sexta-feira, 19 de julho de 2013

Portugal: ENJOADOS DA DEMOCRACIA




Fernando Dacosta – Jornal i, opinião

Alguns dos nossos democratas estão a cansar-se da democracia. Esse cansaço (enjoo) traduz-se no adiamento, congelamento de regras básicas dela, como protelação de eleições, suspensão de referendos, recusa de contactos, fuga a críticas, a compromissos, etc. No passado não se referendou o ingresso de Portugal na CEE nem, depois, no euro; no presente não se opta pela ida às urnas como solução exigível para o emaranhado político em que estamos.

A intervenção do povo tornou-se, ao que se assiste, inconveniente para o poder que desatou a fugir dela como o diabo da cruz - nem ouvi-lo (ao povo) quer.

Significativo disso foi a recentíssima reacção da segunda figura da democracia portuguesa - uma jurista "milionariamente" reformada aos 42 anos - ao perder a cabeça com representantes de funcionários que, vitimizados pelo Estado, protestavam nas galerias da Assembleia. Antes haviam sido reformados a manifestar-se silenciosamente - de imediato corridos pela abespinhada senhora.

"Não podemos permitir que os nossos carrascos nos criem maus costumes", sentenciou ela. Pois não. Por isso, o opormo-nos a eles (carrascos), pelo voto, pelo berro, pela indignação é um acto de cidadania. O que a presidente não parece ter percebido é que os carrascos de hoje não são os manifestantes, são os deputados que, com as suas maiorias, aprovam leis para esbulhar, amputar, matar populações, como tem feito a coligação que domina o parlamento (e o governo, e a Presidência da República), confiscando soberania aos eleitores. É que em Portugal os democratas (estes) só querem dar-nos liberdade para concordar com eles!

Escreve à quinta-feira

NÃO HÁ ACORDO. PARTIDO SOCIALISTA NÃO ACEITA CORTES NEM EMPOBRECIMENTO




António José Seguro está neste momento na sede do Partido Socialista a declarar ao país que não houve acordo com o PSD-CDS proposto por Cavaco Silva. (Redação PG)

Não há acordo entre PS, PSD e CDS

Seguro diz que "PSD e CDS inviabilizaram o compromisso de salvação nacional"

Seguro afirmou esta noite que as reuniões entre PS, PSD e CDS não levaram ao "compromisso de salvação nacional" pedido por Cavaco Silva, uma vez que o "PSD e CDS inviabilizaram o acordo".

O corte de 4,7 mil milhões terá sido um dos principais motivos para os partidos não terem chegado a acordo. O líder do PS disse ainda que nas reuniões que decorreram durante esta semana o partido se debateu ainda a favor do aumento do salário mínimo e das pensões mais baixas, da descida do IVA na restauração e do IRC para as empresas e contra a privatização da TAP, Águas de Portugal, CTT, e Caixa Geral de Depósitos.

O líder do PS considerou também que "durante esta semana fizemos tudo o que devíamos".

Recorde-se que, a comissão política do PS está marcada para esta noite às 21h30 depois de ter sido adiada por um dia.

O líder socialista esteve esta tarde em Belém depois de terminado o oitavo encontro com PSD e CDS para chegaram a acordo para um compromisso de salvação nacional, pedido por Cavaco Silva.

No final, o chefe de Estado emitiu um comunicado onde explicou que recebeu os três líderes partidários para "conhecer a avaliação que os respetivos partidos fazem do processo negocial visando alcançar um compromisso de salvação nacional".

No comunicado de apenas um parágrafo, divulgado no ‘site' da Presidência, nada mais é dito sobre o processo de conversações em curso entre os três partidos com vista ao "compromisso de salvação nacional" pedido pelo Presidente da República a 10 de julho.

Hoje, ao início da tarde, os três partidos emitiram um comunicado após a "oitava reunião do processo de diálogo interpartidário" no sentido de alcançar o compromisso de salvação nacional proposto pelo Presidente da República, sem referências a próximas reuniões. (Jornal i)

Ficheiros Anexos: 

Portugal: SALVAÇÕES NACIONAIS




José Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião

O Partido Socialista foi confrontado esta semana com a escolha entre duas formas antagónicas de entender o que deve ser a salvação nacional. Uma, a de Cavaco Silva, arranca da convicção de que esta política salvará o país e, para dar força a essa fé, amarra o PS à direita e deixa-o ganhar eleições daqui a alguns meses na condição de não mudar nada de essencial no rumo traçado pela troika para Portugal e até de o perpetuar ad eternum. Entendimento antagónico é o que resultou do convite que foi feito pelo Bloco de Esquerda a todas as forças de esquerda para uma discussão sem pré-condições sobre as opções fundamentais de um governo de esquerda para o país, agora. A sua convicção é a de que a tirania de uma dívida que não para de crescer destrói a democracia e o país e que é urgente uma maioria social e política que ponha fim a esta tragédia.

Vivemos, de facto, um momento histórico de bifurcação, em que, graças à radicalização imposta pela troika e pelo Governo, é clara a escolha que está diante do país. Este é um tempo de uma clareza inédita, em que cada força tem de escolher entre a aceitação de que não há política fora do campo delimitado pela troika e o juntar de todas as forças para romper esse colete de forças que nos rouba a democracia. Agora não há fingimentos nem encenações - ou se está sinceramente de um lado ou se está sinceramente do outro. O sentido da iniciativa do Bloco de Esquerda foi sabidamente esse: não uma encenação para acumular capital de queixa nem um fingimento para cumprir calendário mas sim um desafio de resposta conjunta da esquerda à estratégia perigosíssima de tutela presidencial sobre a política portuguesa que lhe pretende confinar o espaço e diminuir a diversidade.

O leitor tem sobre mim a vantagem de, no momento em que ler estas linhas, já saber a que porto conduziram as negociações patrocinadas por Cavaco Silva e imploradas por Alexandre Relvas, Francisco Van Zeller ou Daniel Bessa. Mas a escolha do PS vale muito para lá do resultado do negócio. Qualquer que este seja, o PS decidiu privilegiar a negociação no campo da troika e desdenhar o diálogo à esquerda. Ou seja, em coerência com as juras de cumprimento de todos os compromissos internacionais feitas reiteradamente por Seguro, o PS escolheu assumir como referencial da política portuguesa em que se quer situar o memorando de entendimento com a troika afirmando aí as suas nuances. Que o Partido Socialista tenha rejeitado explorar qualquer caminho de convergência à esquerda, procurando ao invés que os partidos à sua esquerda embarcassem na manobra cavaquista (para que, aliás, não foram convidados) dando assim algum conforto político à decisão do Largo do Rato, é um muito mau indício. Pode bem vir depois a rábula do diálogo com todos e até mesmo da resistência aos falcões do regime - o certo é que não é disfarçável a diferença de empenhamento de Seguro entre o negócio com a troika de Cavaco e a possibilidade de compromissos à sua esquerda. Repito: seja qual for o saldo final das negociações entre PS, PSD e CDS, o Partido Socialista desperdiçou uma oportunidade histórica de dar um passo em direção à convergência com a esquerda quando ele é mais necessário. Mas pior: a salvação nacional a que o PS escolheu dar preferência é um balão de oxigénio para este Governo morto e para a perpetuação desta política mórbida, com mais nuance ou menos nuance. O resto é entretenimento para incautos.

PALESTINA: UM SÓ POVO, UMA SÓ RESISTÊNCIA



Rui Peralta, Luanda

I - A incerteza quanto ao futuro do Egipto, dominado pela instabilidade política e social torna a situação dos palestinianos de Gaza ainda mais precária, dependentes como estão desse país. Depois de seis anos de castigo, imposto pelos israelitas, devido ao Hamas ter ganho as eleições na Faixa de Gaza, os sionistas deixaram uma situação dramática. O drama de Gaza é de repercussões internas fortes, no seio da Palestina e de repercussões internacionais diversificadas.

A situação vivida em Gaza amplia a divisão entre as elites palestinianas. A Autoridade Palestiniana (AP), com sede em Ramallah, joga com o isolamento de Gaza, para tirar vantagens políticas sobre os seus oponentes do Hamas. Derrotada em 2007 pelo Hamas em Gaza – primeiro nas eleições e depois no campo militar, quando a AP tentou controlar militarmente o território e foi forçada a retirar-se, acatando o resultado das eleições - a AP faz tudo por tudo para readquirir o controlo do território.

O isolamento forçou o Hamas a apoiar-se no Irão, na Síria e na resistência xiita libanesa do Hezbollah, o que provoca tensões diversas no plano interno da organização e no plano externo. O Hamas é sunita, compartilhando a sua confissão islâmica com o Qatar, o Egipto e a Turquia. O líder político do Hamas, Jalehd Meshal, dirigiu um realinhamento do movimento com estes países, numa tentativa de alargar os relacionamentos mais para além dos seus aliados do eixo xiita (Irão, Hezbollah, Síria). Saiu de Damasco, onde se encontrava exiliado e foi residir para Doha, sendo, simultaneamente, recebido com pompa e circunstancia em Ancara (acompanhado do chefe do Governo de Gaza, Ismael Haniyeh) pelo primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan.  

Na véspera deste encontro, o Hamas pediu ao Hezbollah que retirasse as suas forças da Síria e se concentrasse na luta contra Israel. A resposta do Hezbollah surgiu dias depois, através das Brigadas Ezzedine al-Qassam, braço armado do Hamas, que advertiram o líder do movimento e o chefe do Governo de Gaza, que as Brigadas não concordavam com o novo alinhamento externo e recordando que foi o apoio militar prestado pelo Irão, pela Síria e pelo Hezbollah e não o dinheiro dos Estados do Golfo, que permitiram ao Hamas manter o controlo de Gaza, contra os israelitas, a AP e os militares egípcios.

Esta alteração nas relações externas do Hamas, procurando o apoio dos estados e das organizações que partilham do seu posicionamento religioso, em detrimento dos estados e organizações que efectivamente apoiaram o Hamas – o eixo xiita – sem colocarem em questão a religiosidade e as divergências teológicas, provoca dissensões internas, não só entre a direcção politica do Hamas e os comandantes das Brigadas (o que enfraquece o governo, que perde o controlo sobre os comandantes militares do movimento), mas também na própria direcção politica do Hamas, onde nem todos aceitam o novo posicionamento externo, considerando-o uma capitulação frente á IM - com quem o Hamas partilha a visão religiosa e os fundamentos políticos, para além das relações históricas – cujo apoio, nos últimos anos, nunca passou das palavras. De facto o governo egípcio, recentemente deposto, da IM não foi capaz de fazer frente aos militares, na questão de Gaza e deixou que as políticas criadas pelos acordos com os israelitas e os USA permanecessem em vigor, mantendo a asfixia aos palestinianos de Gaza.

A direcção do Hamas, necessita de equacionar o seu realinhamento, que representa, antes de mais, um regresso às suas origens, que usado de forma inteligente poderá manter os seus actuais apoios no eixo xiita e reencontrar-se com os países e movimentos com os quais mantem relações históricas e partilha de princípios (a IM da Síria, do Sudão e do Egipto, importantes movimentos que estiveram na origem da formação do Hamas, assim como a Turquia e os Estados do Golfo). Neste sentido este realinhamento poderá ser visto como uma ampliação da frente de apoio. Só que esta ampliação - a todos os títulos necessária, se atendermos á difícil situação em que se encontram os palestinianos de Gaza – é efectuada num momento crítico, de lutas regionais profundas e no meio do conflito sírio, o que poderá provocar uma reacção negativa por parte do eixo xiita, terminando com o suporte do Irão (em virtude do posicionamento do Hamas em apoio á oposição síria). Nesse caso a tentativa de ampliação da frente de apoio, redundará numa significativa derrota para o Hamas, pois perderá as bases de suporte militar.

Tudo dependerá, portanto, da capacidade negocial do Hamas. Mesmo assumindo o apoio á oposição da Síria (não esquecer que a IM na Síria é a força maioritária da oposição), se o Hamas souber manter os laços solidários com o Irão e com o Hezbollah, a porta aberta para a reconciliação com a Síria, mantém-se aberta, em caso de Bashir al-Assad manter-se no poder ou existir uma via negocial, que mantenha o BAAS sírio no poder ou no arco da governação. E neste sentido a recente eleição de Hassan Rohani para presidente da Republica Islâmica do Irão, poderá facilitar a diplomacia do Hamas, que logo após a vitória dos “moderados” iranianos, expressou o seu desejo em manter relações “mais estáveis”.

Mas este equilíbrio é muito difícil de manter, principalmente quando líderes da extrema-direita árabe visitam Gaza e apelam á guerra contra a Síria, o Irão e o “Partido de Satã” (nome que os fascistoides sunitas dão ao Hezbollah, que significa Partido de Deus). Foi o caso da visita a Gaza de um personagem tenebroso, medieval, um influente pregador islâmico do Qatar, mas de origem egípcia, Yussef al-Qaradaui, que de visita a Gaza, no passado mês de Junho, exortou aos sunitas que combatam nas fileiras da oposição síria, ou quando uns dias depois (em 14 de Junho) um congresso sunita no Cairo, que contou com a participação de vários dirigentes do Hamas, declara nas sua conclusões que a guerra santa é necessária na Síria, para combater a “agressão flagrante do regime iraniano, do Hezbollah e dos seus aliados confessionais”.

No mesmo dia o Hamas desmentiu que existissem combatentes seus na Síria, ao lado dos oposicionistas e dos bandos armados que ainda actuam em território sírio, reiterando, no entanto, a sua posição de apoio ao Conselho Nacional Sírio e em particular á IM síria, que combatem no terreno, contra o governo sírio. De certa forma a ruptura entre o Hamas e governo sírio, é inevitável e isso trará graves consequências em Gaza, que passará de um “ninho de terroristas” a uma base de “combatentes da liberdade”.       

II - O Egipto, sob Mubarak, tinha, também as suas razões para isolar Gaza. Qualquer êxito do Hamas seria aproveitado pela Irmandade Muçulmana no Egipto e Mubarak colaborou com o USA e com Israel, no isolamento de Gaza. Desta forma Mubarak ganhava pontos perante os Estados do Golfo, beneficiando de suporte financeiro. O argumento egípcio de que ao isolar Gaza estava a preservar a unidade palestiniana colheu frutos diversos e intermediou, sob os auspícios da administração Bush, o acordo de 2005 entre Israel e a AP, sobre Movimento e Acesso na Fronteira entre Egipto e Gaza, favorável aos israelitas e às suas preocupações com a segurança.
   
O que veio depois foi um conto surrealista. A U.E. enviou de imediato a Missão de Ajuda Fronteiriça da U.E. na Encruzilhada de Rafah (EUBAM Rafah) para controlar a fronteira. Israel enviava periodicamente uma lista de suspeitos, proibidos de atravessar a fronteira e os guarda-fronteiras da U.E. cumpriam obedientemente, sob o sorriso cúmplice da AP. A EUBAM Rafah revelou-se uma operação israelita, executada pela U.E, com a cumplicidade da AP e a colaboração do Egipto, que desde esse momento susteve que abrir a fronteira de Gaza era uma violação a este acordo.

Quando a AP e o Hamas se confrontaram militarmente em 2007, nas ruas de Gaza e a AP perdeu todo o controlo sobre a faixa, o presidente da AP exigiu que o Egipto tomasse medidas drásticas na fronteira com Gaza e estes assim o fizeram. Mubarak mandou erguer uma barreira e um muro subterrâneo com doze km de comprido, na fronteira de Gaza, o que contou com os aplausos da AP. Os palestinianos passaram a um regime de dieta forçada e apenas cruzavam a fronteira os cidadãos com problemas de saúde e os estudantes.    

Depois das incursões e bombardeamentos israelitas de Dezembro de 2009 a Janeiro de 2010, o Egipto acertou a agenda com Israel e com a AP. Os palestinianos de Gaza não esperavam que o Egipto de Mubarak permitisse a reconstrução das infraestruturas destruídas durante as operações israelitas - que para além da destruição das infraestruturas que ainda funcionavam, deixou mais de mil e quatrocentos mortos no terreno e milhares de feridos - mas confiavam que o Egipto reabrisse a fronteira de Gaza, o que não veio a acontecer. O Egipto não só não reabriu a fronteira, como reforçou a sua segurança, recorrendo a especialistas ocidentais de empresas de segurança.

Mas as coisas nem sempre foram assim, entre Gaza e o Egipto. Nas últimas décadas os habitantes de Gaza tinham fortes conexões e vínculos com o Egipto. Historicamente o Egipto combateu o sionismo e controlou Gaza entre 1948 e 1956. A Revolução de 25 de Janeiro, dos Oficiais Livres, que levou Nasser ao poder, foi entusiasticamente apoiada pelos palestinianos de Gaza e entre 1957 e 1967 o Egipto de Nasser exerceu o controlo do território, até á Guerra dos Seis Dias. Mesmo depois dos sionistas ocuparem o que restava da Palestina histórica, a relação politica, económica e comercial nunca foi cortada, até 1978, ano em que Sadat assinou os Acordos de Camp David, que converteram Gaza e a Cisjordânia numa região autónoma.

Os palestinianos de Gaza compreenderam que um Egipto forte e estável era a sua melhor protecção frente aos sionistas. Nunca interferiram nos assuntos internos egípcios, para não desequilibrar esta relação, mesmo depois dos Acordos de Camp David e da alteração que ela implicou no relacionamento entre o Egipto e Gaza. As tensões internas egípcias, entre o governo e a Irmandade Muçulmana (IM) levaram a que alguns sectores no Egipto acusassem sectores islâmicos em Gaza de estarem a colaborar com a IM. Esta questão foi agravada, mais tarde, já durante a administração de Mubarak, com a formação do Hamas. O discurso dos sectores militares egípcios e de alguns sectores políticos, próximos do governo egípcio, falavam da relação entre o Hamas e a IM e de uma eventual conspiração que envolvia ambas as organizações. A Primavera egípcia não resolveu esta questão, pelo contrário, agravou-a.

Com a vitória eleitoral da IM, no Egipto, as tensões fronteiriças aumentaram de tom. A prolongada crise politica, que acompanhou toda a governação da IM, levou a que os militares egípcios assumissem para si a questão de Gaza. A fronteira permaneceu encerrada e a única saída para os palestinianos sobreviverem ao bloqueio foram os célebres tuneis, que os militares egípcios encerram e que os palestinianos de Gaza, teimosamente – a teimosia em sobreviver – continuam a cavar. Até quando? 

III - O fosso cavado entre Palestinianos de Gaza e Palestinianos da Cisjordânia, não é um fosso real e que exista ao nível dos sentimentos dos palestinianos, como cidadãos. Não existe qualquer identidade palestiniana de Gaza e outra da Cisjordânia. Esta actual separação é criada não por um fosso entre cidadãos, ou por uma luta entre religiosos e laicos, mas é uma separação artificial resultante das lutas internas e orgânicas das elites palestinianas.

Das velhas elites, as já existentes antes da fundação do Estado de Israel, pouco resta e não é em solo palestiniano que permaneceram, preferindo exílios dourados em Londres ou em outras capitais europeias. Grande parte deste sector fundiu-se com a elite nascida na guerra, dominante no seio da OLP e que fez da AP o seu cavalo de batalha. É uma elite dividida entre os hábitos de combate (a resistência foi o seu meio de afirmação) e o deslumbramento dos negócios que lhes foram proporcionados quando a AP assumiu o papel de administrar áreas de território, em consequência das negociações de Paz.

Em pouco meses, muitos dos mais ferozes “anti-imperialistas” palestinianos transformaram-se em adeptos do Tio Sam e dedicaram-se - com o mesmo ardor que tinham combatido nas fileiras da resistência, onde alcançaram cargos de direcção - aos seus “empreendimentos”, que geralmente representavam desvios efectuados ao parco erário público palestiniano. Especulação imobiliária, empresas de construção e de obras públicas, eram e são os seus negócios preferidos. E o segredo, aprendida que fora a sua importância no campo de batalha e na clandestinidade, tornou-se também um factor importante nas novas actividades empreendedoras a que passaram a dedicar-se, assumindo e absorvendo que o segredo era, também, a alma dos negócios. E do segredo imposto pelas duras condições da resistência, passaram ao segredo necessário dos negócios dos privados.

Por isso a atitude das elites palestinianas no que respeita a informação sobre o que ocorre nas reuniões com Israel e os USA é inicialmente de segredo. A fase seguinte consiste na negação da versão israelita dos eventos, geralmente detalhada (independentemente da veracidade dos detalhes). Por fim, bastante tempo depois (meses, anos) mencionam a versão palestiniana, quando ninguém se recorda do que se passou, ou quando já a versão israelita está implantada nas mentes e na História.
      
Um facto é que com esta atitude a resistência palestiniana perde preciosas batalhas, que poderiam ser travadas de forma vitoriosa, frente á máquina de propaganda sionista. Ao enveredar pelo segredo, durante a primeira fase de uma qualquer negociação, as elites palestinianas criam terreno fértil para uso dos sionistas. Estes, ágeis e perspicazes, utilizam a seu belo prazer e beneficio, o adubo de secretismo espalhado pelos palestinianos e criam uma realidade, que persiste como real. Assim, quando os palestinianos estão a negar as declarações de Israel, perante a opinião publica internacional, estão a negar a realidade, que já foi recriada pelas elites sionistas.

O resultado final desta negação não convence ninguém, a não ser os que já estão convencidos. Os outros, a imensa maioria, apenas apreendem a versão da realidade, pormenorizadamente descrita por Israel e divulgada até á exaustão, o que faz a atitude palestiniana parecer ridícula e de má-fé. Mas o mais decepcionante é que os palestinianos quando apresentam a versão dos factos negociados nos acordos, parece estarem a falar de outra dimensão, para lá dos vórtices temporais e espaciais, porque já passou demasiado tempo e a realidade criada pelos israelitas tornou-se a realidade nas mentes e já ocupa lugar nos documentos de consulta dos historiadores.

IV - Onde as tensões entre as elites não são sentidas e a unidade da resistência é mantida de forma solidária são nas prisões sionistas. Existem cerca de cinco mil prisioneiros palestinianos nas cadeias israelitas. Dois deles estão presos á mais de 30 anos e 25 á mais de 25 anos. Durante vários anos, os prisioneiros não podiam receber visitas e os cuidados médicos foram inexistentes.

Actualmente a situação melhorou depois do último protesto dos prisioneiros, que originou uma prolongada greve de fome nos estabelecimentos prisionais de Israel. De qualquer forma a questão das visitas mantem-se restrita e existem prisioneiros que continuam proibidos de ter visitas na cadeia. O tratamento médico continua a não ser regular e adequado. Cerca de mil e duzentos prisioneiros sofrem de enfermidades físicas ou psíquicas, 24 têm cancro, que não é tratado e 85 sofrem de graves perturbações neurológicas. Desde 1967 (ano em que ocorreu a Guerra dos Seis Dias) 204 prisioneiros políticos morreram nas cadeias, em consequência da ausência de cuidados médicos básicos e das torturas aplicadas nos interrogatórios.

Os prisioneiros estão proibidos de estudar ou de prosseguir os seus estudos na cadeia, sendo-lhes apenas permitido estudar o hebreu. Em consequência dos movimentos reivindicativos de prisioneiros e da última greve de fome os prisioneiros podem agora ter um televisor e rádio nas celas e receberem roupas enviadas pelas famílias.

Os sionistas não diferenciam os presos políticos palestinianos quanto á sua militância politica. Todos são prisioneiros políticos palestinianos e todos se encontram encarcerados pelo mesmo motivo: por serem membros da resistência palestiniana que luta pela formação de um Estado Palestiniano, soberano e democrático. Quando, no ano 2007, em Gaza, o Hamas e a Al Fatah combateram entre si, nas prisões manteve-se a unidade dos prisioneiros e esta unidade ficou patente, também, nos movimentos reivindicativos por melhorias de condições nas cadeias.  
        
V - “A Palestina não é apenas para os palestinianos, mas sim para todas aquelas pessoas que venham aqui com boa vontade, para todos os que apoiam a causa da liberdade, sejam muçulmanos, árabes, cristãos (...) Não creio nas negociações directas com Israel, porque Israel nunca cumpriu os acordos (…) e sempre utilizou os processos de negociação para ganhar tempo e construir novos colonatos, roubando mais terra e espaço vital aos palestinianos. (…) Necessitamos que todos os que lutam pela liberdade nos seus países (na Europa, na América Latina, nos USA, em Africa e em qualquer parte do mundo) lutem connosco, pela liberdade na Palestina.”

Estas palavras (ditas a um jornalista basco e publicadas nas Terras Bascas) de um combatente palestiniano, da Jihad Islâmica na Palestina, que foi militante da Al Fatah, organização a que pertencia quando foi preso, com 23 anos de idade e passou 27 anos na cadeia, sendo recentemente libertado, após cumprimento da pena, são reveladoras da perspectiva dos sectores populares da Resistência Palestiniana. Será que as elites palestinianas as conseguem entender? Ou será que o problema não consiste no entendimento das aspirações populares, mas sim numa agenda própria que as elites palestinianas definiram para melhor manterem os seus privilégios?

É que as elites, quando deslumbradas, falam uma língua e descrevem um mundo que ninguém conhece…
  
Fontes 
The Guardian January
Baroud, Ramzy The Second Palestinian Intifada: A Chronicle of a People`s Struggle Pluto Press, London
Baroud, Ramzy My Father Was a Freedom Fighter: Gaza`s Untold Story Pluto Press, London

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