quinta-feira, 12 de julho de 2012

A AMPLA CIDADE



Rui Peralta
 
Israel
 
Entre 1967 e 1994, um período de 27 anos, Israel despojou dos seus direitos de residência mais de 100 mil pessoas em Gaza e cerca de 150 mil na Cisjordânia. O diário Haaretz publicou que 250 mil palestinianos saídos dos territórios ocupados haviam sido impedidos de voltar, pelas autoridades israelitas. O crescimento populacional nos territórios palestinianos é de uns 3% mas as políticas de expulsão sistemática reduziram a população em mais de 10%, a maioria dos quais são estudantes, licenciados e profissionais liberais que saíram do país para trabalhar no estrangeiro, em particular nos países do Golfo. Esta informação sobre dados referentes ao direito de residência, publicado no Haaretz, foi uma exigência de direito de informação feita pelo Centro para a Defesa do Individuo, HaMoked.
 
O Bureau para a Coordenação das Actividades do Governo, informou que cerca de 45 mil palestinianos de Gaza perderam o seu direito á residência devido a terem estado ausentes da região por mais de 7 anos e cerca de 55 mil por não estarem presentes durante o censo de 1981 e mais 7 mil por não estarem presentes no censo de 1988. O informe explica que cerca de 15 mil pessoas que perderam a sua residência têm no mínimo 90 anos.
 
Os palestinianos da Cisjordânia que viajem ao exterior têm de deixar os seus documentos de identidade na fronteira, concedendo-lhes um visto de 3 anos, renovável por 3 vezes, por períodos de um ano. No entanto são muitos os casos em que 6 meses antes de terminarem as permissões de ausência no exterior, os palestinianos são despojados da sua residência sem sequer serem notificados. Desconhece-se a quantidade de palestinianos que têm sido expulsos através deste “erro” burocrático, mas segundo diversas organizações israelitas e palestinianas, este número deve ascender a milhares de casos.
 
Ausência
 
Sinto o tempo fugir, tornando-se num bem raro, esvaziando-se, sempre a ir e cada vez mais e mais caro. Sinto ser tempo de partir, de não mais voltar, de não mais omitir, de por ti não mais esperar. Sinto que o tempo já não sente, que talvez deus faça presente um eterno adeus...
 
Confederaçäo Helvética
 
Nestlé, Syngenta, Danzer, Triumph, Holcin, Xstrata, Glencore…tudo transnacionais de bandeira helvética, famosas no mundo inteiro, que movem-se com total impunidade. As filiais no estrangeiro destas empresas violam em diversos países da América Latina, África e Ásia, direitos humanos e ambientais, sem qualquer sanção para as empresas mãe, instaladas na Confederaçäo Helvética.
 
No ano passado cerca de meia centena de ONG, organizações de direitos humanos, ambientalistas e sindicatos, iniciaram uma campanha de mobilização, que incluiu uma petição, lançada em Novembro de 2011, exigindo a definição de regras jurídicas para a actuaçäo das ditas transnacionais, obrigando-as ao cumprimento das suas responsabilidades no âmbito dos direitos humanos e ecológicos, com as mesmas exigências que cumprem no território helvético. Em apenas 7 meses, 135 mil 285 assinaturas ratificaram tal iniciativa, que foi apresentada às autoridades helvéticas no passado mês de Junho. Com 8 milhões de habitantes, a Confederaçäo Helvética conta com a maior concentração mundial de empresas transnacionais em relação á população. Esta petição faz referência ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que em 2011 aprovou por unanimidade os princípios da ONU referentes às obrigações das multinacionais em relação aos direitos humanos e ambientais, que preconizam a obrigação dos estados em proteger os direitos humanos inclusive frente às violações cometidas pelas empresas.
 
A Campanha “Direitos Sem Fronteiras” não resume-se apenas á petição popular. Está em curso a segunda fase da campanha, passando as atenções a estarem centradas na pressão ao parlamento, para que o poder legislativo helvético debata mecanismos de controlo do comportamento e actuaçäo das multinacionais helvéticas no exterior. Seis deputados, de diversos partidos políticos, apresentaram iniciativas parlamentares referentes a esta matéria.
 
A plataforma Direitos sem Fronteiras realizou nos últimos meses centenas de actividades públicas, concentrações, manifestações, comícios, encontros, seminários e palestras, para além de diversas acçöes solidárias com comunidades e s\sindicatos, como aconteceu num recente caso no Peru que envolveu a multinacional helvética Xstrata. A pequena comunidade de Espinar, no Cuzco peruano, mobilizou-se contra a exploração indiscriminada de uma mina de cobre por parte da Xstrata e contra a poluição das águas vizinhas, provocada pelas actividades desta multinacional. Os protestos da comunidade foram duramente reprimidos pelas autoridades peruanas mas os ecos do seu protesto fizeram-se sentir em toda a Europa.
 
Entretanto a Xstrata e a Glencore (outro gigante helvético do sector mineiro), enquanto os camponeses de Espinar eram reprimidos e detidos, anunciaram o processo de fusão. Entre ambos contam com activos equivalentes a 40% do PIB helvético.
 
Ausência
 
Falei com Osíris sobre o silêncio unilateral da angélica musa. A conversa foi no arco-íris por cima da água difusa do mar sem sal. "Continua" diz a voz do Egipto lunar "descreve-lhe a mágoa tua sem nunca parar".
 
Colômbia
 
Está em marcha, desde á muito, uma estratégia que, segundo os seus “cérebros” (o ex-presidente Uribe e o seu ministro da defesa Juan Manuel Santos, com a assinatura de Washington por detrás, renovada pela actual administração yankee) representa a chave para o “conflito colombiano”. Uribe passou a pasta a Santos, que é hoje o presidente e o golpe de ilusionismo continuou, sendo apresentadas um conjunto de leis e algumas reformas complementares, num pacote intitulado Ponto Final.
 
Acontece que este Ponto Final tem tido uma atribulada vida legislativa, cheia de pormenores confusos tipo as sequencias dos filmes mudos, do tempo em que o cinema não tinha som. A paz proposta por Santos (ministro da defesa de Uribe) revela-se um ponto final na carreira de muitos dos apoiantes de Santos (presidente). Por exemplo: foi um ponto final na carreira do vice-presidente Angelino, um ex-comunista e católico (tipo cristão novo) que apoiou convictamente Santos e que acabou por ter uma trombose que danificou-lhe o cérebro (Parece que o homem queria chegar á OIT, a Organização Internacional do Trabalho, mas, tal como no cinema mudo, as peripécias desta história permanecem confusas e ninguém sabe se era para rir ou para chorar). Foi também um ponto final para o Congresso, de maioria santista, que acabou por aumentar o seu descrédito, tal foi o afã em tentar fazer da legislação para a Paz, um emaranhado de impunidade em que o beneficiário são os congressistas de Santos. Ponto final, também, para os partidos da Unidade Nacional, santista, que apoiaram de forma massiva e entusiasta a impunidade deles próprios. E depois vem o ponto final ao ponto final, ou seja o ponto final parágrafo: a proposta de Uribe (?). Os seus porta-vozes acabam de anunciar que o actual processo legislativo necessita de “refazer” a Constituição e apresentarão no dia 20 deste mês um projecto que convoca a Assembleia Constituinte.
 
Com o fim da actual constituição de 1991, que já demonstrou em inúmeras ocasiões a sua falência – pelos vistos até para a oligarquia – abrem-se dois caminhos: 1) uma constituição que satisfaça os desejos totalitários da oligarquia; 2) uma constituição democrática que crie as condições necessárias á realização do processo de paz.
 
Óbvio que para os uribistas o primeiro caminho é o preconizado. Poderiam colocar um ponto final às amarras e impedimentos constitucionais a que o caduco modelo actual os obriga. Mas para a Colômbia só resta o segundo caminho, o de uma oferta de paz digna, mediante uma trégua bilateral, a discussão de uma agenda mínima que permitisse apresentar a referendo popular uma Constituição democrática que consignasse uma Colômbia em progresso, porque em paz.
 
Ausência
 
O teu nome vou proclamar por toda a lua, por todo o mar, até ter resposta tua.
 
India
 
A era em que tudo é privatizável faz da economia indiana uma das economias de maior e mais rápido crescimento do mundo. Mas fez outra coisa. Permitiu realizar um dos maiores sonhos coloniais: a exploração desmedida de minerais, o que proporciona às megacorporações da India – Tatas, Jindals, Essar, Reliance, Sterlite – a realização do sonho do capitalismo: vender o que não é preciso comprar.
 
Outra fonte de riqueza do capitalismo indiano é a terra. E aqui os “patrióticos” homens de negócios da India fazem questão em aliar-se às grandes transnacionais do agronegócio, aos mercadores carroceiros da Wall Street e aos chineses bilionários, numa grande marcha para a posse das terras, ou seja, para despojar milhões de camponeses das suas terras, em nome do “interesse publico” e do “crescimento económico”. É assim que a propriedade da terra passa de mãos. Transformam-se em Zonas Económicas Especiais, projectos de infraestructuras, fábricas e linhas de montagem de viaturas, ou unidades de processamento de químicos, petroquímicos, crateras da exploração mineira, campos de golfe e de cricket, ou autódromos de Formula 1. Às populações locais, despojadas, transferidas para outros lugares, é feita a promessa de criação de empregos. A promessa, mas nada mais. Como sabemos a célebre relação entre crescimento do PIB e empregos é um mito, um conto de fadas para entreter os pobres. Após 20 anos de “crescimento”, 60% da força de trabalho da India vive por conta própria, de forma precária e 90 % da sua força de trabalho vive com baixo salário e sem garantias de renovação de contracto, sendo o futuro sempre uma incerteza.
 
Na India de hoje quem falar de reforma agrária, distribuição de terras, direitos das comunidades, é considerado um perigoso lunático e “antidemocrata”. Pouco importa que milhões de sem terra, maioritariamente Dalits e adivasis, vagueiem pelos campos, ou vivem nos arredores nauseabundos das cidades. Eles não pertencem á Nova India. Á nova India do capitalismo brics pertencem os multibilionários, os funcionários corruptos, os políticos que trabalham para os multibilionários, os deputados, enfim as camadas putrefactas de um sistema generalizado de corrupção em que o modelo é o dinheiro fácil e tudo o resto é dispensável. Aliás os escândalos e as historietas de negócios e falcatruas são um tema corrente nos media indianos, que os apresentam como se fossem filmes de Bollywood. Durante a fase privatizações cada sector privatizado era uma novela musicada. Foi por demais conhecida e badalada os escândalos em torno das telecomunicações, durante o Verão passado, sobre as licenças para a exploração da 2G que englobaram mais de 40 mil milhões de USD em esquemas, espionagem, lobbys, funcionários corruptos, ministros comprados, canais de TV e jornalistas, enfim uma autentica ópera-bufa, ao bom velho estilo dos filmes indianos. Claro que tudo acabou em bem e hoje estão todos muito felizes, uns porque fazem dinheiro em grandes quantidades, outros porque receberam grandes quantias.
 
Mas nem sempre corre assim. A privatização do espectro telefónico não envolve guerra, devastação ecológica e desalojamentos. Ao privatizar as montanhas, os rios e as florestas, os responsáveis indianos criaram uma trágica situação de miséria e revolta. Com a agravante que esta é uma privatização cujos dramas não chegam aos ouvidos das classes médias urbanas, o que deixa as mãos livres aos funcionários corruptos e às negociatas incontroladas entre o estado e os interessados. Em 2005 os governos dos estados de Chhattisgarth, Orissa e Jharkland assinaram centenas de memoranduns de entendimento com inúmeras corporações privadas, em projectos que envolviam largos milhares de milhões de USD, talvez biliões, em torno de bauxite, ferro e outras riquezas minerais. O que caracteriza estes memoranduns é o facto de serem, todos eles, lesivos aos interesses públicos. Por exemplo as royalties para o sector publico rondariam entre os 0.5% e os 7%, o que deixa muitos partidários do free market a coçar a cabeça de como é que isso é possível.
 
Alguns dias depois das assinaturas dos memoranduns o governo do estado de Chhattisgarh, preocupado com um projecto da Tata Steel para a implantação de uma unidade integrada para processamento de aço, em Bastar, criou uma milícia paramilitar a Salwa Judum, encarregada de vigiar e reprimir as guerrilhas na floresta. Estas milícias são armadas e alimentadas pelo governo e subsidiadas pelas corporações. O sistema das milícias paramilitares foi adoptado por outros estados da “cintura mineira” e o primeiro-ministro anunciou que “não haveria piedade no combate às guerrilhas”. Em Janeiro de 2006, em Kalinganagar, no estado de Orissa, a policia reprimiu violentamente um protesto de aldeões contra outro projecto da Tata Steel, abrindo fogo sobre os aldeões, resultando 13 mortos (1 policia) e 37 feridos. No estado de Chhattisgarh as milícia paramilitares raptam e assassinam centenas de aldeões nas florestas e são responsáveis pelas evacuações de 600 aldeias, forçando cerca de 50 mil pessoas a irem para os campos da policia e cerca de 350 mil a aguardarem alojamento. O governador deste estado avisa que quem não cumprir com as ordens de evacuação será considerado um “terrorista maoista”.
 
Fontes
Sergio Ferrari; Que las trasnacionales violadoras de derechos humanos y ambientales sean sancionadas; http://www.rebelion.org
Alberto Pinzón Sánchez; Constituyente fascista o Constituyente para una paz democrática; http://www.rebelion.org
Arundhati Roy; Capitalism: A Ghost Story; http://www.zcommunications.org

ONGs PEDEM A FMI QUE ESCRUTINE MELHOR CONTAS ANGOLANAS




A Human Rights Watch, a Open Society e o Revenue Watch Institute dizem que é preciso clarificar a derrapagem verificada nas despesas públicas angolanas, justificada pelas autoridades com projetos da Sonangol.

As três organizações não governamentais querem mão firme por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação às despesas de Luanda. Esta quarta-feira (11.07.2012), escreveram ao FMI para exigir uma auditoria aos cerca de 42 mil milhões de dólares das receitas de petróleo que o governo angolano gastou, alegadamente, em projetos ligados à petrolífera estatal Sonangol.

Elias Isaac, da Fundação Open Society em Angola, acusa a petrolífera de funcionar como “um instrumento de pagamentos das despesas do governo angolano”, instando-a a comportar-se como empresa do Estado. “Os milhões de dólares que a Sonangol geriu para fazer os pagamentos do governo angolano deveriam ser bem auditados ou melhor auditados”, critica, exigindo mais fiscalização por parte do FMI.

As autoridades angolanas atribuem os gastos de dezenas de mil milhões de dólares nos últimos cinco anos a projetos de infraestruturas financiados pela Sonangol. No entanto, dizem as organizações, a empresa ainda não explicou a natureza das operações, feitas entre 2007 e 2011.

“O que está em causa é a forma como o governo angolano respondeu ao FMI”, afirma Elias Isaac, lembrando que, apesar de Luanda ter dito que os dinheiros foram gastos em vários projetos, estes não foram auditados para se poder verificar se a verba foi realmente canalizada para esses projetos. “Foi uma justificação muito generalizada que o FMI aceitou, mas sem pôr em ação um dispositivo ou um sistema de verificação desta informação”, sublinha.

Discrepância detetada já em 2011

Em 2011, um relatório do FMI revelava já uma discrepância de 32 mil milhões de dólares nas contas públicas. Segundo o Fundo, de janeiro a outubro de 2011, a Sonangol ganhou 22,7 mil milhões dólares, mas só transferiu 5,2 mil milhões de dólares para o tesouro nacional, ou seja, “apenas cerca de um quarto das receitas do petróleo.”

Além de uma comissão 2,3 mil milhões de dólares, a empresa também ficou com 7,7 mil milhões de dólares para se “reembolsar” a si própria pelos gastos em nome do governo.

Confrontado com este relatório do FMI, o governo angolano prontificou-se a clarificar o uso destes fundos e a pôr um fim ao gasto das receitas de petróleo por parte da Sonangol.

No entanto, de acordo com as organizações, ainda não há detalhes sobre as operações. Para a Human Rights Watch, a Open Society e o Revenue Watch,, o uso não registado de dezenas de mil milhões de euros que pertencem ao tesouro público é “inaceitável”.

Mais transparência nas contas

As ONGs apontam o dedo ao Fundo Monetário e exigem mais transparência nas contas. “O FMI deu boas notas às autoridades angolanas pela melhoria da transparência e da responsabilização, mas a informação tornada pública é demasiado vaga para ser uma explicação credível”, criticam as três organizações na carta enviada ao FMI.

“O FMI está mais interessado em fazer negócios do que a promover princípios e valores de transparência e boa governação com os vários países com os quais faz negócios”, afirma Elias Isaac. “Os projetos devem ser bem identificados e bem quantificados e deve ser feita uma avaliação in loco”, defende.

Esta quinta-feira (13.07.2012), o conselho executivo do FMI reúne-se em Washington para discutir Angola, no âmbito da avaliação anual que faz dos países membros do fundo. A Human Rights Watch, a Open Society e o Revenue Watch Institute insistem numa auditoria independente aos gastos do governo angolano.

Autora: Maria João Pinto - Edição: Madalena Sampaio/António Rocha

“O ESCOLHIDO DE DEUS”!




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Para mim é novidade. José Eduardo dos Santos é o “escolhido de Deus”? E eu a pensar que ele próprio era o Deus…

Segundo o Jornal de Angola (JA), órgão oficial do regime do “querido líder”, nome herdado do velho amigo e aliado Kim Jong-il, José Eduardo dos Santos foi a figura africana do ano de 2011.

Segundo o Alto Hama, José Eduardo dos Santos é a figura mundial do ano de 2012. Se ele foi “escolhido por Deus”, não serei eu que como simples mortal vai dizer o contrário.

Para um regime que tem nas suas estruturas militares um Chefe do Estado Maior General Adjunto, general Egídio Sousa Santos, cujo pelouro é a Educação Patriótica das Forças Armadas Angolanas, não está nada mal ser o “escolhido por Deus”. De facto nem Kim Jong-il fez melhor. Não passou de “querido líder”.

Diz o JA que a distinção do presidente, não eleito e há 33 anos no poder, se deve ao facto de ele ter sido “o líder de um ambicioso programa de Reconstrução Nacional”, de a “sua acção ter conduzido à destruição do regime de “apartheid”, de ter “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, de “a sua influência na região do Golfo da Guiné ter permitido equilíbrios políticos, tal como permitiu avanços significativos na crise de Madagáscar”.

Creio que tanta bajulação, ainda por cima acéfala, até envergonhou o próprio dono de Angola. Mas se o regime é assim, se Eduardo dos Santos é o MPLA, se o MPLA é Eduardo dos Santos, se Angola é o MPLA e o MPLA é Angola, estava quase tudo dito. Quase porque faltava - o que é uma falha grave do JA – dizer o que agora é reconhecido e promulgado pela comunidade religiosa.

Ainda não há muito tempo que o mesmo JA escrevia que “Angola já foi um país ocupado por forças estrangeiras”, acrescentando que, “se por hipótese hoje Angola fosse a Líbia, o país estava novamente a atravessar um período de grande instabilidade e perturbação. Mas como o tempo não recua, Luanda é uma cidade livre”.

Tem, mais uma vez, toda a razão. Como Angola não é a Líbia, embora José Eduardo dos Santos seja uma cópia de Muammar Kadafi, de quem aliás era íntimo amigo, ainda falta algum tempo até que o Povo derrote o ditador. Veremos os sinais que vão sair das urnas no dia 31 de Agosto.

“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”) estava a ser cercada militarmente e bombardeada por uma aliança militar e submetida a todos os outros membros dessa organização bélica, que tinham escolhido para presidente de um qualquer CNT um “rapper” com nome de oxigénio, devidamente ajudado por outro com apelido de marechal”, diz o JA do alto da sua cátedra de correia de transmissão de um regime que colocou o país no topo do mais corruptos do mundo (Deus saberá disso?).

Mas é bom registar e relembrar as afirmações do JA. Desde logo porque, como sempre acontece nas ditaduras, ainda vamos ver os mesmos protagonistas embandeirar em arco quando Eduardo dos Santos passar de bestial a besta.

“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”), continua o JA, a esta hora as grandes petrolíferas estrangeiras estavam a roubar milhões de barris de petróleo por dia de Angola, antes que a resistência dos angolanos os impedisse de continuar o roubo. E os aviões da aliança, com a carta branca da Organização das Nações Unidas, estavam a despejar bombas sobre as nossas cidades, para proteger os civis do CNT”.

O pasquim, dirigido por José Eduardo dos Santos através dos autómatos José Ribeiro e Filomeno Manaças, esquece-se que Angola rouba milhões de barris de petróleo por dia ao povo da sua colónia de Cabinda. Mas lá chegará a altura em que os angolanos os vão ver fora do pedestal.

“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”) não havia partidos políticos nem liberdade de imprensa e muito menos eleições democráticas. A bela Constituição da República de Angola era rasgada na Praça da Independência, donde já tinham tirado o monumento a Agostinho Neto, aos gritos e com raiva para as câmaras de televisão mundiais repetirem de hora a hora de maneira interminável”, escreve o órgão do MPLA na senda do seu irmão Pravda, que foi o principal jornal da União Soviética e um órgão oficial do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética entre 1918 e 1991.

Falar de democracia num país que têm 68 por cento de gente a viver na miséria, e que trata os jornalistas não afectos ao regime como inimigos, é o mesmo que dizer que os rios nascem no mar. E se o “escolhido de Deus” assim quiser, um dia isso vai acontecer.

“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”) este jornal não circulava e os seus jornalistas não se atreveriam a escrever estas verdades porque eram logo massacrados como estão a massacrar os negros em Tripoli e outras cidades líbias “libertadas” pela aliança militar”, considera o Pravda de Luanda.

Importa dizer, desde logo porque nem todas fomos (pelo menos por enquanto) comprados pelo regime, que o JA não tem jornalistas ao seu serviço. Tem, apenas isso, funcionários do partido que escrevem o que lhes mandam e que, em muitos casos, não assinam os textos porque ficaria mal em vez do nome colocar a impressão digital.

“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”), estávamos de novo a sofrer as investidas militares de regimes estrangeiros aliados a uma frente de oportunistas e intriguistas que procuram ignorar quem combateu e deu tudo pela concórdia e harmonia entre os angolanos”, afirma o órgão de propaganda do regime.

Por regra, o JA sentia um orgasmo especial em atacar os poucos jornalistas portugueses que ainda não foram comprados pelo regime angolano. Mas até isso acabou… está em vias de acabar.

Tem, obviamente, todo o direito de o fazer. Para o pasquim do MPLA, “os órgãos de comunicação social portugueses, salvo raras excepções, em vez de reflectirem a realidade portuguesa e europeia, andam entretidos a intrometer-se na política angolana”. Pois é, mas até esses arrepiaram caminho em direcção aos dólares da Sonangol.

Ainda bem que, pelo sim e pelo não, o JA esclarece o âmbito em que devem actuar os media portugueses. Ficam assim a saber que podem falar de Angela Merkel mas que, pelo contrário, não devem ousar escrever sobre o mais lídimo e sublime representante de Deus na terra, de seu nome José Eduardo dos Santos.

Diz o JA, reflectindo aliás a velha cartilha dos tempos (mesmo hoje a diferença é pouca) do partido único, que “os mentores desses exercícios de colonialismo retardado têm a mesma origem de sempre mas deixam de fora o rabo de quem lhes paga os disparates sem sentido.”

Neste aspecto, reconheço, o JA tem toda a razão. Não fala do colonialismo angolano praticado em Cabinda porque, presumo, considera que Cabinda não pertence a Angola. Quanto ao rabo, é verdade que no caso do Jornal de Angola tal não se aplica… embora ainda se notem as marcas.

Diz o órgão oficial do MPLA: “Se um jornal angolano escrevesse um editorial a sugerir que o presidente Cavaco Silva não se candidatasse ao segundo mandato porque foi dez anos Primeiro-Ministro e fez mais cinco na Presidência, o alarido em Lisboa era tal que até a Ponte 25 de Abril vinha abaixo, como já caiu fragorosamente a revolução dos capitães”.

Brilhante. Esquece-se o JA que, ao contrário do reino do seu mentor, Cavaco Silva - seja como primeiro-ministro ou presidente – sempre foi eleito. Eu sei que a democracia “made in MPLA” não implica, antes pelo contrário, que seja necessário haver eleições. Aliás, não faria sentido eleger quem é o “escolhido de Deus”.

“Se em Angola algum órgão de informação ousasse escrever que Alberto João Jardim não deve concorrer a um novo mandato de presidente do Governo Regional da Madeira, o alarido em Lisboa era tal que o edifício da Caixa Geral de Depósitos ruía, como está em ruínas o sistema financeiro europeu e a Zona Euro ameaça derrocada”, diz e muito bem o boletim oficial do regime.

Esquece-se, mais uma vez, que também Alberto João Jardim foi eleito, ao contrário do sumo pontífice do MPLA, que está no poder há 33 anos sem nunca ter sido eleito.

“O Presidente José Eduardo dos Santos não governa há 33 anos. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos”, escreve o JA, repescando as regras dos áureos tempos em que se impunha que o povo é o MPLA, o MPLA é o povo.

“José Eduardo dos Santos foi o líder militar que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado. José Eduardo dos Santos só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos”, recorda com a sua habitual perspicácia o JA.

Penso que, neste aspecto, bem poderia ser menos modesto. É que foi graças a José Eduardo dos Santos que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar…

“Os media portugueses pelo menos deviam reconhecer o que José Eduardo dos Santos tem feito para que os portugueses não vão ao fundo com a crise. Eles mais do que ninguém deviam propor o seu nome para Prémio Nobel da Paz”, salienta com raro sentido de oportunidade o Jornal de Angola.

Tem, mais uma vez, razão. A Oferta Pública de Aquisição lançada pelo regime angolano (que é o mesmo que dizer MPLA ou José Eduardo dos Santos) sobre Portugal está a ter êxito, calculando-se por isso que o reino lusitano não tarde a ser mais uma das províncias de Angola.

Também concordo que Eduardo dos Santos merece o Prémio Nobel da Paz. E, já agora, o Jornal de Angola merece – no mínimo – o Prémio Pulitzer.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: RELVAS AMIGO, OS DOMESTICADOS ESTÃO CONTIGO!

Portugal: EX-REITOR DA LUSÓFONA “PUXADO” PARA CARGO SUPERIOR



Expresso

No momento em que deixa a reitoria da Lusófona do Porto, instituição agradece a Fernando Santos Neves "a excelente colaboração prestada" e nomeado para o conselho superior do grupo.

Depois de abandonar o cargo de reitor da Universidade Lusófona do Porto (ULP), Fernando Santos Neves vai presidir ao Conselho Superior Académico do "Grupo Lusófona".

A nova função, para cujo desempenho a direcção da Cooperativa de Formação e Animação Cultural, c.r.l. (entidade titular da Lusófona) formula "votos de muito sucesso", consta de uma ordem de serviço datada de ontem.

A direcção faz ainda um agradecimento ao ex-reitor pela "excelente colaboração prestada (...) a qual guindou a ULP ao mais alto prestígio, no âmbito da Academia, da Sociedade Portuense e até do Noroeste Peninsular".

O Grupo Lusófona compreende os estabelecimentos de ensino superior nos vários países de língua portuguesa.

Para nova reitora da ULP foi escolhida Isabel Maria Perez da Silva Babo Lança, docente que já colaborava com a Universidade, que é licenciada em Filosofia, com doutoramento em Sociologia.

Lusófona substitui na reitoria do Porto professor que validou equivalências de Relvas



Jornal de Notícias

O reitor da Universidade Lusófona do Porto, Fernando Santos Neves, responsável pela atribuição das equivalências na licenciatura do ministro Miguel Relvas, foi substituído no cargo por Isabel Lança.

O professor Santos Neves foi substituído no início da semana pela professora Isabel Lança que já colaborava connosco", revelou à Lusa Manuel Damásio, representante da administração da Cofac, entidade que criou a Lusófona, e filho do atual administrador da Universidade.

Manuel Damásio acrescentou que o mandato de Fernando Santos Neves "só terminaria daqui a uns tempos", insistindo que a substituição no cargo de reitor nada tem a ver com o processo de licenciatura de Miguel Relvas em Ciência Política e Relações Internacionais.

O responsável disse ainda que Santos Neves, co-fundador e primeiro Reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, continuará a colaborar com a instituição.

Fernando Santos Neves foi o professor que assinou, em 2006, o despacho que atribuiu as equivalências que permitiram ao ministro frequentar apenas quatro das 36 disciplinas para concluir a licenciatura.

Na altura, Santos Neves era o presidente do Conselho Científico do Departamento de Ciências Socias e Humanas.

O caso da licenciatura do ministro Miguel Relvas começou a dar polémica há cerca de duas semanas por causa do número de equivalências que obteve na Universidade Lusófona.

De acordo com o processo do aluno que a Lusófona disponibilizou para consulta na passada segunda-feira e que a Lusa consultou, foram atribuídos 160 créditos ao aluno Miguel Relvas no ano letivo 2006/2007.

Com as equivalências atribuídas pela Universidade, Relvas apenas teve de fazer quatro disciplinas semestrais - Quadros Institucionais da Vida Económica Politica e Administrativa (3.º ano , 2.º semestre), Introdução ao Pensamento Contemporâneo (1.º ano, 2,º semestre), Teoria do Estado da Democracia e da Revolução (2.º ano, 1.º semestre) e Geoestratégia, Geopolítica e relações Internacionais (3.º ano, 2.º semestre).

No mesmo dia, o administrador da Universidade Lusófona, Manuel Damásio, reconheceu que "nenhum processo" teve tantos créditos concedidos por via da experiência profissional como o do ministro Miguel Relvas, considerando que se trata de "um currículo muito rico".

Manuel Damásio disse ainda que, desde 2006, altura em que entrou em vigor a reforma de Bolonha, a Universidade Lusófona avaliou 89 processos de alunos que pediram equivalências de créditos invocando a sua experiência profissional e pessoal.

PORTUGAL PASMADO




José Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião

A crise que vivemos em Portugal é, para lá das suas características bem conhecidas e do seu evidente carácter global e sistémico, uma aguda crise das elites, tanto no plano moral como intelectual. E de todas as elites, sejam elas políticas ou jornalísticas, financeiras ou universitárias.

No plano moral, isto ressalta claramente da ascensão do "xico-espertismo" em todos os tipos de poderes, sem exceções. No plano intelectual, isto revela-se no esgotamento do modelo que condicionou as opções políticas da última década (e não só), que resiste e persiste apesar de todas as denúncias, críticas e lamentações.

Um penoso retrato desta situação tem sido dado, tanto pelas novelas que se repetem sobre as falcatruas de percursos académicos de altos responsáveis políticos, como pelos casos de contumazes plágios de "senadores" da República que, apesar das cumplicidades de que beneficiam, lá se vão descobrindo. E a procissão ainda só vai no adro!...

No momento em que se avalia o "estado da Nação", Portugal olha assim pasmado para um deplorável espetáculo em que a contínua exortação do rigor, da eficiência e da competitividade se misturam com a inverosímil multiplicação de sinais em sentido contrário: de despautério, de ignorância e de amoralidade.

É desolador. Sobretudo porque, para lá das heranças e do que tem que ser feito, a margem de manobra é muito superior ao que se faz crer, há muito que devia e podia ser feito. Paulo Portas parece ver isto, percebendo que no mundo da globalização só é possível compensar a perda de capacidade e de poder no interior com estratégias ousadas no exterior.

Vivemos de facto uma crise nova, que exige uma nova compreensão do mundo. E esta passa por perceber que, como explica Marcel Gauchet, se vive uma crise de crescimento da própria democracia. A tese nuclear de Gauchet (que o leitor pode encontrar no pequeno mas precioso livro que a Editorial Estampa acaba de publicar em português com o título A Democracia entre Duas Crises) é que, historicamente, a democracia se estruturou em torno de três polos, o político, o direito e a história. O político emergiu com o Estado nação e consagrou o poder de cada comunidade se governar a si própria. O direito veio garantir a crescente preponderância dos indivíduos, a ponto de ser a partir dele que se pensa (ou não) o próprio coletivo. E a história correspondeu à viragem da tradição para o futuro, abrindo-a à mudança e organizando a sua própria transformação.

Se as dificuldades atuais configuram uma crise "de crescimento" da própria democracia, é porque a harmonia entre estas vertentes deu progressivamente lugar a um aceso atrito entre elas, com todas a procurarem impor-se "a solo", com exclusão das outras. E ao fazê-lo desencadeiam tensões que expõem as sociedades às aventuras mais imprevisíveis, como já aconteceu no século XX com a primeira crise de crescimento da democracia, que conduziu à irrupção dos diversos totalitarismos, por um lado, e à formação das democracias liberais, por outro.

A nova crise de crescimento que agora vivemos consiste em que, diz M. Gauchet, "por um lado, a legitimidade democrática penetra irresistivelmente na realidade dos factos e impõe o reino das massas, enquanto, por outro lado, esta progressão teórica da autonomia, garantida pelo poder através do sufrágio universal, longe de conduzir a um efetivo autogoverno, leva na prática a uma perda de controlo coletivo" (p. 33).

E acrescenta: "O regime parlamentar revela-se pois simultaneamente enganador e impotente; a sociedade, atormentada pela divisão do trabalho e pelo antagonismo das classes, dá a impressão de se desunir; a mudança histórica, ao mesmo tempo que se generaliza, acelera-se, amplifica-se, subtrai-se a todo e qualquer controlo. No próprio momento, por conseguinte, em que os homens deixam de poder ignorar que são eles quem faz a história, são forçados a admitir que não sabem que história é que fazem. Obtiveram a sua completa liberdade enquanto atores, mas foi apenas para mergulharem no caos e na impotência face a si mesmos." Surge por isso a dúvida sobre se não se terá desembocado numa sociedade insustentável.

Nos anos 40/50 do século passado construiu-se na Europa uma síntese que se revelou durante algumas décadas prodigiosamente eficaz, ao conseguir harmonizar o papel do Estado, a afirmação do indivíduo e o sentido da história. Mas esta síntese traria com ela um conjunto de problemas de que só muito mais tarde haveria uma consciência clara, nomeadamente pela irrupção de um agudo desequilíbrio entre aqueles três fatores, agora a favor do direito, que conduziu a uma "entronização majestática" do indivíduo e dos seus direitos.

Toca-se aqui no ponto central da fragilização das democracias contemporâneas, colocando-as perante responsabilidades que parecem esquecidas. Marcel Gauchet, que é um pensador muito atento à realidade concreta da política contemporânea, tem chamado bem a atenção para este ponto nas suas intervenções públicas, nomeadamente depois da mudança presidencial de maio passado, em França.

E tem-no feito insistindo muito num aspeto que comecei por referir: a crise em curso é uma crise das elites, no sentido em que, como explicou numa recente entrevista ao Le Nouvel Observateur, ela "é uma crise do modelo intelectual que condicionou todas as políticas públicas dos últimos trinta anos. As conceções da economia e da sociedade que se traduziram nas reformas do Estado e nas regras do funcionamento da Europa face à globalização foram radicalmente postas em causa. Uma situação excecional que dá uma excecional responsabilidade ao poder socialista, que está condenado a ser particularmente inventivo se não quiser falhar" - e o inventivo, em política, exige não só a novidade, mas também a sua combinação com a eficácia na resolução dos problemas.

CRISE ABALA FÉ NO CAPITALISMO, MAS NÃO ENTRE OS BRASILEIROS




José Antonio Lima – Carta Capital - foto Yasuioshi Chiba / AFP

Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew, dos Estados Unidos, mostra como a crise econômica mundial tem abalado a crença de que o capitalismo é o melhor sistema para se viver. O levantamento do Pew, feito com 26 mil pessoas em 21 países entre março e abril, revelou que no mundo desenvolvido, mais afetado pela crise, o apoio ao capitalismo vem ruindo. Ao mesmo tempo, os brasileiros despontam como um dos principais entusiastas do sistema.

O Pew mede o apoio ao capitalismo questionando os entrevistados em que medida eles concordam com a frase “as pessoas estão bem numa economia livre mercado, mesmo que existam alguns pobres e alguns ricos”. Em 13 dos 21 países, 50% ou mais das pessoas responderam favoravelmente. Entre os oito onde a maioria “rejeita” o capitalismo estão a Espanha (47% apoiam) e a Grécia (44%), duas das nações mais afetadas pela crise.

As piores margens de apoio estão no Japão (38%) e no México (34%). Dos 21 países, 16 já haviam sido pesquisados pelo Pew anteriormente. Em nove desses 16 país o apoio ao capitalismo vem caindo. O maior declínio foi verificado na Itália (23 pontos percentuais) e na Espanha (20 pontos).

No Brasil, entretanto, as coisas são diferentes. Três em cada quatro pessoas entrevistadas no País disseram concordar com a frase “as pessoas estão bem numa economia livre mercado, mesmo que existam alguns pobres e alguns ricos”. O resultado chama a atenção, uma vez que, em 2002 e 2006, ao eleger Luiz Inácio Lula da Silva, e em 2010, ao escolher Dilma Rousseff, os brasileiros colocaram no poder governantes que tinham no combate à desigualdade social uma de suas prioridades.

Trabalho duro implica em sucesso?

No Brasil também é alto o número de pessoas que creem na força do trabalho para explicar o sucesso. Dos entrevistados, 69% disseram acreditar que “é possível obter sucesso se a pessoa estiver disposta a trabalhar duro”. A margem de visões favoráveis a respeito desta frase só foi maior no Paquistão (81%), nos Estados Unidos (77%) e na Tunísia (73%).

Segundo o Pew, pessoas com sucesso econômico na vida tendem a crer que é o o trabalho que leva ao sucesso. Isso foi verificado nos levantamentos feitos no Reino Unido, na Rússia e no Egito, mas não no Brasil. Não houve, segundo o instituto, diferença significativa entre as respostas de ricos e pobres brasileiros a esta questão.

Tudo azul para os brasileiros

A pesquisa também detectou o otimismo do brasileiro com a economia, uma tendência que se repete em outras nações emergentes pouco afetadas pela crise, como China, Índia e Turquia. No Brasil, 65% disseram que a situação econômica do país é boa; 72%, que estão financeiramente melhor do que há cinco anos; 81%, que têm um padrão de vida melhor que de seus pais na mesma idade; e 84%, que o cenário econômico vai melhorar nos próximos 12 meses.

No Brasil, o Pew entrevistou 800 pessoas, e a margem de erro é de 5,1% pontos percentuais para mais ou para menos. No site do Pew é possível acessar a pesquisa completa, em inglês.


Brasil: Demóstenes, sem mandato, responderá a processos criminais na Justiça comum




Correio do Brasil, Brasília - com foto

A cassação do mandato de Demóstenes Torres, nesta quarta-feira, por 56 votos favoráveis e 19 contra, em Plenário, no Senado, é apenas um episódio a mais na longa descida do ex-parlamentar, que chegou a ser citado como paladino da moral pública na revista semanal de ultradireita Veja. Os representantes da publicação, dificilmente, escapam do chamado à explicação quanto as ligações mantidas com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, enquanto Demóstenes tende a encontrá-lo, no banco dos réus, em alguma corte da Justiça comum, no Estado de Goiás.

Ao defender a cassação do senador Demóstenes Torres (ex-DEM- GO) nesta manhã, durante a sessão do Senado destinada a julgar o pedido, o relator do processo no Conselho de Ética, Humberto Costa (PT-PE), enfatizou que Demóstenes mentiu em plenário para esconder sua relação com o empresário goiano Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Segundo Humberto Costa, além de participar da organização criminosa, Demóstenes atuou para proteger Cachoeira das investigações que estavam sendo feitas pela Polícia Federal.

– O senador participou inclusive do processo de proteção de Carlinhos Cachoeira. Há um diálogo que é o mais grave de todos. Vossa excelência diz que tem uma informação privilegiada e diz que vai haver uma operação. Essa operação não aconteceu porque era uma simulação – destacou o relator que reforçou que a atitude de Demóstenes ao avisar Cachoeira poderia ter custado a vida de policiais que estavam trabalhando na investigação. O senador ainda enumerou os presentes a Demóstenes dados por Cachoeira.

Humberto Costa reclamou de ter sido chamado de ficcionista, nos discursos feitos por Demóstenes na semana passada e nesta semana, para tentar se defender. Demóstenes adotou a estratégia de desqualificar o relatório aprovado de forma unânime pelo Conselho de Ética e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

– São inúmeros os fatos que comprovam que lamentavelmente, tristemente, o senhor quebrou o decoro parlamentar. O senhor deixou de agir como um senador da República – disse Humberto Costa.

Logo após o discurso de Humberto Costa, o relator do processo na CCJ, senador Pedro Taques (PDT-MT), reforçou a legalidade do relatório que pede a cassação do mandato. “Ficou claro que o senador Demóstenes quebrou o decoro parlamentar, ferindo de morte a dignidade do cargo, conforme a robusta representação apresentada”, disse Taques.

A sessão destinada à votação do pedido de cassação do mandato começou às 10h no plenário do Senado. Os dois relatores tiveram 20 minutos para apresentar seus votos e, logo após essa fase, teve início a discussão do processo, fase em que todos os senadores poderão discursar por dez minutos.

Terceiro parlamentar a falar, o senador Mario Couto (PSDB-PA) também condenou as atitudes de Demóstenes e afirmou que a “Casa está desmoralizada”. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), em seu discurso, destacou que não seria possível o senador desconhecer as atividades ilegais de Carlos Cachoeira. “O que está em jogo não é apenas o mandato de um parlamentar, mas a reputação de todo o Senado federal”, afirmou.

Veja complicada

A revista que, a exemplo de Demóstenes, manteve relações de proximidade com um dos principais líderes do crime organizado no país, se vê em face de uma nova denúncia. Em setembro de 2010, o ex-governador José Roberto Arruda, que havia perdido o mandato no início do mesmo ano, foi procurado pela revista Veja para uma entrevista. A publicação, da Editora Abril, prometia a capa, se Arruda decidisse quebrar o silêncio sobre sua queda. O repórter escalado foi Diego Escosteguy. Sem qualquer motivo aparente, no entanto, a revista engavetou uma entrevista. A razão por desviar de um assunto perseguido pela mídia, na época, no entanto, aparece em um grampo da Operação Vegas, da Polícia Federal, a qual revela o jornalista Paulo Henrique Amorim, do site Conversa Afiada.

Leia a transcrição da conversa, captada no dia 20 de março de 2011, quando a entrevista foi publicada por Época, levada pelo próprio Escosteguy, que, desiludido, saiu da revista Veja:

Cachoeira – Fala doutor, não falou nada, não?

Demóstenes – Não, tenho que analisar com isso aí o que é que faz. Vamos pensar, amanhã você tá aí?

Cachoeira – Tô, precisava falar com você, o Chiquinho achou ruim, não me atendeu mais não.

Demóstenes – Fez bem. Chegar o porrete nele mesmo, sujeito safado.

Cachoeira – Tô pensando de ele fazer alguma coisa.

Demóstenes – Não, eu falei pra ele, nada, eu falei é a verdade, não tem nada de mentira não. Tá tudo certo.

Cachoeria – Esse trem do Arruda aí… Você leu a reportagem? O Diego Escosteguy trabalhava na Veja, fez a reportagem em setembro, a Veja não publicou, pediu que queria soltar agora, ele pegou e soltou. Mas você viu que na Época ele deu uma recuada, né?

Demóstenes – Aquilo, se sai em setembro, ia fuder com meio mundo, né.

Cachoeira – É, mas eu vi um negócio, o Policarpo ajudou também, viu. Ia fuder mesmo. Mas você viu que ele ficou com medo e recuou. Tenho certeza que ele recuou foi por causa do seu nome.

Demóstenes – É, sujeito à toa. Vamos ver o que a gente vai fazer.

Cachoeira – Fosse você não fazia nada não. Deixa esse homem pra lá, tá mais do que na cara, isso é retaliação dele, você bateu tanto nele. Tem que virar as costas pra isso aí.

O fato constrangedor na entrevista, ainda segundo o relatório da PF, era uma acusação de José Roberto Arruda contra Demóstenes Torres. Arruda disse ter sido perseguido por Demóstenes, embora ambos fossem do mesmo partido, porque o senador goiano tentou emplacar, como fornecedora do governo do Distrito Federal, uma determinada empresa, possivelmente ligada a Carlos Cachoeira.

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DEPOSIÇÃO DE FERNANDO LUGO FOI GOLPE CONTRA O BRASIL




Breno Altman, São Paulo – Correio do Brasil, com foto

Quase um mês após o desfecho sumário que provocou a derrocada do presidente constitucional do Paraguai, já é possível analisar com mais acuidade os interesses geopolíticos envolvidos.

Não é uma novidade que as iniciativas de integração sul-americana, aprofundadas após a posse de governos progressistas nesse rincão, estabelecem desafio para a estratégia da Casa Branca, cujas raízes remontam à velha Doutrina Monroe. Desde que o quinto presidente dos Estados Unidos proclamou seu enunciado, em 1823, “a América para os americanos” virou o zênite da política continental de Washington.

Na virada do século, o centro dessa estratégia era a constituição da ALCA – a Área de Livre Comércio das Américas, que selaria a hegemonia sobre nações que considera sua reserva natural de influência. As vitórias eleitorais de esquerda, especialmente de Hugo Chávez e Lula, colocaram por terra o plano expansionista.

Os formuladores do Departamento de Estado levaram algum tempo para reagir. Substituíram a abordagem de bloco pela bilateralidade. Através de tratados de livre-comércio e acordos militares, entenderam que o melhor caminho para defender suas posições seria dificultar que a região encontrasse fórmulas de unidade fora de seu controle.

A atitude em relação ao Brasil, no entanto, vinha se mostrando instável. Com momentos de choque, como no caso iraniano, e outros de pressão nos bastidores, buscando enfraquecer as posições brasileiras no cenário internacional sem afrontá-las. Na maior parte do tempo, contudo, a Casa Branca preferiu defender seus interesses atrás do palco.

Base militar

A derrubada de Lugo, porém, abre novo capítulo. Imediatamente reconhecido por Washington, o governo de Federico Franco facilita enclave norte-americano na área do Mercosul, incluindo a retomada do projeto da base militar de Mariscal Estigarriba. Poucos dias após a queda do presidente, uma delegação do Pentágono já se encontrava em Assunção, conforme revelou o insuspeito deputado Lopes Chávez, presidente da Comissão de Defesa da Câmera de Deputados e aliado do general Lino Oviedo, um dos mentores do golpe.

Além de pretensões práticas, os EUA, ao favorecerem uma virada de mesa na vizinhança brasileira, possivelmente imaginaram colocar em xeque a capacidade do principal país da região em reagir a situações de conflito. Não é segredo, afinal, que o bloco sul-americano depende da força política, econômica e militar do Brasil.

Mas o desenlace, por ora, fustiga os desejos da superpotência. Apesar da influência de grupos pró-Monroe, e por isso mesmo criticado pela hesitação perante o golpe, o Itamaraty seguiu as determinações da presidente Dilma e a Casa Branca tomou o troco, com a suspensão do Paraguai e a integração da Venezuela ao Mercosul.

Logo os aliados de Washington, das mais distintas nacionalidades, começaram a espernear, tentando reverter ou desgastar a resposta liderada pelo Brasil. A começar pelo secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), entidade notoriamente subordinada aos desígnios norte-americanos. Uma reação que ressalta o quanto a disputa ultrapassa o cenário de um pequeno país.

Está em jogo o próprio projeto de integração sul-americana. Os adversários desse processo arriscaram um ataque frontal à liderança brasileira, em plena Rio+20, na expectativa de derrubar uma peça do dominó e ver todas as demais caírem na sequência. Até agora, encontraram resistência à altura.

*Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi

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