O sistema monetário
internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário, seguirá sendo fonte
de pressões explosivas na economia mundial. Enquanto não se corrigir sua
estrutura e, em especial, o papel hegemônico do dólar estadunidense,
persistirão as fontes de tensões econômicas e a recuperação será mais difícil.
O artigo é de Alejandro Nadal.
Alejandro Nadal –
SinPermiso - Carta Maior
Entre as causas da
crise global se encontram alguns elementos estruturais da economia mundial. Um
dos mais importantes é o defeituoso sistema monetário internacional. Enquanto
não se corrigir sua estrutura e, em especial, o papel hegemônico do dólar
estadunidense, persistirão as fontes de tensões econômicas e a recuperação será
mais difícil.
A supremacia do dólar pode ser explicada por vários fatores. É a herança da
conferência de Bretton Woods (1944) na qual se consagrou o dólar como âncora do
sistema de taxas de câmbio fixas, peça chave do sistema monetário
internacional. Este esquema outorgou uma enorme vantagem para os Estados
Unidos, mas constitui um fator de desequilíbrio internacional de grande
importância.
A partir de 1945 a organização da economia mundial permitia aos Estados Unidos
importar o que quisesse e pagar com uns papeizinhos verdes que diziam In God We
Trust (Confiamos em Deus). Claro, no princípio a economia estadunidense manteve
um superávit comercial porque as economias europeia e japonesa tinham sido
devastadas pela guerra. Mas já nos anos 60 as coisas começaram a mudar: a
balança comercial dos EUA se deteriorou e desde então sua condição deficitária
não deixou de se agravar.
Frente ao déficit estadunidense surgiram países que mantiveram um superávit
constante em suas relações comerciais com o gigante norteamericano. Esses
países constituíram reservas em dólares, mas também começaram a reciclar seus
dólares na própria economia dos Estados Unidos. Isso incrementou a demanda de
todo tipo de ativos financeiros nesse país, aumentando o preço desses ativos e
reduzindo a taxa de juros. Desta forma, as famílias e empresas nos EUA puderam
aumentar sua demanda enquanto conservavam uma enganosa sensação de boa saúde
econômica.
Desde 1973 os salários deixaram de crescer e o endividamento se converteu no
principal instrumento dos lares para manter seu nível de vida. O salário deixou
de ser a base da reprodução da força de trabalho e a demanda agregada se
manteve de maneira artificial, ajudada também por episódios de inflação nos
preços de ativos como casas e papeis nas bolsas de valores. Essas bolhas
permitiam incrementar a demanda durante algum tempo, ainda que causassem
grandes danos ao estourar.
O déficit externo também aumentou porque a demanda de ativos financeiros nos
EUA contribuía para apreciar o dólar: as exportações dos EUA se encareciam
enquanto as importações barateavam. Esse estado de coisas reduziu a inflação e
beneficiou o consumidor estadunidense, mas também contribuiu para o
desmantelamento da indústria manufatureira do país.
Os Estados Unidos foram se convertendo no consumidor de última instância da
economia mundial. Os países que tinham problemas para incrementar sua demanda
agregada (como Alemanha e China) foram dependendo cada vez mais da inesgotável
capacidade de compra dos EUA. O dólar seguiu sendo a moeda de reserva por
excelência (mais de 60% das reservas mundiais de divisas) e hoje os países
credores possuem bilhões de dólares em ativos emitidos pelo governo
estadunidense e por Wall Street. Nessas condições, ninguém quer que os Estados
Unidos se submetam à chamada disciplina do mercado para resolver o problema de
seu déficit externo.
Em plena crise mundial renasce a pergunta sobre o que permitira reformar o
sistema monetário internacional. Uma possível resposta está no aumento da
demanda agregada dos países com superávit, o que teria que ser feito aumentando
os salários nessas economias. Os autores pós-keynesianos pensam que isso
permitira contar com outras fontes de crescimento econômico sem ter que se
basear no consumidor estadunidense.
No entanto, mesmo nesse caso, os ajustes internacionais não seriam tão fáceis.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar as origens do problema: a estagnação dos
salários nos anos setenta não foi uma casualidade. O corte nos gastos salariais
foi a resposta do capital para a queda na taxa de lucro na década anterior. Será
possível que as economias dos EUA, da Alemanha e agora da China introduzam
políticas de aumento salarial? Isso parece quase impossível, sobretudo no
contexto atual no qual o custo da crise foi repassado aos trabalhadores.
Em segundo lugar, os fluxos de capital característicos da economia mundial não
facilitam o ajuste das contas externas de um país. É falso dizer que o sistema
de taxas de câmbio flexíveis permita tal ajuste porque os fluxos de capital
perturbam o processo que deveria levar à eliminação dos desequilíbrios. É
precisamente o esquema neoliberal de economia aberta que faz com que os fluxos
de capital gerem uma apreciação cambial no momento em que mais se necessita de
uma desvalorização.
O sistema monetário internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário,
seguirá sendo fonte de pressões explosivas na economia mundial.
Tradução: Katarina Peixoto