sábado, 1 de setembro de 2012

25 ANOS DEPOIS! – II

 

Martinho Júnior, Luanda
 
4 – Com a síntese entre os contrários, os frutos estavam maduros para os “jogos africanos” no espaço definido pela lógica capitalista e à mercê do domínio da hegemonia, tirando partido das suas tradições na África do Sul desde a formação da União Sul Africana.
 
Mesmo que o “cartel” dos diamantes aproveitasse dos lucros conseguidos com a “guerra dos diamantes de sangue” que se foi estendendo a toda a África em conexão com as disputas sobre outras riquezas, havia vida para as elites e para o elitismo para lá do fim do socialismo e do regime do”apartheid”, pois para a lógica capitalista ambas as correntes estavam condenadas, até por que acabaram por ter sido colocadas no mesmo pé, com toda a injustiça histórica que isso implica!…
 
A hegemonia fazia os seus cálculos e prevenia-se: o “apartheid” morreria, mas o socialismo tinha que ser neutralizado, pois era importante preveni-lo por ser um risco insuportável para a aristocracia financeira mundial; era uma doutrina essencialmente vocacionada para a paz, mas a paz do império era indissociável da formação de elites concentrando poder “sincronizado” – político, económico e institucional!
 
A síntese havia de propiciar espaço para a paz da “democracia representativa”, o que seria providencial para essa afirmação das elites, uma vez que a lógica capitalista iria fazer, nesses termos, o resto.
 
5 – Se houve alguém que teve a percepção disso foi Jaime Nogueira Pinto, um “cristão democrata” assumido da vida política portuguesa, que na sua juventude foi da FRA, Frente Revolucionária de Angola (de extrema direita “branca”), seguidor e fomentador dessa pista, por que também era pessoalmente interessado nas riquezas do continente, como nos seus ricos (página 27 do seu livro)…
 
Num esclarecedor “instrutivo” relacionado com a projecção de Afonso Dhlakama em Moçambique, escreveu a páginas 211 do seu “compêndio”:
 
… “Fomos desenvolvendo outras acções em seu favor, sempre no sentido de uma maior abertura e respeitabilidade como caminho para a paz. Era aliás o que ouvira e vira praticar a Franz-Joseph Strauss em relação à Alemanha do Leste e ao mundo comunista: abrir-lhes as portas e os créditos para os levar a entrar no jogo. Se o processo fosse bem conduzido acabariam por lhes tomar o gosto”…
 
6 – O “instrutivo” não ficou naturalmente por aí, pelo que a sua aplicação a Angola no momento da síntese é esclarecedor; eis o que escreveu a páginas 524:
 
… “As cartas que íamos pondo na mesa enquanto discorríamos eram iguais às lançadas naquele pequeno almoço no Cosmos com Crocker e Cleary, logo após a morte de Savimbi, mas parte das incógnitas de então estavam já resolvidas: não houvera fragmentação da UNITA, a guerra acabara de vez e José Eduardo dos Santos escolhera a via pragmática de poupar os quadros sobreviventes da UNITA e com isso acelerara a pacificação. Mas ali em Luanda com Kansteiner, Dunlap e Dell, como em Washington com Crocker e Cleary, não resistimos a entrar pelo caminho das memórias e das histórias que faziam a nossa história em África. E naquele tom meio técnico, meio distante, ora empenhado, ora vago com que quase sempre falamos, também por pudor, das coisas importantes, fomos contando as mãos jogadas e as sortes do jogo.
 
Depois, deixámos o Coconuts por entre seguranças, jipes e música, e enquanto seguíamos no cacimbo e na amálgama de luz e som das noites de Luanda, voltei àquela manhã de Washington em que também tínhamos feito as contas do jogo.
 
Despedíramo-nos então à porta do Cosmos, cada um partindo para i seu dia. Eu tinha ido a pé pela Wisconsin e descido pela Connecticut até Downtown, passando pelos escritórios das firmas que representavam os governos do mundo junto das instâncias do Império e onde Santos e Savimbi também tinham os seus lobbies. Mais abaixo, já perto da Casa Branca, pensara nos circuitos de comunicação, guerra e inteligência em que todos nos tínhamos enredado e nas teias que nos tinham prendido às guerras de África – primeiro no romantismo do fim do Império, depois como peões voluntários e independentes do Grande Jogo. À laia de emissários de resis desconhecidos e por vezes sob bandeiras estranhas, fôramos vivendo e tratando com bons e maus, com os Ignosis e os Tualas da Guerra Fria – e circulando entre os átrios dos poderes deste mundo e as periferias instáveis, passando sempre pela casa de partida”…
 
7 – Vinte e cinco anos depois daquela charneira de 1987, a percepção dos acontecimentos de então permite-nos melhor perceber o quadro de então e o actual, dez anos depois do calar das armas.
 
Houve a quem também se abriu “as portas e os créditos para os levar a entrar no jogo”, mas não gostaram, com razões muito fiáveis de quem não esteve disposto a determinado tipo de “jogos africanos”.
 
Houve quem assumisse compromissos assentes em princípios firmes por inteiro com o povo angolano e levasse a sua luta nessa direcção; por ter experimentado essa trilha, só possível como o movimento de libertação, ainda hoje faz disso seu compromisso e trincheira, em relação à qual “crédito” algum poderá demover.
 
Houve quem permanecesse numa outra “barricada”, aquela que alimenta o sentido de vida e por isso não teve ilusões em relação às “barricadas” efémeras do petróleo, ou dos diamantes, nem ilusão em relaçõ aos “jogos africanos” fossem eles de Jaime Nogueira pinto, de George Soros, de Frank Charles Carlucci, ou de qualquer outro com essa matriz ou referência!…
 
Alguns deles foram até os primeiros a experimentar: pelas suas mãos logo em 1976 passaram imensas riquezas do seu país, que foram integralmente creditadas nas contas do seu estado; poderiam ter sido os primeiros ricos, dispostos aos “jogos africanos”, mas souberam não se vender, nem se comprometer!
 
Em 1976 detinham-se e julgavam-se os mercenários que não tiveram tempo de fugir, não se produziam nem se abria as portas a mercenários!
 
É legítima a posição desses justos: não são “pragmáticos” mercenários e os seus compromissos, são compromissos de paz, são-nos com sentido de vida e para toda a vida!
 
Em paz eles acham que humanizar a educação e a saúde são causas de solidariedade e internacionalismo imprescindíveis para se vencer o subdesenvolvimento com amor e as mais saudáveis expectativas em relação ao futuro!
 
A vida, para esse tipo de entidades, não tem preço e necessário se torna salvaguardá-la com todo o respeito que implicam a humanidade e a Mãe Terra!
 
Gravura: - Capa do livro “Jogos Africanos” da autoria do “democrata cristão” Jaime Nogueira Pinto, um dos identificados em relação a alguns sectores das elites angolanas do momento.
 
Relacionado, de Martinho Júnior
 

RESULTADOS PROVISÓRIOS DAS ELEIÇÕES EM ANGOLA

 

CONSULTE AQUI A PÁGINA DA CNE COM ATUALIZAÇÃO PERIÓDICA


“TORNÁMO-NOS UMA COLÓNIA DA ALEMANHA" - Millas

 
  Juan José Millás – Foto António Acedo
Joana Petiz – Dinheiro Vivo
 
Nasceu em Valência, a 31 de janeiro de 1946, mas é em Madrid que vive desde os seis anos, onde equilibra a carreira de escritor com a de professor na Escuela de Letras de Madrid e inúmeras colaborações em jornais. É casado, tem dois filhos, é socialista. Licenciado em Filosofia e Letras, celebrizou-se com obras como El Desorden de Tu Nombre, La Soledad Era Esto ou a novela autobiográfica El Mundo, e até criou um estilo literário: os articuentos, um híbrido entre contos e artigos, escritos no telemóvel. Há uma semana publicou no El País o artigo ao lado, que incendiou Espanha. Ao Dinheiro Vivo, explica como vê o mundo.
 
Vivemos uma crise sem paralelo e sem fim à vista. Como vê o futuro de Espanha e de Portugal?
 
Vejo-o mal, já que nos tornámos uma colónia da Alemanha e vivemos sob um governo composto por grandes especuladores. Não é a política que influencia a economia mas a economia que determina a política. Como dizem os jovens do 15M [movimento de cidadãos também conhecido como dos indignados, nascido a 15 de março de 2011], "chamam-lhe democracia, mas não é".
 
Quando esta crise começou, Espanha (como Portugal) era liderada por um governo socialista. Como é que isto aconteceu?
 
Historicamente, a social-democracia atraiçoa-nos sempre. Está na sua natureza. Depositei muitas esperanças no Governo de Zapatero, mas no fim, de um dia para o outro, ele curvou-se ao poder financeiro. E quando convocou eleições, fez passar uma mensagem subliminar aos eleitores de que só a direita estava contente com o que se passava.
 
Acredita que os atuais governos, de direita, estão a tomar as piores medidas possíveis? Um governo de esquerda faria melhor?
 
Os governos de direita estão a fazer aquilo que sempre quiseram fazer, legitimando as decisões com a ideia de que tudo lhes é imposto de fora. "Não tenho liberdade de escolha", disse há dias [o primeiro-ministro espanhol] Mariano Rajoy, perante o Parlamento. E ninguém lhe pediu imediatamente que se demitisse, porque a esquerda ficou muda.
 
É sensato que países como Espanha ou Portugal se mantenham no euro? Não ficaríamos melhor com pesetas e escudos do que com a moeda única?
 
Não sei, é uma pergunta demasiado técnica. Parece é que nunca devíamos ter entrado na moeda única.
 
O euro e as normas europeias são demasiado fortes e rígidos?
 
Não é essa a questão. A ideia que tínhamos de Europa não era a de um IV Reich. Philip K. Dick escreveu uma novela de ficção científica na qual os alemães tinham ganho a II Guerra Mundial e nos faziam acreditar que a vitória tinha sido nossa. O mundo atual seria o resultado dessa vitória oculta.
 
Quem, entre os líderes europeus, se tem portado pior nesta crise?
 
Merkel e Draghi.
 
O que poderia Merkel ter feito de forma diferente - e os alemães aceitá-lo-iam?
 
A chanceler alemã devia colaborar na construção de uma Alemanha europeia e não na edificação de uma Europa alemã. Mas, como quase todos os políticos, atua apenas de acordo com critérios quantitativos e de curto prazo.
 
Acredita que um resgate total a Espanha é inevitável? E os espanhóis estão prontos para aceitá-lo?
 
Creio que é inevitável. E nós aceitaremos. Não temos capacidade de rebelião, pelo menos que parta dos partidos políticos convencionais.
 
O seu artigo foi o mais lido de sempre do El País e invadiu as redes sociais. Tornou-se viral mesmo fora de Espanha. Qual a razão do êxito?
 
Porque aceitei escrever aquilo que muitos pensam.
 
 

O CANO DE UMA PISTOLA PELO CU

 


Juan José Millas – Dinheiro Vivo

Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
 
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
 
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
 
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
 
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
 
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
 
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
 
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
 
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
 
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
 
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.
 
*Este texto foi publicado no El Pais
 

A EUROPA FEDERAL É UMA QUIMERA

 


 
Ao sabor das estratégias dos seus dirigentes, cada vez mais países, a começar pela Alemanha, abandonam o projeto federal. Mas isso deixa espaço para alternativas originais, como a de um Clube do Mediterrâneo ou de uma união latina, considera o decano da imprensa italiana.
 
 
O que está em jogo na Europa é muito complexo. À mesa, há apenas quatro jogadores: Mario Monti, Mario Draghi, o Bundesbank [banco federal alemão] e Angela Merkel. Cada um tem a sua estratégia e as alianças podem variar ao longo do jogo. Se o resultado for positivo, os “spreads” [diferença para as taxas sobre rendimentos de títulos da dívida alemã] em Itália e Espanha serão aliviados, as respetivas dívidas soberanas vão custar menos caras e, acima de tudo, haverá um compromisso, que o Governo Monti passará aos governantes saídos das eleições [previstas para entre novembro e abril próximos]. Esse compromisso será de alto valor para os mercados financeiros e reforçará a posição de Mario Draghi e de Angela Merkel contra os falcões do Bundesbank e as forças políticas que os apoiam.
 
Em 6 de setembro, o Conselho do BCE vai tomar decisões. Monti, por seu lado, deve anunciar as suas decisões, nos dias seguintes. Antes do final de setembro, o problema deverá estar definitivamente resolvido.
 
Mas há outro problema, bem maior, que é o do contexto político e institucional desta intervenção "não convencional" do BCE: trata-se da eventual passagem de uma confederação de governos europeus para uma Europa federada. Isso implica, por outras palavras, uma "transferência de soberania" dos governos nacionais para os órgãos federais da União Europeia. Tanto para os já existentes – que deverão, contudo, ser reformados – como para os novos organismos que poderá ser necessário criar para complementar a estrutura da UE.
 
Há algumas semanas, parecia que Angela Merkel se concentrava totalmente na criação da União Federal. A posição de François Hollande ainda não era clara, mas esperava-se que a França reconhecesse finalmente a necessidade desta solução num mundo globalizado. Se voltamos a falar nisso, é porque se deu, entretanto, um facto novo: o tema de uma Europa federal saiu de cena – a chanceler já não fala nisso –, limitando-se agora a questão da transferência de soberania ao “fiscal compact” [pacto fiscal] e à iminente decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre os fundos do MEE [Mecanismo Europeu de Estabilidade]. Duvida-se até da viabilidade de uma supervisão única da UE, confiada, já não aos bancos centrais nacionais, mas ao BCE.
 
Em suma, trata-se de um recuo efetivo de um projeto seguramente muito difícil de pôr em prática num continente dividido por uma grande variedade de línguas, etnias e tradições, mas absolutamente necessário para que a Europa não mergulhe numa total irrelevância política. O que explica essa retirada? E o que pode ser feito para dar o pontapé de saída de um tal projeto?
 
Angela Merkel percebeu provavelmente duas coisas que talvez ignorasse ou subestimasse meses antes. A primeira é que a grande maioria da opinião pública não vê com bons olhos a hegemonia política alemã numa Europa em que todos os Estados nacionais, incluindo a Alemanha, depositassem partes significativas da sua soberania. Os alemães preferem fazer bons negócios e manter a supremacia industrial e financeira sobre a Europa, mas recusam-se a exercer uma hegemonia política que envolveria responsabilidades consideráveis e uma renúncia parcial à independência nacional.
 
A segunda é a resistência de muitos outros países ao projeto federal, a começar pela França e os países do Norte e do Leste. Especialmente aqueles que estão fora da Zona Euro, encabeçados pelo Reino Unido e pela Polónia.
 
Assim, o projeto parece realmente votado ao fracasso, à parte certas cedências de soberania relacionadas com o orçamento europeu, a política fiscal, a defesa da moeda comum – a qual, se o contexto político falhar, nunca terá a força de uma moeda de reserva.
 
O abandono deste projeto abre, no entanto, eventuais espaços de negociação e viabiliza iniciativas de outro modo impensáveis. Permite, por exemplo, a federação dos países interessados numa Europa federal. A ameaça, em tempos exercida pela Alemanha quando se falava de moeda a duas velocidades – "nós vamos avançar e os outros que se amolem" –, pode agora voltar-se contra ela, em matéria de cedência de soberania política.
 
Se a Itália, Espanha, Portugal, Irlanda, Áustria, ou apenas os três primeiros, fundassem, ou melhor, relançassem um Clube do Mediterrâneo, com regras próprias e instituições comuns, mantendo a sua presença na União Europeia e na Zona Euro enquanto clube, em vez de Estados singulares, a reação seria forte ou mesmo muito forte. Prosseguindo com o meu exemplo: e se os países desse clube estabelecessem relações de consulta e amizade económica e política com outros países do Mediterrâneo – Argélia, Marrocos, Líbia, Egito, Israel, Turquia –, relações que já existem, mas em que não seriam os países que formam o Clube, mas o próprio, a funcionar como interlocutor único?
 
E se acordos semelhantes fossem feitos com a área das línguas latinas, na América Central e do Sul, principalmente com a Argentina, Brasil, Uruguai e México? A Argentina e o Brasil já manifestaram vontade de estudar e apresentar propostas deste tipo. Um Clube Mediterrâneo não poderia tomar uma iniciativa nesse sentido?
 
Se o interesse e a imaginação sugerir novos horizontes, não é de excluir que uma Europa federal possa arrancar. Às vezes, há que sonhar, para enfrentar a dura realidade.
 
Deixem-me mencionar um último ponto sobre a Europa federal. Se, mais cedo ou mais tarde, esta vier a acontecer, será necessário implementar mudanças institucionais significativas, a saber:
 
1. O Parlamento Europeu deverá ser eleito numa base europeia e não nacional.
 
2. O referendo sobre questões relevantes para a Europa deverá também ser submetido à votação dos povos europeus e não das pessoas de cada Estado.
 
3. A estrutura internacional da governação federal deverá ser de tipo presidencial, seguindo o modelo dos Estados Unidos da América, onde um presidente eleito nomeia o governo federal; onde o Parlamento controla as ações do governo, a nomeação de funcionários de importância federal, as leis com impacto sobre o orçamento, despesas e receitas; onde um Tribunal Constitucional protege a Constituição Federal.
 
Quando o Estado tem as dimensões de um continente, e sobretudo num mundo globalizado, a democracia tem de garantir ao mesmo tempo a rapidez das decisões, a visibilidade do dirigente que representa esse continente e a participação cidadã. O fundamento dessas estruturas baseia-se na divisão de poderes. Trata-se, obviamente, de objetivos distantes, mas é preciso apresentá-los à opinião pública, para que os debata, permitindo a sua eventual aplicação.
 

Angola: MPLA e nova coligação repartem quase sozinhos votos da assembleia 119

 

NME - Lusa
 
Luanda, 31 ago (Lusa) - Os partidos MPLA e CASA-CE dividem quase sozinhos, entre os nove partidos concorrentes às eleições gerais de hoje, os votos de 151 na primeira de duas urnas da assembleia de voto número 119, localizada na Maianga, em Luanda.
 
Duas tendas da assembleia 119 foram instaladas numa rotunda na Maianga, na Avenida Marien Ngouabi, onde também se localiza a sede de campanha da Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE), a nova formação liderada pelo dissidente da UNITA Abel Chivukuvuku.
 
O encerramento das urnas ocorreu neste posto de votação às 19:00 (mesma hora em Lisboa), por ter aberto aos eleitores uma hora mais tarde do que o previsto, disse à Lusa a presidente de mesa, Mariana Gomes.
 
Ainda à última hora algumas pessoas - pelo menos cinco casos - dirigiram-se àquela assembleia para exercer o seu direito de voto, mas não chegaram a tempo.
 
Foi o caso de Paula Fernandes, que "com muita pena", não conseguiu votar. "Estou a vir de Benguela (província a cerca de 600 quilómetros de Luanda) propositadamente para votar, mas infelizmente não fui a tempo. Pronto, não querem o meu voto, fica para a próxima", gracejou.
 
Membros da mesa de voto e fiscais dos partidos MPLA, UNITA e CASA-CE fizeram a contagem de votos da primeira urna, que a Lusa testemunhou. Dos 151 votos, o MPLA obteve 89 votos, a UNITA (15), a CASA-CE (42), a FNLA e o PRS um voto cada, dois votos em branco e um nulo.
 
Segundo Mariana Gomes, a votação decorreu com tranquilidade, salientando que o fluxo foi maior na parte da manhã.
 
Os 9.757.671 eleitores foram hoje chamados a votar nas terceiras eleições da sua história para escolher a composição do parlamento e as primeiras em que o Presidente da República é escolhido por via indireta.
 
Os primeiros resultados provisórios devem ser conhecidos no sábado à tarde.
 

ANGOLA MADE IN MPLA, FUCK YOU!

 


União Africana considera "satisfatória" organização de escrutínio
 
31 de Agosto de 2012, 18:53
 
Luanda, 31 ago (Lusa) -- A organização das eleições gerais angolanas é "satisfatória" e o estado de espírito dos eleitores "bom", considerou hoje à tarde o chefe da missão de observadores da União Africana (UA).
 
"Visitámos diversas assembleias de voto em diferentes bairros da capital e falámos com os delegados no local", disse o chefe da missão da UA, o antigo Presidente de Cabo Verde Pedro Pires, citado pela agência AFP.
 
De acordo com Pedro Pires "toda a gente está de acordo que as eleições deste ano foram melhor organizadas do que as de 2008".
 
"A organização é satisfatória e o estado de espírito dos eleitores bom", afirmou, acrescentando que a missão verificou a presença de listas de eleitores à entrada das assembleias de voto.
 
O maior partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) manifestou dúvidas, nos últimos dias da campanha, quanto à conformidade do escrutínio com as leis, apontando nomeadamente confusão em torno das listas eleitorais.
 
Nas últimas eleições, em setembro de 2008, dificuldades organizativas impediram a abertura a horas de todas as mesas de voto, sobretudo na capital, obrigando a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) a prolongar a votação por um dia.
 
As eleições gerais de hoje a decorrer em Angola são as terceiras desde a independência do país em 1975.
 
De acordo com a nova Constituição, o líder do partido vencedor das legislativas será o Presidente da República.
 
O atual Presidente, José Eduardo dos Santos, no poder há quase 33 anos, é o grande favorito do escrutínio.
 
NV.
 
Primeiros resultados serão divulgados no sábado
 
Agosto de 2012, 22:04
 
Luanda, 31 ago (Lusa) - Os primeiros resultados das eleições gerais que se realizaram hoje em Angola começam a ser divulgados no sábado, anunciou em Luanda o presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
 
André da Silva Neto fez o anúncio numa declaração à imprensa, sem direito a perguntas, e que serviu para fazer um primeiro balanço da forma como decorreu o escrutínio.
 
O presidente da CNE reconheceu a existência de "constrangimentos de vária ordem" durante o ato eleitoral, facto que considerou "normal em qualquer processo eleitoral", preferindo não citar casos concretos, designadamente o atraso de nove horas para o início da votação em algumas mesas de voto em Viana, Norte de Luanda.
 
Os "constrangimentos" citados pelo presidente da CNE foram "pontualmente resolvidos", não afetando o processo eleitoral, acrescentou.
 
Silva Neto, que falou às 20:00 locais (mesma hora em Lisboa), duas horas depois do encerramento oficial das urnas, disse que o processo de votação, em curso ainda nalgumas localidades do país, e ao longo do dia, decorreu "com normalidade", razão pela qual felicitou os angolanos.
 
"Os cidadãos angolanos deram ao mundo um exemplo de civismo, tendo exercido o seu direito de cidadania e participado de forma ordeira e consciente num processo que visa consolidar a nossa jovem democracia", sustentou.
 
EL.
 
Uma votação normal, apesar de impugnação da UNITA
 
31 de Agosto de 2012, 21:11
 
Luanda, 31 ago (Lusa) - As eleições gerais em Angola decorreram hoje sem registo de incidentes graves, apesar de a votação ter começado com um aviso de impugnação da UNITA e do atraso de horas na abertura de pelo menos duas assembleias de voto.
 
Logo após a abertura das urnas, Isaías Samakuva, presidente da UNITA, avisou que o maior partido da oposição tenciona impugnar as eleições angolanas devido às "muitas irregularidades" no processo eleitoral.
 
"Nós vamos impugnar as eleições porque, no caso da província de Luanda, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) não entregou credenciais a mais de dois mil dos nossos delegados, o que implica que a UNITA não possa assegurar a veracidade dos resultados da votação em mais de mil mesas aqui em Luanda", explicou o líder do partido do "Galo Negro", após exercer o seu direito de voto, nos arredores de Luanda.
 
Abel Chivukuvuku, presidente da nova formação Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) também apresentou queixas, de manhã, ao votar no centro da capital, sobre o credenciamento dos representantes da sua lista nas mesas de voto, deixando críticas à forma "atabalhoada" como a CNE dirigiu o processo, "por ineficiência ou de propósito".
 
Ao fim da manhã, o presidente do órgão eleitoral garantiu que o processo decorria "sem constrangimentos suscetíveis de perturbar o andamento normal" da votação, acrescentando que as denúncias de falta de transparência e imparcialidade "vão ter de ser provadas".
 
Mais tarde, foi conhecida a situação de duas assembleias de voto em Viana, na saída norte de Luanda, onde os membros de várias mesas de voto não apareceram, deixando pelo menos dois mil leitores em estado de desespero até finalmente conseguirem iniciar o exercício do seu direito cívico a poucas do encerramento das urnas.
 
Vários relatos de irregularidades foram divulgados ao longo do dia, mas sem confirmação de qualquer entidade oficial, e, apesar dos receios de perturbações em relação aos cadernos eleitorais, os angolanos ouvidos pela Lusa na área metropolitana de Luanda elogiaram o processo, classificando-o mais bem organizado do que nas legislativas de 2008.
 
Lucanissa, cidadã registada na assembleia de voto 152, em Talatona, 20 quilómetros a sul de Luanda, considerou "mais fluida" a votação. "Assim que cheguei, dirigi-me à mesa de voto - com antecedência verifiquei onde é que devia ir votar -, então foi fácil. Muito fácil", descreveu.
 
O "estado-maior" do MPLA acorreu de manhã à Cidade Alta, junto à Presidência angolana, onde votou o chefe de Estado, José Eduardo dos Santos. Nenhum dos altos quadros do partido ou do Governo deu relevância à ameaça da UNITA.
 
O Presidente angolano e do MPLA, José Eduardo dos Santos, chegou ao fim da manhã à escola Yara Jandira, apresentou a sua identificação, votou e, como todos os angolanos, mergulhou o indicador direito num frasco de tinta indelével.
No final, e ao contrário do que aconteceu nas legislativas de 2008, dirigiu-se aos jornalistas para convidar todos os angolanos a usarem o "poder do povo" e votarem para "desenvolver a democracia", lembrando que "a democracia é o poder do povo e o povo tem esse poder nas suas mãos para escolher os dirigentes que vão governar Angola nos próximos cinco anos".
 
O ex-administrador da petrolífera estatal Sonangol e o número dois da lista do MPLA, Manuel Vicente, também votou na mesma assembleia de voto e, à saída, disse que "não há riscos nenhuns" de o MPLA perder as eleições, prometendo "continuar a desenvolver as políticas em prol do povo angolano".
 
Os 9.757.671 eleitores angolanos foram hoje chamados a votar nas terceiras eleições da sua história para escolher a composição do parlamento e as primeiras em que o Presidente da República e o vice-Presidente são escolhidos por via indireta.
 
A afluência às urnas foi elevada às primeiras horas da manhã, tendo uma redução acentuada à medida que o dia foi avançando.
A missão de observadores da União Africana, chefiada pelo ex-Presidente cabo-verdiano Pedro Pires, foi a única entidade internacional que se pronunciou hoje e considerou "satisfatória a organização das eleições gerais.
 
HB
 
"UNITA quis boicotar votação porque não se preparou" -- MPLA
 
31 de Agosto de 2012, 22:38
 
Luanda, 31 ago (Lusa) - O MPLA, partido no poder em Angola, declarou hoje que "a UNITA quis boicotar" as eleições gerais "porque não se preparou" e prevê que a principal força de oposição continue a sua estratégia "até às últimas consequências".
 
Num encontro com os jornalistas, hoje à noite, no fim do dia eleitoral em Angola, o porta-voz do MPLA, Rui Falcão, disse que "felizmente o país está numa situação diferente" das votações de 1992 e 2008, "as instituições cumpriram cabalmente os seus deveres e a UNITA não teve outra alternativa senão recuar" na ideia de não se apresentar a votos.
 
"A resposta foi dada hoje", afirmou Rui Falcão, em referência à afluência às urnas.
"Perante a evidência, o presidente da UNITA declarou que tomou a decisão mais difícil da sua vida", lembrou, esperando que, "em consciência essa decisão tenha sido de votar no MPLA, que é o partido certo para o futuro de Angola".
 
O líder do maior partido de oposição, Isaías Samakuva, disse hoje de manhã que tenciona impugnar as eleições gerais em Angola, devido às "muitas irregularidades" do processo eleitoral, depois de ter recuado na noite de quinta-feira da decisão de não se apresentar a votos, na decisão "mais difícil" da sua vida.
 
"É a continuação da estratégia. A UNITA não se preparou porque acreditou que podia boicotar o processo", afirmou Rui Falcão,
 
"A atitude da UNITA até ontem [quinta-feira] pode ter redundado num mau resultado eleitoral, que aliás eles já previam", disse o porta-voz do MPLA, acrescentando que o partido da oposição "vai continuar a fazer a sua estratégia, levá-la até às últimas consequências e tentar a impugnação".
 
No início do encontro com os jornalistas, Rui Falcão leu uma declaração do Bureau Político do MPLA, na qual apresenta "o seu mais vivo reconhecimento pelo trabalho" da Comissão Nacional Eleitoral (CNE)" e afirma que "aceitará qualquer resultado ditado pelo povo".
 
"A todos os cidadãos eleitores", lê-se na mesma declaração, "o MPLA reitera a sua disposição de continuar a trabalhar no sentido de eliminar a fome, reduzir substancialmente a pobreza e conduzir o país para o desenvolvimento".
 
"O resto são episódios", disse Falcão, na fase de respostas aos jornalistas, "de partidos que não se transformaram efetivamente em partidos políticos, não tiveram essa capacidade ainda", acusando-os de "viver da mentira, falaciosa às vezes, da falta da dignidade própria" e de tentar "macular o que os outros fazem".
 
O porta-voz do partido maioritário admitiu a existência "de dificuldades" no processo conduzido pela CNE, nomeadamente em relação ao credenciamento dos delegados dos partidos nas mesas de voto, uma das principais queixas da UNITA e de outros partidos de oposição.
 
"É preciso sermos sérios e honestos e dizer que esses partidos que hoje reclamam ainda ontem [quinta-feira] estavam a entregar listas para credenciamento na CNE", assinalou Falcão, acrescentando que" todos os membros envolvidos na organização do processo eleitoral tiveram uma atitude gigantesca" e que o dia de hoje "catapulta Angola para os países mais organizados do continente africano".
 
"Não devemos arcar ou transmitir para a CNE aquelas que são as nossas responsabilidades, a nossa incapacidade de organizar os nossos partidos para participar num pleito como este", disse ainda. "Infelizmente foi o que aconteceu com alguns partidos".
 
HB.
 
*O título nos Compactos de Notícias são de autoria PG
 
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