo.
 
Segundo o Ministério da Saúde, os recentes choques entre a IM e as forças de segurança (e entre a IM e os apoiantes de Sisi), saldam-se em cerca de 50 mortos e 250 feridos, sendo o Cairo e Minya (uma importante cidade a sul do país) as cidades onde alguma instabilidade é manifesta. No ultimo domingo do mês de Janeiro a IM homenageou as vitimas dos enfrentamentos com as forças de segurança, mobilizando milhares de manifestantes, que ocuparam as ruas da capital egípcia, enquanto a Amnistia Internacional assinalava que o Egipto assiste a uma “escalada quantitativa e qualitativa em matéria de violações contra os direitos humanos, desde o derrube de Morsi”, uma atitude algo suspeita se for levado em conta que a AI nunca se manifestou sobre as violações cometidas durante o governo da IM.
 
VI - O novo poder egípcio assumiu as suas funções de forma legítima (em consequência dos protestos populares contra o governo de Morsi), mas não legal (não representou uma alternância de poder, dentro dos parâmetros constitucionais egípcios). Se a questão da legitimidade do poder, apesar de ser contestada (obviamente pela IM e pelos apoiantes, internos e externos, de Morsi), pode ser fundamentada através do descontentamento popular contra o anterior governo, já a legalidade do novo poder sairia maculada caso não existissem alterações na ordem constitucional. E assim aconteceu. A Constituição egípcia foi alterada e submetida a referendo, ou seja, submetida á decisão da soberania popular. Desta forma os egípcios resolveram o problema, transformando um golpe de estado ilegítimo em legitimo, ao ser suportado pela legitimidade da rua, ou seja, pela soberania popular directa. Resolvido o problema da legitimidade, o novo governo avançou na questão da legalidade (para duplo desespero de Morsi e da IM e também para os seus aliados externos).
 
A questão da legalidade é, em caso de mudança efectiva dos paradigmas, uma questão falsa (e o Egipto, embora não tenha alterado o paradigma, procedeu como se assim fosse). A legalidade funciona a título de conservação de um determinado sistema, para que o sistema evolua gradualmente, mas sempre nos parâmetros previamente definidos pela ordem jurídica. Assim são criados três pares de opostos, em função da mudança: legalidade/ilegalidade, gradualismo/simultaneidade e por último o binómio parcialidade/globalidade.
 
A razão pela qual o conceito de revolução não é um conceito legalista, está ligado ao facto de a revolução implicar uma mudança de ordem, de instauração de uma nova ordem, o que implica a destruição da ordem até aí em vigor. Como é evidente esta mudança não pode ser efectuada no respeito pelas “regras do jogo”, até porque nas regras está sempre implícito que a ordem não pode mudar no seu todo, ou seja, é implícito a proibição (expressa ou não) de mudar a globalidade da ordem e substitui-la por outra.
 
Desta forma a alternância de poder nas democracias formais (politicas) é sempre legal, gradual e parcial. Legal porque é a alteração permitida, gradual porque não vai alterar o paradigma e parcial porque apenas vai provocar pequenas alterações ou alterações de baixa amplitude e não uma mudança na totalidade da ordem em vigor. Ao contrário o projecto revolucionário implica a ilegalidade (uma vez que pretende uma mudança de paradigma), assume-se pela simultaneidade (as transformações não se sucedem em cadeia evolutiva, gradual, mas sim de forma aparentemente caótica, como o magma que desce de um vulcão) e é feito na globalidade, ou seja implica a transformação de toda a ordem anterior e não apenas de alterações de pequenas parcelas da ordem.
 
A passagem de um sistema para outro não pode ocorrer utilizando as regras do sistema precedente, pois estas apenas permitiriam a evolução do sistema (a reforma) mas não a sua alteração. A substituição de um paradigma por outro implica a escolha de um novo sistema, que é incompatível com o anterior, pelo que não pode ser determinada pelos procedimentos de avaliação do paradigma que está a ser colocado em questão. Logo toda a transformação é ilegal e criadora de uma nova legalidade, que assentará sobre os escombros do anterior conjunto normativo.
 
VII - A política interna é hoje (basta olhar para os dois exemplos apontados: a Síria e o Egipto, mas pode-se, também, referir o caso recente da Ucrânia) mais do que em qualquer outra época, determinada pela política internacional e pela constelação de interesses das potências hegemónicas (a crescerem em numero, se atendermos a que as mais recentes potencias regionais, assumem, desde a sua incubação, o factor hegemónico, utilizando as camuflagens oferecidas pelas variantes do “nacionalismo económico”), constelação em que os Estados não-hegemónicos são obrigados a viver. E escrevo “obrigados” porque a posição de um Estado não-hegemónico nunca é objecto de livre escolha (pelo menos a partir de uma determinada esfera de influência) do governo desse Estado e muito menos da soberania popular. A não-governabilidade do sistema internacional (composto por dinâmicas de larga amplitude) assenta duros golpes no sistema interno (assente em dinâmicas criadas por particularidades históricas e culturais).
 
A politica internacional - se é que hoje podemos falar em “politica internacional” e se não deveríamos determinar as Relações Internacionais a partir da única realidade dominante na sociedade actual: a Economia. Aliás as politicas externas seguidas por muitos Estados no âmbito diplomático é já uma “diplomacia do negócio”, assente na realidade actual das Relações Internacionais, numa perspectiva Geoeconómica - é vedada aos cidadãos e é uma esfera reservada (de facto e de direito) ao executivo (as “Relações Exteriores”, ou “Negócios Estrangeiros”), onde as razões de Estado, os segredos de Estado e os serviços secretos (estes, muitas das vezes, ligados a serviços secretos de outras nações, numa rede subterrânea de canais de informação e de infiltração) gozam de plena liberdade de movimentos, sem qualquer controlo por parte dos cidadãos, passando estes da condição de soberanos, a súbditos.
 
Nos países onde a debilidade da máquina administrativa do Estado é acentuada (caso da maioria dos governos africanos), estes serviços estão centrados nos Ministérios do Interior de cada Estado, misturados com as Policias e com os instrumentos de controlo de estrangeiros e de migração, criando uma estrutura que quanto mais debilitado e ténue seja o quadro administrativo da organização do Estado, mais poder tem a instituição que tutela os assuntos internos, tornando-se uma fonte de passagem dos interesses estrangeiros e pontos fulcrais de infiltração. Geralmente os Estados débeis são pesadas máquinas burocráticas, que roçam o absurdo se atendermos á incipiência dos serviços públicos. Essa ineficaz, densa e numerosa burocracia é composta por clientela eleitoral e é uma forma de “política de emprego”, que tapa a peneira do subdesenvolvimento e permite que a população tenha esperança num futuro, que no final, está ausente. Claro que a corrupção actua aqui a todos os níveis. E é por aí que a penetração estrangeira, a ingerência das potências, o imperialismo e o neocolonialismo penetram. 
 
Em tudo o que é decidido nesta esfera (a Politica internacional) a soberania popular é ignorada e espezinhada em função do subjectivo “interesse geral” ou “interesse nacional” (e também em função do “ consenso entre as nações”) e da subordinação da soberania popular á soberania nacional, como se esta não fosse soberana apenas em função da primeira. É a soberania popular que legitima a soberania nacional. Nenhuma nação é efectivamente soberana, se a soberania popular for inexistente, pois é esta que define o espaço soberano nacional, tanto na perspectiva territorial como na perspectiva da definição das políticas de defesa e de unidade nacionais e dos próprios interesses nacionais.
 
Ou seja, é a soberania popular o fundamento da legitimidade. Como tal só ela poderá decidir a ordem jurídica, ou seja definir a legalidade.
 
VIII - Não termino sem antes referir uma data Histórica do Povo Angolano: o 4 de Fevereiro.
 
O 4 de Fevereiro de 1961 foi o início da I Guerra de Libertação Nacional, a luta armada levada a cabo pelo Povo Angolano contra o colonial-fascismo português, fase que culmina com a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975, um longo período de 14 anos.
 
Também aqui as noções de legitimidade e de legalidade, de guerra justa, da guerra como fonte e como antítese do direito, se colocam. A legitimidade do 4 de Fevereiro assenta na decisão popular de travar a luta armada. Esta foi a primeira manifestação decisiva da soberania popular nacional. A soberania popular foi a razão e o objectivo da independência nacional, o seu fundamento, a resposta dada pelo Povo Angolano á pergunta que já na época assolava o movimento de libertação nacional no continente africano: a independência para quem?
 
A proclamação da independência e a criação da Republica Popular de Angola comportam os princípios da soberania popular manifestados em 4 de Fevereiro de 1961: uma independência assente no Poder Popular, um “governo operário e camponês” nas palavras do Presidente Agostinho Neto, fundador da Nação Angolana - líder do movimento de libertação nacional (um dos líderes mais proeminentes dos movimentos de libertação nacional africanos) e primeiro Presidente da Angola independente – uma independência construída em função dos interesses populares e da melhoria das condições de vida (saúde, educação, habitação), um Estado fundamentado nas premissas da defesa dos interesses do povo, das liberdades e garantias dos cidadãos e nos direitos dos trabalhadores. Desta forma foi criada uma nova ordem jurídica e assumida a legalidade.
 
As premissas do 4 de Fevereiro de 1961 foram o princípio do Poder Popular em Angola: a construção de uma sociedade justa e solidária, controlo da produção pelos trabalhadores, soberania dos recursos, edificação de um Estado eficaz na defesa da soberania nacional, edificação de um sector público forte e eficiente, criação de uma máquina administrativa, não burocratizada, controlada pelo Poder Popular e uma política externa baseada nos princípios da não-ingerência e da solidariedade internacionalista.
 
Foram estas premissas assumidas? Foram, sem dúvida, enunciadas, proclamadas e algumas delas, iniciado o seu processo de implementação (a proclamação de Angola como trincheira firme da revolução em África, representa a continuidade do 4 de Fevereiro e a implementação da soberania popular, proclamação que implica a aplicação dos princípios emancipadores assumidos na luta de libertação nacional).
 
Se foram continuadas? Isso são outros 500 (não de Kwanzas, mas de dólares, euros, libras esterlinas e em alguns casos – a representação da máxima degenerescência e imbecilização do “homem novo” criado não pela Revolução, mas pela economia de mercado - de patacas e outros “vis e sonantes metais”).
 
Fontes
Bobbio, Norberto Sul principio di legittimitá Ed. Giapichelli, Turim, 1970.
Gavazzi, G. Norme primarie e norme secundarie Ed. Giapichelli, Turim, 1967.
 

Ucrânia: "A opção europeia será também a opção militar a favor da NATO"

 

Jean -Marie Chauvier [*] - entrevistado por Jean Pestieau
 
Quais são os problemas económicos enfrentados pelo povo ucraniano, principalmente os trabalhadores, pequenos agricultores e desempregados ?

Jean-Marie Chauvier: Desde o desmembramento da União Soviética em 1991, a Ucrânia passou de 51,4 para 45 milhões de habitantes. Esta diminuição deveu-se a uma baixa da natalidade, um aumento da mortalidade, em parte devido ao desmantelamento dos serviços de saúde. A emigração é muito forte. Cerca de 6,6 milhões de ucranianos vivem hoje no exterior. Muitas pessoas no leste da Ucrânia foram trabalhar para a Rússia, onde os salários são sensivelmente mais elevados, enquanto os do oeste são mais dirigidos para a Europa Ocidental, por exemplo, em estufas de Andaluzia ou no sector da construção em Portugal. A emigração faz entrar por ano na Ucrânia, 3 mil milhões de dólares.

Enquanto o desemprego é oficialmente de 8% na Ucrânia, uma parcela significativa da população vive abaixo da linha de pobreza: 25%, de acordo com o Governo, até 80 % de acordo com outras estimativas. A pobreza extrema, acompanhada de desnutrição é estimada entre 2 e 3 % até 16%. O salário médio é de 332 dólares por mês, um dos mais baixos da Europa. As regiões mais pobres são as áreas rurais no oeste. As ofertas de emprego são baixas e limitadas no tempo.

Os problemas mais prementes são agravados pelos riscos de assinar um acordo de livre comércio com a União Europeia e a implementação das medidas recomendadas pelo FMI. Existe, portanto, a perspectiva de encerramento de empresas industriais, especialmente no Leste, ou a recuperação, reestruturação e desmantelamento pelas multinacionais. No que diz respeito à terra fértil e à agricultura, está no horizonte a ruína da produção local que é actualmente assegurada pelos pequenos agricultores e sociedades por acções, herdeiros dos colcozes e com a chegada em grande das multinacionais agro-alimentares. A compra massiva de terra rica vai acelerar-se. Assim Landkom, um grupo britânico, comprou 100 mil hectares e o hedge fund russo Renaissance comprou 300 mil hectares.

Para as multinacionais há, portanto, bons nacos a apanhar: algumas indústrias, oleodutos, terra fértil, mão-de-obra qualificada.

Quais são as vantagens e desvantagens de uma aproximação com a União Europeia?

JMC: Os ucranianos – em primeiro lugar a juventude – têm o sonho da UE, a liberdade de viajar, as ilusões de conforto, bons salários, prosperidade, etc. Sonhos com os quais os governos ocidentais contam. Mas, na realidade, não é questão da adesão da Ucrânia à UE. Não é questão de livre circulação de pessoas. A UE oferece poucas coisas, apenas o desenvolvimento do comércio livre, a importação maciça de produtos ocidentais, a imposição de normas europeias nos produtos que podem ser exportados para a UE, o que levanta barreiras formidáveis para a exportação ucraniana. A Rússia, por sua vez – em caso de acordo com a UE – ameaça fechar o seu mercado a produtos ucranianos. Moscovo ofereceu compensações tais como a baixa de um terço dos preços do petróleo, uma ajuda de 15 mil milhões de dólares, a união aduaneira com ela própria, o Cazaquistão, a Arménia... Putin tem um projecto eurasiático que abrange a maior parte do antigo espaço soviético (excepto os países bálticos), fortalecendo os vínculos com um projecto de cooperação industrial com a Ucrânia, a integração de tecnologias que a Ucrânia estava realizando no tempo da URSS: aeronáutica, satélites, armamento, construção naval, etc, modernizando os complexos industriais. É, obviamente, o leste da Ucrânia que está mais interessado nesta perspectiva.

Pode explicar as diferenças regionais na Ucrânia?

JMC: Não há Estado-nação homogéneo na Ucrânia. Há contradições entre as regiões. Há diferenças históricas. A Rússia, Bielorussia e Ucrânia tiveram um berço comum: o Estado dos Eslavos Orientais (século IX a XI ), a capital Kiev, foi chamada de "Rous", "Rússia" ou "Ruthénia". Mais tarde, os seus caminhos diferenciaram-se: línguas, religiões, filiações estatais. O Oeste esteve muito tempo ligado ao Grão-Ducado da Lituânia, aos reinos polacos, ao Império Austro-Húngaro. Após a Revolução de 1917 e a Guerra Civil, nasceu a primeira formação nacional chamada " Ucrânia", co-fundadora, em 1922, da URSS. A parte ocidental anexada, em particular, pela Polónia, foi "recuperada" em 1939 e 1945, em seguida, o actual território da Ucrânia ampliou-se para a Criméia, em 1954.

O leste da Ucrânia é mais industrializado, mais operário, mais russófono, enquanto o oeste é mais rural, de língua ucraniana. O leste é Ortodoxo, ligado ao Patriarcado de Moscovo, enquanto o Ocidente é tanto católico grego ("Uniata") e ortodoxo, ligado ao Patriarcado de Kiev desde a independência em 1991. A Igreja Uniata Católica, em particular no Oeste em Galicia, tem sido tradicionalmente germanófila, muitas vezes em conflito com a Igreja Católica da Polónia. O centro da Ucrânia, com Kiev, é uma mistura de correntes Leste e Oeste. Kiev é esmagadoramente de língua russa, as suas elites são pró-oposição e intimamente ligadas aos ultra-liberais de Moscovo.

A Ucrânia é pois partilhada – histórica, cultural, politicamente – entre o Oriente e o Ocidente, e não faz nenhum sentido lançar uma contra a outra, a não ser para se colocar um cenário do início da guerra civil, o que é, provavelmente, a intenção de alguns. À força de impor a divisão, como estão a fazer os ocidentais e seus pequenos soldados no local, pode vir o tempo em que a UE e a NATO poderão ter o seu "pedaço", mas onde também a Rússia tomará o seu! Não seria o primeiro país que se faria deliberadamente explodir. Todos devem estar cientes de que a opção europeia também será militar: a NATO virá a seguir e em breve se vai levantar a questão da base russa em Sebastopol na Crimeia, maioritariamente da Rússia e estrategicamente crucial para a presença militar no Mar Negro. Pode-se imaginar que Moscovo não vai deixar instalar uma base dos EUA naquele lugar!

O que acha da forma como o actual conflito é apresentado em nossos meios de comunicação?

JMC: É um western! Há os "pró-europeus" bons e os maus "pró-russos". É maniqueísta, parcial, ignorante da realidade da Ucrânia. Na maioria das vezes, os jornalistas vão ter com pessoas que pensam como eles, que dizem o que os ocidentais querem ouvir, que falam Inglês e outras línguas ocidentais. E depois, há as mentiras por omissão.

Logo de inicio há uma notável ausência: o povo ucraniano, os trabalhadores, os camponeses, submetidos a um capitalismo de choque, à destruição sistemática de todas as suas conquistas sociais, aos poderes das máfias de todos os lados.
 
Depois, há a ocultação ou minimização de um fenómeno que é conhecido como "nacionalista" e que é, na verdade, neo-fascista ou mesmo claramente nazi. É principalmente (mas não exclusivamente), localizado no partido Svoboda, seu líder Oleg Tiagnibog e a região ocidental que corresponde à antiga "Galicia oriental" polaca. Quantas vezes tenho visto, ouvido, lido na Comunicação Social, citações do partido e seu chefe como "opositores " e sem outra qualificação?

Estamos a falar de jovens simpáticos "voluntários de auto-defesa", vindos de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev, mas trata-se de comandos levados pela extrema-direita para esta região (Galicia), que é o seu bastião. Pesada é a responsabilidade daqueles – políticos, jornalistas – que jogam este jogo, a favor de tendências xenófobas, anti-Rússia, anti-semitas, racistas, celebrando a memória do colaboracionismo nazi e da Waffen SS e de que a Galicia (e não toda a Ucrânia!) foi a terra natal.

Finalmente, os meios de comunicação passam em silêncio as várias redes financiadas pelo Ocidente (EUA, UE, Alemanha) para a desestabilização do país, a intervenção directa de políticos ocidentais. Imagine-se a área neutra de Bruxelas ocupada durante dois meses por dezenas de milhares de manifestantes exigindo a renúncia do rei e do governo, atacando o Palácio Real e aclamando na tribuna ministros russos, chineses ou iranianos! Pode-se imaginar isto em Paris ou Washington? Mas é o que acontece em Kiev.

O meu espanto cresce dia a dia observando a diferença entre "as informações" emitidas pela nossa Comunicação Social e aquelas que posso colher nos meios de comunicação ucranianos e russos. As violências neonazis, as agressões anti-semitas, as tomadas de assalto das administrações regionais: nos nossos meios de comunicação, não há nada disso! Só temos um único ponto de vista: o dos opositores de Maidan (Praça de Kiev, onde os pró-europeus se reúnem (Nota do Editor). Na Comunicação Social, o resto da Ucrânia não existe!

Quais são os principais actores em presença?

JMC: A oligarquia industrial e financeira, beneficiária das privatizações, é compartilhada entre a Rússia e o Ocidente. Viktor Yanukovich e seu Partido das Regiões representam os clãs (e a maior parte da população) no leste e sul. O Partido das Regiões venceu as eleições, tanto presidenciais como parlamentares, no Outono de 2013. Ele também tem bases sólidas a Oeste, na Transcarpácia (também conhecida como Ucrânia sub-carpática), uma região multiétnica que resiste ao nacionalismo. Mas a crise actual, as hesitações e fraquezas do presidente podem custar-lhe muito caro e desacreditar o seu partido...

O poder é largamente responsável pela crise social que beneficia a extrema-direita e as enganosas sereias da UE e da NATO. O poder no terreno é impotente, de facto, e defende uma parte da oligarquia. Ele favoreceu a disseminação da corrupção e das práticas mafiosas.

Perante ele, há três partidos políticos que se baseiam especialmente no Ocidente e também no centro da Ucrânia. Batkivschina ("A Pátria"), cujo líder é Arseniy Yatsenyuk. Ele sucedeu a Yulia Tymoshenko, doente e presa. Em seguida, o partido Oudar (Partido democrático das reformas), cujo líder e fundador é o ex-boxeur Vitali Klitschko. É o querido de Angela Merkel e da UE. Os quadros do seu partido são formados pela Fundação Adenauer. Finalmente, a Svoboda ("Liberdade"), partido neo-fascista liderado por Oleg Tiagnibog.

Svoboda é um filiado directo da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN ) – fascista, sob o modelo de Mussolini – fundada em 1929 no leste da Galicia sob o domínio polaco. Com a chegada de Adolf Hitler em 1933, o contacto é feito com o slogan "vamos usar a Alemanha para avançar com as nossas reivindicações". As relações com os nazis são por vezes tumultuosas – porque Hitler não queria uma Ucrânia independente – mas todos estão firmemente unidos no seu objectivo comum de eliminar comunistas e judeus e escravizar os russos. Os fascistas ucranianos opõem a natureza "europeia" da Ucrânia à "asiática" da Rússia. Em 1939, Andriy Melnik é o chefe da OUN, com Andriy Cheptytskyi, Metropolita (Bispo, Nota do Editor) da Igreja greco-católica (Uniata) germanófila, "líder espiritual" da Galicia, passada em 1939, para o regime soviético. Em 1940, o radical Stepan Bandera cria uma dissidência: o seu OUN-b forma dois batalhões da Wehrmacht, Nachtigall e Roland, para participar na agressão pela Alemanha e seus aliados contra a União Soviética em 22 de Junho de 1941. Imediatamente cria uma onda de progroms.

Após várias eleições, após a "Revolução Laranja" de 2004, a influência de Svoboda cresceu na Galicia e em toda a Ucrânia ocidental, inclusive nas grandes cidades, com 20 a 30% dos votos. No conjunto da Ucrânia, Svoboda tem 10 % dos votos. Svoboda é "dominado" por grupos neo-nazis ainda mais radicais do que ele.

As três formações políticas Batkivschina, Oudar e Svoboda, apoiadas pelo Ocidente, reclamam há dois meses o derrube do governo e do Presidente da República. Eles exigem novas eleições. Svoboda vai ainda mais longe, organizando um golpe de Estado localmente. Lá, onde ele governa com o seu reinado de terror, Svoboda proíbe o Partido das Regiões e o Partido Comunista da Ucrânia.

O PC da Ucrânia apela à razão há várias semanas. Ele recolheu mais de três milhões de assinaturas pedindo um referendo que deve decidir se a Ucrânia quer um acordo de associação com a UE ou uma união aduaneira com a Rússia. A situação insurreccional deve-se, não só aos três partidos da oposição, mas também ao poder, que ofereceu o país e o povo "de bandeja" aos líderes da pseudo oposição, aos grupos de extrema direita neo-nazis, às organizações nacionalistas violentas, aos políticos estrangeiros que apelam às pessoas a "radicalizar os protestos" e "lutar até ao fim". O PC destaca os problemas sociais. Ele tem a posição mais democrática entre os partidos políticos. Mas sua influência é limitada à Ucrânia oriental e meridional.

Qual o jogo das grandes potências (EUA, UE, Rússia) no confronto actual?

JMC: Zbigniew Brzezinski, influente geostratega, cidadão dos EUA de origem polaca, traçou na década de 1990, a estratégia dos EUA para controlar a Eurásia e instalar permanentemente a hegemonia do seu país, com a Ucrânia como elo essencial. Para ele, havia uns "Balcãs mundiais", de um lado a Eurásia, do outro o grande Médio Oriente. Esta estratégia deu os seus frutos na Ucrânia com a "Revolução Laranja" de 2004. Instalou uma rede tentacular de fundações norte-americanas – como Soros e a reaganiana National Endowment for Democracy (NED) – que pagam a milhares de pessoas para "fazer progredir a democracia". Em 2013-2014, a estratégia é diferente. É especialmente a Alemanha de Angela Merkel e a União Europeia que estão no comando, ajudados por políticos americanos como John McCain. Arengam às multidões na Maidan e em outros lugares com grande irresponsabilidade: para atingir facilmente a meta de fazer balançar a Ucrânia para o campo euro-atlântico, incluindo a NATO, eles contam com os elementos mais antidemocráticos da sociedade ucraniana. Mas esse objectivo é inatingível sem partir a Ucrânia entre o Oriente e o Ocidente e com a Crimeia que se tornará a juntar á Rússia como o seu povo deseja. O parlamento da Crimeia declarou: "Nunca viveremos sob um regime fascista". E para Svoboda e os outros fascistas, esta é a vingança de 1945, que eles vivem. De qualquer forma acho que a grande maioria dos ucranianos não quer esta nova guerra civil ou a dissolução do país. Mas a sociedade está em reconstrução...
 
Para mais informações: Jean-Marie Chauvier, Euromaïdan ou a batalha da Ucrânia , 25/Janeiro/2014; Ucrânia: "que posição"? , 13/Dezembro/2013, publicado pela revista Política (Bruxelas) e reproduzido em www.globalresearch.ca; OUN e a Alemanha nazi: referências, ver Le Monde Diplomatique , Agosto/2007 .
 
Política anti-social da oposição revelada por WikiLeaks

Viktor Pynzenyk, ex-ministro das Finanças e, agora, membro do partido da oposição Oudar, de Vitali Klitschko, em 2010 explicou ao embaixador dos EUA o que queria para a Ucrânia:
 
  O aumento da idade de aposentadoria em dois anos a três anos
  A eliminação de reforma antecipada
  A restrição das pensões para os aposentados que trabalham
  A triplicação do preço do gás para as famílias
  O aumento dos preços da electricidade em 40%
  O cancelamento da Resolução do Governo que exige o consentimento dos sindicatos para elevar os preços do gás
  O cancelamento da disposição legal que proíbe os fornecedores municipais de cortar o fornecimento ou multar os consumidores em caso de não pagamento de serviços municipais
  A privatização de todas as minas de carvão
  O aumento dos preços dos transportes, o cancelamento de todos os benefícios
  A abolição de subsídios do governo para nascimentos, refeições gratuitas e livros escolares (está escrito: "As famílias devem pagar ")
  Cancelamento de isenções de IVA para produtos farmacêuticos
  Aumento dos impostos sobre a gasolina e aumento de 50% nos impostos sobre veículos
  O pagamento dos subsídios de desemprego, só após um período mínimo de seis meses de trabalho
  O pagamento de benefícios de licença médica só a partir do terceiro dia de folga
  O não aumento do ordenado mínimo vital (embora introduzindo opções de pagamento adicionais para os necessitados).

Fonte: 10KYIV278 telegrama diplomático revelado pelo Wikileaks
www.cablegatesearch.net/cable.php?id=10KYIV278&q=elections+ukraine
 
Ver também:
  Solidarité en Ukraine avec le Parti communiste qui lance un appel aux forces communistes et de gauche du monde entier!

[*] Jornalista e ensaísta belga, especialista na Ucrânia e na antiga União Soviética. Conhece estes países e a língua russa, colabora em Le Monde Diplomatique e outros jornais e sítios da internet.

O original encontra-se em
www.ptb.be/... . Tradução de GAC.

Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/ .
 

Governo timorense cria entidade para analisar branqueamento de capitais e terrorismo

 


Díli, 06 fev (Lus) - O Governo de Timor-Leste anunciou hoje, em comunicado, a criação da Unidade de Informação Financeira (UIF) para analisar transações suspeitas de crime de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
 
A criação daquela entidade foi aprovada na reunião extraordinária de Conselho de Ministros, realizada na segunda-feira.
 
"A UIF é uma entidade administrativa criada junto do Banco Central de Timor-Leste, responsável por analisar informação relacionada com relatórios de transações suspeitas e outras informações respeitantes aos crimes de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e disseminar essa informação às entidades competentes", refere o Governo.
 
A entidade foi criada na sequência da aprovação do Regime Jurídico da Prevenção e do Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo.
 
Na reunião, o Governo decidiu também aprovar a criação da Comissão Nacional para a Implementação das Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento de Terrorismo (CNCBC).
 
"Uma vez que o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo são fenómenos de natureza e relevância transnacionais, a criação da CNCBC torna-se indispensável para assegurar o cumprimento das normas internacionais relativas a estes crimes, às quais Timor-Leste aderiu", refere-se no comunicado.
 
A nota acrescenta que o Governo timorense está "empenhado em desenvolver e adequar a legislação nacional para tornar mais eficaz o combate aos crimes ligados ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
 
MSE // VM - Lusa
 

Portugal: Ministério da Justiça reforça cooperação jurídica com Timor-Leste

 


Lisboa, 05 fev (Lusa) - O Ministério português da Justiça celebrou hoje um protocolo para reforçar a cooperação com Timor-Leste nos domínios do sistema judicial e das magistraturas, da assessoria nos tribunais para resolução de casos cíveis e da política legislativa.
 
O protocolo, assinado pela ministra da Justiça de Portugal, Paula Teixeira da Cruz, e pelo homólogo de Timor-Leste, Dionísio Babo Soares, consagra regras que regulam a cooperação entre os dois países.
 
Investigação criminal e ciências forenses, organização e gestão da administração prisional e reinserção social, registos e notariado, relações internacionais e Direito Internacional, acesso ao Direito e à Justiça e resolução alternativa de litígios são outras áreas de cooperação.
 
Neste compromisso, estabelece-se que os encargos financeiros com a cooperação passam a ser suportados pelos dois países e não apenas pelo Estado português, tendo em conta os recursos financeiros de Timor-Leste.
 
No âmbito do acordo de cooperação, oito juízes portugueses encontram-se em comissão em Timor-Leste.
 
A cerimónia de assinatura do protocolo encerrou o programa de hoje da visita oficial a Portugal do primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, também presente no Ministério da Justiça.
 
O chefe do executivo de Timor-Leste esteve reunido com Passos Coelho e outros membros do Governo português.
 
JOP // PJA - Lusa
 

XANANA GUSMÃO PRESTOU HOMENAGEM A EUSÉBIO – na Luz

 


O primeiro-ministro de Timor Leste, Xanana Gusmão, esteve esta quinta-feira no Estádio da Luz para prestar homenagem a Eusébio da Silva Ferreira.

«Quando era jovem, recordo-me de admirar o Eusébio porque era um grande jogador. Vim algumas vezes ao Estádio da Luz como adepto do Benfica. Sempre foi muito respeitado em Timor Leste, pela sua grandeza. Ele era um ídolo», afirmou Xanana Gusmão aos jornalistas, depois de, equipado a rigor com uma camisola do clube da águia, ter depositado um ramo de flores junto à estátua de Eusébio.

O primeiro-ministro de Timor Leste não esquece a visita do Pantera Negra àquele país em 2003, no âmbito de uma iniciativa do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

«Quando esteve em Timor deixou todos maravilhados. E devo dizer que ele marcou muitos golos na carreira, mas a mim não me marcou. Nessa visita eu fui à baliza e ele rematou-me uma bola, que defendi. Disse-lhe, em jeito de brincadeira, que afinal eu também era um grande guarda-redes e ele respondeu-me: “Não! O problema é que eu não marco golos na baliza do Benfica!”», contou.

Xanana Gusmão está em Lisboa para o lançamento do seu livro “Xanana Gusmão e os primeiros 10 anos da construção do Estado timorense”. Vai também ser distinguido com o Doutoramento Honoris Causa pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).

A Bola – foto Isabel Cutileiro, SLBenfica
 

Guiné Equatorial pode fechar processo de capitalização do Banif e ficar com 11% do capital

 


Ana Luísa Marques, Diogo Cavaleiro, Maria João Gago, Celso Filipe – Jornal de Negócios
 
É um processo que ainda não está fechado mas o Banif chegou a um acordo de princípio para que uma empresa da Guiné Equatorial injecte 133,5 milhões de euros no banco. O novo país parceiro do Banif quer entrar na CPLP, mas Portugal tem resistido a essa proposta.
 
O próximo accionista de referência do Banif deverá ser uma empresa da Guiné Equatorial. A companhia poderá injectar 133,5 milhões de euros no capital do banco, concluindo um processo de capitalização avaliado em 450 milhões de euros. Mas este é um processo que ainda está no condicional.
 
"Está prevista a possível tomada de uma participação qualificada no capital social do Banif por uma empresa da Guiné Equatorial, se possível, no montante remanescente para a conclusão da segunda fase do processo de recapitalização do Banif, destinado a investidores internacionais (de cerca de 133,5 milhões de euros)", indica o banco num comunicado emitido através do site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
 
Segundo cálculos do Negócios, a concretizar esta injecção, a empresa da Guiné Equatorial poderá ficar com cerca de 11% do capital dirigido por Jorge Tomé (na foto), diminuindo a posição do Estado, que poderá a passar menos de 60% dos direitos de voto na instituição.
 
O nome da empresa não é divulgado nem se sabe quando é que tal irá acontecer. O "Correio da Manhã" noticiou, a 1 de Fevereiro, que se poderia tratar da Sonagas, empresa de gás natural da Guiné Equatorial. Ao Negócios, Jorge Tomé havia dito na semana passada que estava em negociações finais com um investidor, sem indicar quem seria. Hoje é confirmado que se trata de uma empresa do país africano.
 
Esta operação está inserida num memorando de entendimento "não vinculativo" entre o banco e a República da Guiné Equatorial que, além da injecção dos 133,5 milhões de euros, tem "em vista iniciativas de colaboração no sector bancário em condições que venham a ser acordadas entre as partes".
 
Em bolsa, antes desta notícia ser conhecida, as acções do Banif valorizaram 0,85% para fechar nos 1,18 cêntimos. No início do ano, cada título do Banif estava avaliado em 1,05 cêntimos. A instituição financeira apresenta um valor de mercado de 1.201 milhões de euros.
 
Em paralelo, estão ainda em aberto as negociações entre o Banif e a Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia, relativas ao plano de reestruturação que o banco terá de adoptar pelo facto de ter recebido ajuda do Estado.
 
O banco sob o comando de Jorge Tomé já apresentou as contas relativas em 2013, ano em que conseguiu reduzir os prejuízos para 470 milhões de euros.
 
Portugal resiste a incluir novo parceiro do Banif na CPLP
 
A Guiné Equatorial, que chegou a este acordo com o Banif, é um país africano que fala espanhol mas que pretende entrar para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os países que, juntamente com Portugal, constituem este grupo, do qual Guiné Equatorial tem o estatuto de observador associado desde 2006.
 
A nação do regime de Teodoro Mbasogo (no poder desde 1979, o mais antigo de África) quer, contudo, ser um membro de pleno direito. Portugal tem sido o mais forte opositor da concessão de tal estatuto.
 
No final de Dezembro, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Luís Campos Ferreira, mostrou-se convicto de que a Guiné Equatorial possa vir a integrar a CPLP. Mas, antes disso, tem um "caminho a percorrer, quer na promoção e uso efectivo da língua portuguesa, quer em matéria de direitos humanos, designadamente a adopção de uma moratória sobre a pena de mortea pena de morte", apontou o governante, citado pela Lusa.
 
Na próxima cimeira da CPLP, a realizar em Díli este Verão (Timor-Leste tem a presidência da comunidade neste momento), esta questão deverá um dos temas a debater.
 
Os passos da capitalização
 
Na sequência da crise financeira, e à semelhança de outros bancos como o BCP e o BPI, o Banif teve de recorrer a ajuda do Estado para se capitalizar. O Estado injectou 1,1 mil milhões de euros na instituição financeira, tanto através de acções (700 milhões) como de instrumentos obrigacionistas que se podem vir a converter em acções (400 milhões de euros). Foi concretizado no início de 2013.
 
O banco teria de recorrer a outros aumentos de capital para reduzir a posição do Estado, que chegou a deter mais de dois terços do capital social da instituição. A assembleia-geral da instituição dirigida por Jorge Tomé autorizou o banco a emitir acções avaliadas até 450 milhões de euros. Tal foi feito, até agora, em quatro fases. Até agora, conseguiu aumentar o capital em 311,3 milhões de euros. Falta uma fase. Aquela cujo memorando de entendimento, ainda sem valor vinculativo, foi anunciada hoje.
 
1) Junho de 2013. Colocação particular de 100 milhões de euros. Foi concretizada através do aumento de capital pelos já accionistas de referência Rentipar Financeira e Auto-Industrial.
 
2) Julho de 2013. Oferta pública de subscrição de acções destinada ao público em geral, avaliada em 100 milhões de euros.
 
3) Agosto de 2013. Colocação particular de 40,7 milhões de euros, através de empresários nacionais como Ilídio Pinho e Estêvão Neves.
 
4) Outubro de 2013. Oferta pública de troca de valores mobiliários, avaliada em 70,8 milhões de euros.
 
5) A concretizar. 2014. Colocação por empresa da Guiné Equatorial, avaliada em cerca de 133,5 milhões de euros.
 
O valor global é, neste momento, de cerca de 445 milhões de euros, perto dos 450 milhões acordados. Caso consiga chegar efectivamente a acordo com a empresa da Guiné Equatorial, o processo de capitalização acordado poder-se-á dar por concluído.
 

Portugal: A FATURA DA SORTE E A FATURA DA IMPUNIDADE

 

Mário Motta, Lisboa
 
A revelação das tendências de casino do governo Passos vão em alta, ainda mais em alta agora. Muito mais em alta com esta jogatana da Fatura da Sorte. Confesso que quando li a referência Fatura os meus olhos traíram-me e li Fartura. É que aqui parecia ter mesmo ali um r entre o a e o t. Mas não, não tinha, nem tem. Não é Fartura da Sorte. Até porque fartura é coisa reservada só a uns quantos. Políticos, donos dos políticos, cães de tiro que correm que nem desalmados para conquistarem Belém e São Bento, não vá um outro qualquer grupo mafioso antecipar-se e ganhar o lugar… É o que se queira, mas Fartura não é. Essa está-lhes reservada. É exclusiva, só para eles. Os portugueses têm de se contentar com quase nada ou nada. Pagam e não bufam. Os proxenetas do colarinho branco agradecem. Por acaso é mentira, nem sequer agradecem. E não agradecem porque se convenceram de que o país é só deles, os portugueses são só deles. Tudo é deles nestas praias, planicies e montanhas lusas. É mais que evidente. Basta observar e meditar nos seus comportamentos. Põem e dispõem.
 
Quanto à Fatura da Sorte e ao festival de casino em que os batoteiros do governo e de Belém são eximios deu para ler no site da RTP (ver na íntegra) que “O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, afirmou hoje que o sorteio `Fatura da Sorte` vai ser feito em função do valor global das faturas de cada contribuinte e não em função do número de faturas emitidas.” E mais: "O que vale para o sorteio não é o número de faturas, é o valor global atribuído a cada contribuinte" que peça para que o seu número de contribuinte seja indicado na fatura, afirmou hoje Paulo Núncio, em conferência de imprensa, em que disse que vão ser sorteados, semanalmente, "automóveis de gama alta".”
 
Desculpe. Podia repetir. Solicitaria se lá estivesse na frente deste croupier Núncio. Mas não. Na hora tive de ir à Sopa Económica, antes chamada Sopa do Barroso. Que agora mudou para o nome do enfezado ministro do CDS, Mota Soares, que achou por bem retomar as políticas salazaristas dos caldinhos de galinha naquilo a que ele chama Cantinas Sociais. Algo a modos que do Social Fascismo que o caracteriza mas que procura ocultar. Asno (de asneira, não de burro) porque só não o topa quem andar mesmo muito distraído ou já tiver sido sepultado ou cremado. Avancemos com a Fatura da Sorte.
 
Então, eles – com os nossos impostos - dão “automóveis topos de gama”? Um automóvel todas as semanas? Ai sim? Pergunte-se: Quantos ministros e pares desses, dos partidos, das famílias partidárias, e das outras, é que já se meteram no negócio da venda automóveis para preparar terreno? E quantos automóveis vão sair aos boys e girls laranjas (PSD) e aos azulados (CDS)? E às primas? E aos primos? E a quem mais quiserem?
 
O croupier Paulo Núncio referiu que a transparência vai ser enorme. Ponto de honra. Acontece que estamos tão fartos de ser enganados que dificilmente acreditamos. Só se for transparência à BPN, trapalhadas à Miró, honra à Elsa da Esquina, onde “atacava” e ao subir a rua lhe perguntavam se ia presa – por ir acompanhada por um polícia – ao que a Elsa respondia que não. Não ia presa. “Vou dormir com o chefe”, informava. Era o conluio entre a prostituta e o chefe de polícia. E à Elsa nada acontecia… de mal. Nem mesmo Salazar, que ilegalizou e criminalizou a prostituição, lhe conseguiu deitar a mão e pô-la entre grades. Nem a estes prostitutos de agora, de colarinho branco, o Ministério Público consegue deitar a mão. Até parece que lhes está sempre a sair a Fatura da Sorte. Mas pensando melhor não é da sorte mas sim a Fatura da Impunidade.
 

Portugal: MIRÓ, FUTRE E OS FIDALGOS ARRUINADOS

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
Quatro mil milhões? Cinco mil milhões? Ou mais? Estão por fechar as contas dos prejuízos provocados ao erário público por um bando de vigaristas acolitados durante anos no Banco Português de Negócios (BPN) e cujas burlas, apesar de denunciadas nas suas linhas gerais em várias ocasiões, passaram em branco à inteligência agrupada no supervisor Banco de Portugal, então liderado pelo cérebro proeminente de Vítor Constâncio. Tarde e a más horas, o fim da linha das malfeitorias pela via da nacionalização repercute-se no bolso de cada um de nós e sob um terrível efeito adicional: o julgamento das vigarices arrasta-se pelos tribunais - e sem fim à vista. O caso BPN contém, evidentemente, uma multiplicidade de episódios lamentáveis. Discursa-se ao som da dança mais conveniente, como se o equilibrismo não tropeçasse em contradições.
 
A celeuma em curso sobre o destino a dar a 85 obras do pintor catalão Joan Miró, acervo do ex-BPN na posse do Estado, é o mais recente exemplo de um país gerido na base de decibéis de oportunismo. O presidente da República fez, ontem, a leitura correta ao considerar que os quadros de Miró "transformaram-se numa arma de arremesso na luta político-partidária".
 
São de gritos os episódios em volta do leilão das obras de Miró em Londres, pela Cristhie's. Se o Governo foi incapaz de explicar em tempo as razões pelas quais os milhões a obter pela venda das obras fazem sentido, a Oposição e alguns grupelhos ainda ficam pior na fotografia quando resolvem encetar (mais uma) batalha judicial a horas da abertura do leilão e insistem, insistem, num certo microcosmos segundo o qual o ideal é dispor do melhor de dois mundos. Isto é: clamar contra os prejuízos causados pelas falcatruas do BPN e, simultaneamente, não pretender atenuá-los tendo por base o pouco património sobrante.
 
É inequívoco: uma nação que se preze não deve desbaratar o seu património, artístico ou de outra natureza. Convém é dispor de condições para o evitar - e o orgulho da posse das obras de Miró não encaixa bem na enormíssima austeridade pedida aos cidadãos, cortando-lhes subsídios de desemprego ou de pensões, abono de família e por aí fora.
 
A desastrada postura do Governo nas explicações para a venda dos quadros não elimina, pois, o igual desastre oportunista de uma certa clique do país, a fazer lembrar os fidalgos arruinados, disponíveis para ostentar num dedo um anel de diamantes brasonado, mas sem dinheiro para mandar cantar um cego - ao ponto de terem de fechar partes do palacete por estarem a cair aos bocados!
 
De repente, os defensores da manutenção dos quadros de Miró no erário público até já parecem inspirados em... Paulo Futre. É de truz o argumento de que é possível potenciar economicamente os quadros de Miró através de atração de mais e mais turistas. Só falta visionarem, como Futre fez em eleições para o Sporting, que "vão vir muitos charters" - de chineses, sabe-se lá?! - para apreciarem as obras do pintor catalão!
 
Já agora, imagina-se: depois de fruírem as pinturas de Joan Miró, os turistas abarrotadores de aviões até podem deslocar-se a vários pontos do país para verem como os mais variados monumentos nacionais estão em ruínas sem que se oiça um simples "ai" da esquizofrenia argumentativa em curso contra a venda.
 
Já não há pachorra....
 

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