segunda-feira, 11 de junho de 2012

A SUSPENSÃO DA DEMOCRACIA




Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

“Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos"

A frase ficou célebre por entrar em milhões de lares portugueses sempre e quando os meios primitivos do tempo da televisão a preto e branco resolviam "encravar" um filme, o Festival da Canção ou uma reportagem de exterior sobre uma visita, então de Sua Excelência o Presidente do Conselho de Ministros.

A evolução tecnológica há muito deixou de tramar tão amiúde o consumismo televisivo. Mas ficaram tendências para réplicas, em escala bem mais grave.

O Estado Democrático é, de facto, alvo de variadas tentativas de suspensão - e sem garantia de não se transformarem em definitivas.

Se já de si é preocupante a tendência para os mecanismos democráticos ficarem perros face ao estado de necessidade de financiamento nacional, a ditar regras para as quais nenhuns sais de fruto eliminam uma certa azia, surgem de tempos a tempos ideias peregrinas a concorrer num mesmíssimo sentido. Como se ordem e autoridade só fossem compagináveis com um Estado musculado....

Na campanha eleitoral para as legislativas de 2009 ficou célebre a teoria de Manuela Ferreira Leite segundo a qual talvez não fosse pior suspender a Democracia por seis meses. Disse-o entre sorrisos, na sua desajeitada veia comunicacional e, obviamente, caiu então o Carmo e a Trindade. Sócrates agradeceu tamanho tiro no pé....

Há, no entanto, outros arautos de um sistema de governação no qual o voto popular não tenha expressão.

Rui Rio, por exemplo, agitou o fim de semana ao advogar a não realização de eleições nos municípios carregados de dívidas. Apontando os constrangimentos de quem for eleito - como se não saiba ao que vai... - para o autarca a melhor opção é a de uma comissão de gestão corrente até se encontrar um ponto de equilíbrio. Não o disse mas, no fundo, é preconizada a suspensão da democracia no plano autárquico....

O discurso austero de Rui Rio tem seguidores, especialmente naqueles que não estão sujeitos aos seus comportamentos - suportados por resultados eleitorais democráticos. É avisado, no entanto, cortar cerce a hipótese de medrar e ampliar apoios.

Estando o país afogado em dívidas por obra e graça de sucessivos disparates de quem ocupou cargos decisórios no aparelho de Estado, a aplicação generalizada da teoria de Rui Rio implicaria a nomeação sem recurso ao voto popular de quem governasse Portugal nos seus múltiplos patamares. Restando saber qual o iluminado para fazer as escolhas discricionárias.

Sim, é preciso lutar por um exercício de poder político credibilizado. E há alternativas à suspensão dos direitos democráticos. Uma delas passa pela efetiva responsabilidade de quem ocupa postos decisórios no aparelho de Estado, punindo-os não apenas nos sufrágios populares mas impedindo candidaturas em casos de comprovada má gestão. E a criminalização é também uma fórmula bem-vinda para a moralização da vida pública.

SE A HIPOCRISIA GERASSE EMPREGOS…




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Os chefes de Estado de Portugal e Cabo Verde mostraram-se hoje preocupados com a degradação da situação económica e social na Guiné-Bissau, reafirmando a sua oposição a qualquer solução que legitime golpes de Estado.

Que Jorge Carlos Fonseca, que apenas está no cargo há nove meses, só agora tenha acordado, ainda vá que não vá. Mas Cavaco Silva, que foi primeiro-ministro de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, que venceu as eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006 e foi reeleito a 23 de Janeiro de 2011, manifesta assim um colossal acto de hipocrisia.

Pelos vistos, tanto Jorge Carlos Fonseca como Cavaco Silva só agora terão reparado que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e que em 17 anos o país já teve sete presidentes.

Embora não tenham sido originais, os autores do mais recente (outros haverá, infelizmente) golpe de Estado parecem ser os bodes expiatórios ideais para a ONU, CPLP, Cabo Verde, Angola e Portugal. “Nino” Vieira e tantos outros dirigentes não foram assassinados agora, mas só agora é que a comunidade internacional deu fé de que isso tinha acontecido.

Dir-se-á que mais vale tarde do que nunca. Talvez. Pois é. Foi necessário os militares guineenses dizerem que não estão para ser protectorado de Angola para que, humilhada no seu sentimento de potência regional e dona de Portugal, Luanda puxasse dos galões e desse ordens ao reino português para papaguear uma série de asneiras.

Enquanto os militares guineenses foram fazendo o jogo do regime angolano, mesmo matando presidentes, candidatos, e chefes militares, tudo esteve bem. Quando resolveram pôr em questão o poder de Angola… estragaram tudo.

Luanda mandou, Portugal pôs-se de cócoras (posição também ela nada original) e a CPLP disse que sim ao dono do reino angolano. Juntaram-se e lá foram para Nova Iorque dizer que só agora é que descobriram que os direitos civis, políticos e humanitários estavam a ser violados.

A declaração da ONU, que vem ao encontro do que tem vindo a ser pedido por várias organizações internacionais e Estados que condenaram o golpe, entre as quais a CPLP e o Governo português por ordem de Angola, refere os compromissos que exigem a reposição da ordem no país.

Reposição da ordem no país? Pois é. Agora é preciso repor a ordem. Quando o primeiro-presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi deposto por um golpe de Estado liderado por “Nino” Vieira, em 1980, onde andavam todos estes arautos da legalidade e da reposição da ordem?

Um ano antes de morrer, em 9 de Julho de 2008, Luís de Almeida Cabral considerou que a existência de tráfico de droga no seu país natal constitui uma "vergonha", apelando às autoridades de Bissau para combaterem o fenómeno: "É uma situação muito má. Desejo que as autoridades e o povo guineenses possam combater esta vergonha que não traz nada de bom".

Pois é. Mas nessa altura, também nessa altura, tudo ficou na mesma. E ficou assim, calculo, porque ainda não existiam a ONU, a CPLP, Portugal, Angola ou Cavaco Silva.

Alguém ainda se lembra que, em 18 de Maio de 2009, o Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Luís Manuel Cabral, disse que a instituição estava sem dinheiro para continuar o processo de investigação aos assassínios do Presidente 'Nino' Vieira e do general Tagmé Na Waié?

Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral, "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?

"Carlos Gomes Júnior tem que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que está a cometer", no país, defendeu nesse dia Kumba Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".

Cavaco Silva e companhia estão preocupados com Carlos Gomes Júnior, exigindo o regresso à normalidade institucional. Quando os EUA, por exemplo, avisaram as autoridades da Guiné-Bissau que o novo chefe das Forças Armadas não poderia estar implicado nos acontecimentos de 1 de Abril (2010), como era o caso do major-general António Indjai, o que fez Gomes Júnior?

Escolheu (e o presidente Balam Bacai Sanhá aceitou) para chefiar as Forças Armadas, nem mais nem menos do que... António Indjai.

Recorde-se que Indjai foi o protagonista dos acontecimentos militares de 1 de Abril e que chegou (embora depois tenha pedido desculpa) a ameaçar de morte o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.

Cavaco Silva já condenara (13 de Abril) "veementemente o golpe de Estado na Guiné-Bissau”, apelando a uma posição "firme e determinada" da comunidade internacional. Depois passou a dormir descansado e a fazer as contas para saber se a sua reforma dá para pagar as despesas.

O discurso de Cavaco Silva para felicitar Carlos Gomes Júnior como novo presidente da Guiné-Bissau já estava escrito. Se calhar teria apenas alterar o nome. Aliás o texto é sempre o mesmo. Primeiro foi o de “Nino” Vieira, depois o de Malam Bacai Sanhá.

"Tendo tomado conhecimento das suas novas funções como presidente da República da Guiné-Bissau, é com satisfação que endereço a Vossa Excelência, em nome do Povo português e em meu próprio, as mais sinceras felicitações e votos de sucesso no desempenho das altas funções que, de forma tão expressiva, foi chamado a desempenhar, pelo Povo irmão da Guiné-Bissau", dirá certamente a mensagem enviada de Belém a quem vier a ser o dono da Guiné-Bissau.

Neste parágrafo até não foi necessário acrescentar nada. O Vossa Excelência que serviu para "Nino" dá para qualquer um, seja Carlos Gomes Júnior, Kumba Ialá ou António Indjai.

Cavaco Silva sabe (ou não fosse ele um pobre reformado) que civismo e democracia não se conjugam com a barriga vazia, mas esse é um problema dos outros...

"Estou seguro de que o mandato de Vossa Excelência será pautado pela defesa do processo de reforma e consolidação das instituições da Guiné-Bissau, que conta com o firme apoio de Portugal e que constitui uma condição indispensável para assegurar o futuro de paz e de desenvolvimento económico e social a que o Povo da Guiné-Bissau tem direito", escreveu, escreve e escreverá o Presidente português, seja qual for o dono do país.

O Chefe de Estado português irá de novo, sem pinta de originalidade, sublinhar a importância que atribui "aos laços históricos de profunda amizade que unem os dois países e ao reforço continuado da cooperação entre Portugal e a Guiné-Bissau, quer no plano bilateral, quer no quadro multilateral, muito em particular no âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)".

Pois. Portugal não está (ou pelo menos não parece estar) interessado em ensinar os guineenses a pescar. Vai, no entanto, mandando para lá umas sardinhas. E mesmo estas começam a fazer falta em Portugal, país onde os cidadãos de segunda – a esmagadora maioria – já incluem o farelo na sua dieta alimentar.

"Reiterando-lhe as minhas felicitações, peço-lhe que aceite os votos que formulo pelo bem-estar pessoal de Vossa Excelência assim como pela prosperidade e progresso do Povo irmão da Guiné-Bissau", finalizará o Presidente português.

É isso aí. Votos de prosperidade e progresso de um Povo irmão que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois... com fome (dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade).

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: ESQUECERAM-SE DE EDUARDO DOS SANTOS!

Brasil: TRABALHADORES DAS UNIVERSIDADES ADEREM À GREVE DA EDUCAÇÃO




Nesta segunda (11), as assembleias de base estão referendando a decisão tomada em plenária nacional, na semana passada. Os funcionários técnicos-administrativos reivindicam, principalmente, reajuste do piso salarial da categoria, considerado o menor do serviço público. Eles também pleiteiam ajustes no plano de carreira. Na quarta (13), outras categorias de servidores públicos federais reforçam o movimento.

Najla Passos – Carta Maior

Brasília - Os funcionários técnico-administrativos das universidades federais aderiram, nesta segunda (11), à greve da educação, iniciada pelos docentes em 21/5 e que já atinge 51 instituições federais de ensino superior. Em plenária realizada nos dias 4 e 5/6, a categoria aprovou a paralisação quase por unanimidade. Hoje, assembleias de base realizadas pelo país estão respaldando a decisão.

“Ainda não é possível avaliar quantas instituições já estão paradas, mas nossa expectativa é de construção de uma greve forte, que obrigue o governo federal a negociar as reivindicações da categoria”, afirma o coordenador de Organização Sindical da Federação de Sindicatos dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior (Fasubra), José Ronaldo Ribeiro Esmeraldo.

Segundo ele, de 2007 até agora, a Fasubra já realizou 52 reuniões com o governo, sem conseguir sensibilizá-lo para atender a pauta de reivindicações da categoria. “Nesse período, nossas perdas só foram se acumulando. Temos, hoje, o pior piso salarial do serviço público federal: R$ 1.034”, justifica. O coordenador relata que, em 2005, o piso salarial da categoria equivalia a três salários mínimos, enquanto hoje chega a apenas 1,6. “Em 2007, quando mudamos nosso plano de carreira, o piso ficou estipulado em 2,6 salários mínimos. Mas, de lá para cá, o valor foi sendo achatado”, explica.

Além do aumento no piso, os servidores pleiteiam outros ajustes no plano de carreira implantado desde 2007. Entre eles, o reposicionamento dos aposentados, que foram enquadrados em posição inferior a de expectativa para final da carreira, e a racionalização de cargos que não apresentam remuneração compatível com a função.

“Os próprios reitores reclamam que a expansão universitária tem trazido inúmeros problemas de contratações. Como os salários não são atrativos, é difícil preencher as vagas e, quando são preenchidas, os candidatos logo optam por outras carreiras”, acrescenta.

Também está na pauta da categoria a defesa da destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação e a defesa do caráter público dos hospitais universitários, entre outras. Não há previsão de quando ocorrerá nova rodada de negociação com o governo. “Estamos aguardando a apresentação de uma contraproposta à nossa pauta”, acrescenta o sindicalista.

Novas adesões

As 31 entidades representativas dos servidores públicos federais que participam da campanha 2012 unificada aprovaram, em 5/6, adesão total à greve. Na quarta (13), paralisam suas atividades os professores das escolas técnicas e de aplicação, os servidores da Justiça Federal, do Ministério Público e do IBGE. No dia 18, aderem as categorias que integram a Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef).

Jornal britânico diz que Brasil é modelo de diplomacia e compara Lula a Franklin Roosevelt




Fillipe Mauro – Opera Mundi

Para The Guardian, “já é tempo de o ocidente incorporar o crescimento do Brasil de forma mais ativa e iniciar um comprometimento mais profundo”

O Brasil “não apenas deve ter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como também é a melhor razão para uma reforma do órgão e para uma tentativa de tornar o sistema internacional mais representativo”. É o que diz um elogioso editorial publicado nesta segunda-feira (11/06), no qual o jornal britânico The Guardian sugere uma maior valorização da diplomacia de Brasília e destaca a ascensão econômica vivenciada pelo país ao longo dos últimos anos.

De acordo com a publicação, “já é tempo de o Ocidente incorporar o crescimento do Brasil de forma mais ativa e iniciar um comprometimento mais profundo” com o país. Isso porque, “embora seja líder da desigualdade social no mundo”, ele “também lidera a resolução desse problema” por meio de “famosos programas sociais que auxiliaram 20 milhões a deixar a pobreza e criar um novo mercado interno”.

Traçando uma linha cronológica para o processo de estabilização da economia brasileira, o artigo parte do governo de Fernando Henrique Cardoso e se estende até a atual gestão de Dilma Rousseff, que é classificada como uma “reformista pragmática”. De acordo com o The Guardian, em meio a esse fenômeno de aquecimento do mercado doméstico e elevação da renda per capita, houve ainda a importância do ex-presidente Lula, “a melhor reencarnação já vista de Franklin Roosevelt”, o líder norte-americano que superou o crash de 1929 graças à elevação de investimentos públicos e consequente fomento à atividade econômica.

Em meio aos preparativos para eventos de relevância global como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, ainda restaria para a presidente Dilma Rousseff “a transferência de sua popularidade e competência administrativa para o congresso”, de tal forma que o legislativo acompanhe o andar de seu governo. O principal desafio da atual presidente, segundo o The Guardian, ainda é “destravar a produtividade e estabelecer uma economia mais avançada”.

No campo das relações internacionais, “Brasília não apenas dobrou o número de seus diplomatas na última década como também redobrou sua ênfase na diplomacia como a única forma de "multipolaridade benigna”. Fenômeno esse que reflete “o luxo de uma região pacífica” e uma “longa tradição e experiência sobre as naturezas da soberania e da democratização”.

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Constituição chilena foi aprovada após fraude eleitoral, diz ex-agente da ditadura




Victor Farinelli, Santiago – Opera Mundi

Jorgelino Vergara, membro de um dos principais órgãos da repressão, disse que milhares votaram mais de uma vez

A atual Constituição chilena, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e promulgada em 1980, teria sido respaldada pelo plebiscito mais fraudulento da história do país. Quem garante isto é Jorgelino Vergara, ex-agente da CNI (Central Nacional de Inteligência), um dos principais órgãos da repressão chilena. As declarações de Vergara constam no livro A Dança dos Corvos, do jornalista Javier Rebolido e que será lançado oficialmente em 25 de junho.

Segundo Vergara, "todos os agentes da inteligência e também alguns funcionários públicos de confiança dos militares votaram várias vezes, em diferentes zonas eleitorais, não sei dizer ao certo quantos, mas éramos milhares". Vergara diz que só entre os agentes da CNI eram mais de três mil os que saíram para votar reiteradas vezes em favor da opção "SIM", que significava aprovar a nova carta.

O ex-agente também relatou que "os mesários e fiscais eleitorais nem nos obrigavam a fazer a fila, como os demais eleitores, embora eu tenha certeza de que eles também faziam parte da manobra, mas, em todos os locais que fui, me deixaram entrar, votar e sair em poucos minutos". Segundo Vergara, ele votou quatro vezes naquele dia. "Foi uma fraude do tamanho de um navio", classificou.

O plebiscito constitucional aconteceu em 11 de setembro de 1980, quando a ditadura celebrou os sete anos do golpe de Estado que levou os militares ao poder e terminou com a vida e o governo do ex-presidente Salvador Allende. Até hoje, as suspeitas sobre o processo eleitoral se resumiam a contestações à desigualdade imposta pelos repressores durante a campanha, quando proibiram todos os vídeos promocionais dos opositores nos canais do país e também negaram autorização para boa parte dos comícios, sobretudo em bairros mais humildes da capital.

Os dados oficiais do CNE (Comitê Nacional Eleitoral) da época registram que a opção “SIM” obteve 4,2 milhões de votos, o que significou 67% dos votos, enquanto o “NÃO” reuniu 1,9 milhão de votos, equivalentes a 30%. Estes resultados respaldaram a promulgação da Constituição chilena em 24 outubro de 1980 e que se mantém vigente até hoje.

As revelações de Vergara surgem poucos dias antes do primeiro aniversário das manifestações do movimento estudantil chileno, que tem na criação de uma nova assembleia legislativa no país uma das principais demandas. Os estudantes consideram a atual carta magna ilegítima por ter sido criada por uma ditadura - bandeira que compartilham com muitos outros movimentos sociais.

O camareiro da repressão

Apesar de não ter sido militar e nem figura emblemática na hierarquia da CNI, Jorgelino Vergara chegou a ser assessor pessoal do comandante-chefe do órgão, o general Manuel “El Mamo” Contreras, que hoje cumpre cadeia perpétua por sua responsabilidade nas violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura.

O trabalho de Vergara constava, basicamente, em levar água e comida para os agentes da CNI, e limpar os porões usados para tortura - o agente foi recrutado em 1974, aos 15 anos, quando foi pedir emprego numa casa suburbana que na verdade funcionava como quartel da organização. Sua figura ganhou notoriedade no Chile em 2011, quando foi lançado o documentário O Camareiro (cujo título original é El Mocito), que mostra sua visão particular da repressão no país.

Apesar de ter recebido treinamento militar nos anos 1980 após ganhar a simpatia dos chefes da CNI, Vergara afirma nunca ter participado pessoalmente de sessões de tortura. Por outro lado, reconhece que chegou a trabalhar, desde 1982, no chamado Quartel Simón Bolívar, a principal sede operativa da inteligência chilena durante a ditadura, “de onde nenhum prisioneiro saiu vivo”, assegurou. A localização exata do Quartel Simón Bolívar era desconhecida até 2007, quando o próprio Vergara, em testemunho entregue voluntariamente à Justiça chilena, desvendou o segredo.


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Crise da dívida: Berlim esquece as lições da história, segundo Ferguson e Roubini




Der Spiegel, Financial Times – Presseurop

A Alemanha não compreendeu o estado da crise na Europa, na sua dimensão histórica, advertem o historiador britânico Niall Ferguson e o economista norte-americano Nouriel Roubini.

Num ensaio publicado pela revista Spiegel e pelo jornal Financial Times, os dois professores das universidades de Harvard e Nova Iorque recordam que, em 1933, foi uma crise bancária que conduziu à queda dos sistemas democráticos na Europa e pedem medidas concretas, para evitar o afundamento da UE:

Quanto mais a saída da Grécia da união monetária se torna provável, mais aumenta a pressão sobre os bancos espanhóis, o que poderá desencadear um bank-run [levantamento dos depósitos] tão grave que talvez faça vacilar o BCE. Está já em curso, no sistema financeiro da Europa, um processo importante de renacionalização, que poderá arrastar a União para uma desintegração completa.

Ferguson e Roubini consideram não haver alternativa à comunitarização da responsabilidade pela amortização da dívida, através da criação de um fundo temporário e propõem créditos diretos para recapitalização dos bancos. Segundo eles, a Alemanha em especial deveria também aceitar uma taxa de inflação mais elevada e renunciar à política de austeridade:

Para tal, é necessário relançar o crescimento na zona euro e renunciar a uma política de austeridade exagerada. O BCE deve moderar a sua política monetária, o euro deve desvalorizar-se e é preciso criar incentivos fiscais. São necessários programas de infraestruturas e um aumento dos salários nos países-chave, a fim de estimular o consumo.

Espanha: A JOGADA DE PÓQUER DO RESGATE “LIGHT”


Não sabemos o que aconteceu...! Mas, há uns anos, o cofre estava cheio! - Kap


Depois de ter negado, durante semanas, que o setor bancário espanhol precisasse de assistência, o Governo de Madrid decidiu-se a pedir ajuda à UE. E, para convencer os alemães a ceder, fez um "bluff" hábil. Descodifiquemos.

Mais uma semana com o coração na boca, devido aos insistentes rumores sobre o iminente pedido de resgate dos bancos espanhóis, a apresentar a Bruxelas, – uma fuga de informação desmentida pelo Governo, enquanto esperava pelas auditorias que requereu.

Mas, desta vez, a incerteza não foi acompanhada por novas quedas bolsistas e, sim, por subidas preventivas dos 8% descontados em antecipação da resolução próxima da crise do Bankia. Como veio a acontecer, quando, na tarde de sábado, De Guindos anunciou que o Eurogrupo aceitava o anteriormente desmentido pedido espanhol de resgate da banca. Portanto, aquela acalmia bolsista parecia anunciar que nos encontramos não à beira do precipício nem no fundo do túnel e, sim, no centro do furacão.

Com efeito, o resgate espanhol ocorre no momento em que atravessamos o coração da tempestade desencadeada pela crise do euro, precisamente antes de ser atingido o clímax das eleições na Grécia, que poderiam significar a desintegração da zona euro. E essa confluência da espiral do ciclone também se reflete na liderança de Rajoy, que, durante o fim de semana, sofreu um eclipse bastante revelador, como se, com o seu silêncio inicial, quisesse transmitir uma mensagem ambivalente: é um resgate (uma coisa negativa em si mesma), que tive que pedir desdizendo-me a mim próprio, mas não é um resgate (mas qualquer outro eufemismo), uma vez que irá salvar a Espanha de uma bancarrota real. De modo que o seu mutismo queria dizer que, depois de ter sido conseguido o ansiado resgate, já podemos dar-nos por satisfeitos, porque não o pedir teria sido muito pior.

Maniqueísmo político

Como avaliar o resgate, independentemente de mutismos e eufemismos? A guerra cultural determinada pela nossa polarização exige que a opinião progressista rejeite o resgate e que a conservadora o aplauda. Mas, resistindo à tentação de cair em tal maniqueísmo, direi que, apesar de tudo, este resgate me parece indiscutivelmente positivo. É não apenas um mal menor, visto que qualquer outra alternativa seria pior, mas apresenta igualmente vantagens claras que permitem fazer da necessidade virtude. A primeira é o seu próprio caráter de resgate seletivo, destinado exclusivamente a recapitalizar 30% do nosso sistema financeiro: a sua parte corrupta, acumulada depois de lustros de especulação financeira alimentada pelas redes de clientelas de todos os partidos.

Assim, esse cancro bancário vai agora ser extirpado pelo cirurgião europeu, já que nós não podemos fazê-lo. Contudo, a intervenção cirúrgica será in situ, por não haver metástases no resto do sistema financeiro, e por conseguinte, também não há intervenção do Estado espanhol.

E o outro aspeto positivo é que se trata de um resgate suave, uma vez que, ao ser feito através do FROB [Fundo de Reestruturação Ordenada Bancária, criado em 2009, com vista à reestruturação do setor bancário espanhol] e não do erário público, não implica uma verdadeira intervenção, por não impor como contrapartida nenhuma condicionalidade nem exigência macroeconómica. Uma fórmula habilidosa, destinada a evitar o veto alemão, mas que tem muito de ficção financeira, visto que, no fim de contas, irá servir para aliviar o descrédito da nossa dívida. E esse subterfúgio foi possível, graças à ambiguidade do FROB: entidade versátil que brilha como instituição pública, para agradar aos alemães (que vetavam o resgate direto à banca), e conta como parte privada, para pedir crédito a Bruxelas (que, assim, não tem que resgatar o Estado espanhol). Mas, encare-se como se encarar, isto implica uma duplicidade farisaica, um jogo duplo que incorre no chamado risco moral. Apesar disso, Merkel aceita-o.

Dúvida hamletiana

Daí a expressão de astúcia que ostentou o arrogante Rajoy, que, com essa artimanha parece ter conseguido levar a melhor sobre a sua austera colega, depois de esta ter abrandado a sua incorruptível intransigência prussiana. Além disso, fê-lo jogando a carta de que o tamanho é importante, uma vez que Espanha é demasiado grande para se permitir que se afunde: um bluff de póquer que Merkel não se atreveu a pagar para ver.

Tudo isto parece demonstrar que Rajoy não é Zapatero, como até agora nos tinha levado a pensar. As suas dúvidas vacilantes, as suas tentativas improvisadas, o facto de estar continuamente a desdizer-se a si mesmo, a sua falta de estratégia e de programa faziam igualmente recordar o aforismo de Groucho: "São estes os meus princípios e, se não gostarem, tenho outros." E agora, face à dúvida hamletiana entre pedir ou não pedir o resgate, Rajoy também respondia com o seu célebre "depende…". No entanto, ao contrário de Zapatero, que acabou depenado, depois de ter perdido todas as suas apostas no póquer do euro, o bom do Mariano conseguiu finalmente ganhar, depois de roubar a carteira aos alemães. Será só uma questão de sorte?

O DILEMA DA INTERVENÇÃO




Joseph Nye* - Público, opinião

Quando é que os estados devem intervir militarmente para impedirem atrocidades nos outros países? A questão é antiga e bem viajada. Na verdade, está agora a visitar a Síria.

Em 1904, o presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, argumentava que “há crimes ocasionais cometidos em tão grande escala e de tal horror peculiar” que devemos intervir pela força das armas. Um século antes, em 1821, enquanto os europeus e os norte-americanos debatiam a altura certa para intervir na luta pela independência da Grécia, o presidente John Quincy Adams advertiu os seus compatriotas norte-americanos sobre o facto de se “ir para o estrangeiro em busca de monstros para destruir”.

Mais recentemente, depois do genocídio que custou cerca de 800 mil vidas no Ruanda, em 1994, e da matança de homens e de rapazes bósnios em Srebrenica, em 1995, muitas pessoas juraram que nunca mais deveria ser permitido acontecer tais atrocidades. Quando Slobodan Milosevic se ocupou da limpeza étnica em grande escala no Kosovo, em 1999, o Conselho das Nações Unidas aprovou uma resolução, reconhecendo a catástrofe humanitária, mas não conseguiu chegar a acordo sobre uma segunda resolução para intervir, dada a ameaça de um veto russo. Em vez disso, os países da NATO bombardearam a Sérvia, num esforço que muitos observadores consideraram legítimo, mas não legal.

Como resultado, o então secretário-geral Kofi Annan criou uma comissão internacional para recomendar formas de garantir que a intervenção humanitária poderia ser conciliada com o artigo 2.7 da Carta das Nações Unidas, em que assenta a jurisdição interna dos Estados-membros. A comissão concluiu que os estados têm a responsabilidade de protegerem os seus cidadãos e devem ser ajudados a fazê-lo através de meios pacíficos, mas caso um estado ignore essa responsabilidade, ao atacar os seus próprios cidadãos, a comunidade internacional pode considerar uma intervenção armada.

A ideia de existir um princípio “responsabilidade de proteger” (R2P), foi aprovada por unanimidade na Cimeira Mundial da ONU em 2005, mas os acontecimentos posteriores demonstraram que nem todos os Estados-membros interpretaram a resolução da mesma maneira. A Rússia sempre defendeu que só as resoluções do Conselho de Segurança, e não as resoluções da Assembleia Geral, são normas vinculativas de direito internacional. Entretanto, a Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança sobre a Síria, e, com alguma ironia, Annan foi chamado de volta e alistou-se num esforço fútil, até agora, para acabar com a carnificina na Síria.

Até ao ano passado, muitos observadores consideraram o R2P, na melhor das hipóteses, uma esperança vã ou um fracasso nobre. Mas em 2011, enquanto o coronel Muammar Khadafi se preparava para exterminar os seus opositores em Benghazi, o Conselho de Segurança invocou o princípio R2P como a base para uma resolução que autoriza a NATO a utilizar a força armada na Líbia. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama teve o cuidado de esperar por resoluções da Liga Árabe e do Conselho de Segurança, evitando assim os custos ao poder suave norte-americano que a administração George W. Bush sofreu quando interveio no Iraque em 2003. Mas a Rússia, a China e outros países sentiram que a NATO explorou a resolução para engendrar a mudança de regime e não simplesmente para proteger os cidadãos na Líbia.

Na verdade, o R2P é mais sobre lutas em torno da legitimidade política e do poder suave, do que sobre direito internacional rígido. Alguns advogados ocidentais argumentam que o R2P implica a responsabilidade de combater o genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra, sob as diversas convenções de direito internacional humanitário. Mas Rússia, China e outros estão relutantes em fornecer uma base jurídica ou política para acções semelhantes à que ocorreu na Líbia.

Existem outras razões pelas quais o R2P não tenha sido um sucesso no caso da Síria. Extraído da teoria tradicional “guerra justa”, o R2P não se fundamenta apenas nas intenções correctas, mas também sobre a existência de uma perspectiva razoável de sucesso. Muitos observadores destacam as importantes diferenças físicas e militares entre a Líbia e a Síria que fariam das zonas sírias de interdição aérea ou interditas à condução, zonas problemáticas. Alguns sírios que se opõem ao regime do presidente Bashar al-Assad, indicando para Bagdad em 2005, argumentam que a única coisa pior a um ditador cruel é uma guerra civil sectária.Tais factores são sintomáticos de problemas maiores com intervenções humanitárias. Para começar, os motivos são muitas vezes confundidos (Roosevelt, afinal de contas, referia-se a Cuba). Além disso, vivemos num mundo com diversas culturas e sabemos muito pouco sobre engenharia social e sobre como construir nações. Quando não podemos ter a certeza de como melhorar o mundo, a prudência torna-se uma virtude importante e as visões arrogantes podem representar um grave perigo. A política externa, tal como a medicina, deve ser orientada pelo princípio: “Em primeiro lugar, não causar danos”.

A prudência não significa que nada possa ser feito na Síria. Outros governos podem continuar a tentar convencer a Rússia de que os seus interesses são melhor servidos se se livrarem do actual regime, em vez de permitirem a radicalização continuada dos seus opositores. Sanções mais duras podem continuar a deslegitimar o regime e a Turquia pode ser persuadida a tomar medidas mais fortes contra o seu vizinho.

Além disso, a prudência não significa que as intervenções humanitárias irão sempre falhar. Em alguns casos, mesmo que os motivos sejam confundidos, as perspectivas de êxito são razoáveis e a miséria de uma população pode ser aliviada com custos moderados. As intervenções militares na Serra Leoa, na Libéria, em Timor-Leste e na Bósnia não resolveram todos os problemas, mas melhoraram a vida dos seus habitantes. Outras intervenções – por exemplo, na Somália – não conseguiram fazê-lo.

As recentes intervenções em larga escala no Iraque e no Afeganistão, embora não sejam essencialmente humanitárias, corroeram o apoio público para uma acção militar. Mas devemos lembrar a história de Mark Twain sobre o seu gato. Depois de se sentar num fogão quente, o gato nunca mais se sentaria num fogão quente, mas também não se sentaria num frio.

As intervenções continuarão a ocorrer, propensas a serem mais curtas, a envolverem forças em menor escala e a contarem com tecnologias que permitem acção a uma maior distância. Numa época de guerra cibernética e drones, o fim do R2P ou da intervenção humanitária é difícil de predizer.

- Em colaboração com o Project Syndicate

*Antigo subsecretário de estado da Defesa dos EUA, é professor em HavardAntigo subsecretário da defesa dos EUA, é professor em HarvardAntigo subsecretário da defesa dos EUA, é professor em HarvardAntigo subsecretário da defesa dos EUA, é professor em Harvard

Tradução de Deolinda Esteves/Project Syndicate

A AMPLA CIDADE



Rui Peralta

Dos operários chineses á memória de Ben Bella

No dia 8 de Maio cerca de mil trabalhadores do calçado em Dongguan (importante cidade industrial da província de Guangdong, localizada no Delta do Rio das Pérolas), realizaram uma paragem de trabalho e manifestaram-se contra os planos de redução do seu premio mensal de 500 para 100 yenes. A direcção da empresa negou-se a dar explicações e recusou qualquer tipo de negociação. Os trabalhadores relataram o facto nos seus blogs e o China Labour Bulletin (CLB – www.clb.org.hk.) contactou os trabalhadores reproduzindo os seus comunicados.

O CLB é um grupo fundado em 1994 em Hong Kong, por um operário ferroviário, Han Dongfang e um académico que dedica a sua carreira ao estudo dos movimentos alternativos chineses após a revolução cultural, Robin Munro. Han Dongfang foi o principal organizador durante as jornadas de Tiananmen da Federação Autónoma de Trabalhadores de Pequim. Depois de terem publicado as reclamações dos trabalhadores, realizaram uma campanha de divulgação dos protestos que levou á presença na fábrica de vários repórteres. Para evitar descontentamentos, funcionários do governo local pressionaram a direcção da empresa em negociar com os trabalhadores, que voltaram ao trabalho depois dos seus prémios estarem garantidos.

O movimento grevista cresceu bastante nos últimos 6 meses, nos mais distintos sectores e abarcando uma ampla gama de reivindicações. No mês de Março deste ano um aumento repentino do preço do combustível provocou uma onda de protestos, paralisações e greves do sector dos transportes. Em Abril os operários fabris foram os protagonistas de um amplo movimento contra os baixos salários e os planos de relocalização, fusão, restruturação e redimensionamento das empresas. Em Nanjing, numa fábrica da multinacional sul coreana LG, os operários entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho e contra os maus tratos infligidos pela gestão sul-coreana. A administração da empresa despediu os trabalhadores grevistas, mas o movimento alargou a outros sectores da fábrica, levando á completa paralisação da empresa e ocupação da mesma pelos trabalhadores, que montaram barricadas para enfrentar a polícia. As autoridades laborais chinesas e responsáveis locais do PCC reuniram-se com a administração sul-coreana e esta aceitou a realização de uma reunião com os trabalhadores e atender às queixas destes, mas os trabalhadores não desocuparam a fábrica até terem garantias de que os seus colegas despedidos fossem readmitidos.

O novo movimento de trabalhadores, em curso por toda a China, organiza-se em comissões de trabalhadores, independentes da confederação sindical oficial e das organizações do PCC, a quem acusam de colaboradores do patronato e das administrações. Criam redes de informação na internet e estabelecem estruturas coordenadoras de apoio e divulgação. Actualmente decorre uma campanha para a aprovação de normas de negociação colectiva o que, a ser implementado, representaria uma grande vitória para os trabalhadores, pois representaria o reconhecimento oficial das suas movimentações e permitiria criar estruturas autónomas a nível nacional, retirando muitas das reivindicações do isolamento e aumentando a capacidade reivindicativa dos trabalhadores.

Encontrei uma garrafa na praia. Observei com mais atenção e notei que estava selada, contendo algo no seu interior. Comecei a retirar-lhe o selo e depois a rolha e finalmente o seu conteúdo, um pergaminho intitulado “Ausência”. Por ser extenso vou descrevê-lo parte a parte. Começa assim:

“Sonhei com uma imagem tua (talvez espelhada na lua). Breve foi a clemência (acordei com o grito da ausência).

Um sonho interrompido...Foi o que foi! Quando acordamos no meio de um sonho restam os fragmentos, as imagens mudas, dispersas, a preto e branco...Mas a pele dela...Aquela pele castanha...A pele dela era castanha, mesmo no sonho a preto e branco…O castanho da pele dela naquela tela a preto e branco…Todos os sonhos são a preto e branco, mas o castanho da pele dela...

Acordar com um grito. Os que sentem a ausência ouvem os gritos dos ausentes.”

Ausentes… Ahmed Ben Bella, ausentou-se da vida. Com 95 anos já não chegou a assistir ao quinquagésimo aniversário da independência da Argélia. Nasceu em Maghnia, junto á fronteira com Marrocos, em 1916, filho de camponeses marroquinos que ali instalaram-se. Fez o serviço militar no exército francês, em Marselha, onde jogou futebol no Olympique. Pertenceu ao Quinto Regimento de Fuzileiros Marroquinos, combatendo na campanha de Itália, sendo citados por quatro vezes por mérito militar na Batalha de Monte Cassino e condecorado por De Gaulle.

Após o final da II Guerra Ben Bella milita no Partido do Povo Argelino e foi um dos fundadores do braço armado (a OS, Organização Especial), do Movimento pela Liberdade Democrática. Aprisionado pelo exército francês, no decurso de uma operação de expropriação levada a cabo pela OS no Correio Central de Oran, evade-se 2 anos depois e refugia-se no Cairo, onde coordena as acções da OS, participando activamente no 1 de Novembro de 1954, data de início da insurreição argelina contra a ocupação francesa. Em 22 de Outubro de 1956 comanda o primeiro acto de pirataria aérea cometido na Europa. Consegue refúgio em Marrocos mas foi detido pelos serviços secretos franceses quando partia para Tunes, com outros altos dirigentes argelinos.

Na prisão francesa foi um dos dirigentes mais activos da FLN e participou na constituição do GPRA, Governo Provisório da Republica da Argélia, que iniciou as conversações com De Gaulle e que culminaram com os Acordos de Evian, em 18 de Março de 1962, que consagraram a independência argelina. Ben Bella é libertado e propõe a criação de uma força expedicionária de 100 mil homens para combater a ocupação israelita, mas as lutas internas no seio da FLN, levam-no a substituir o presidente do GPRA, Mohamed Boudiaf, contando a sua nomeação com o apoio de Houari Boumedienne, comandante do Exercito do Oeste.

De 1962 foi Presidente da Republica, cargo que acumulou com o de Secretário-General da FLN, Ministro do Interior e Ministro das Relações Exteriores, até 1965, ano em que foi deposto por Boumedienne o seu velho aliado. Aprisionado durante 14 anos, sem nunca ter sido submetido a tribunal, foi libertado em 1990 pelo presidente Chadli Benejedid, exilando-se na Suíça. Só voltaria a Argélia em 2000 onde fundou o Movimento pela Democracia e dedicou-se a questões ambientais. Partidário da reconciliação nacional, participou nas negociações entre a FLN e a FIS e foi-lhe prestada uma homenagem nacional pelo seu papel na luta de libertação nacional.

Durante a presidência de Ben Bella, Argélia e Cuba tiveram estreitas relações de cooperação. Ben Bella conhecia bem Raul, Fidel e Che (Quando nos anos 90 foi exilado na Suíça, Ben Bella escreveu sobre o Che: “Sim, só a Revolução pode fazer do Homem um ser luminoso.” Conheceu o Che em 1962, durante a crise dos misseis. Depois, em 1963, o exercito argelino teve de fazer frente a uma invasão marroquina. O Egipto de Nasser (outro seu grande amigo) enviou cobertura aérea e Cuba um batalhão de 22 blindados e várias centenas de combatentes, sob o comando de Efigénio Ameijeiras, veterano do Granma. Em 1965 a Argélia foi palco da Conferencia Afro-asiática, acto em que Ben Bella participou activamente e onde conviveu mais estreitamente com o Che e outros revolucionários. Na sua cela argelina, durante os 14 anos de prisão, uma foto do Che, pendurada na parede, acompanhava a sua solidão (“Naquela foto eu encontrava a esperança” – escreveu pouco antes da usa morte).

A 11 de Abril de 2012, África perdeu um dos últimos combatentes vivos da luta anticolonial e um dos fundadores da OUA. As cerimónias fúnebres foram realizadas durante dois dias, na Praça dos Mártires e o seu corpo transportado e enterrado no cemitério de El Alia, onde repousam os heróis da libertação da Argélia.

Fontes
A Decade of Change: The Workers´ Movement in China 2000-2010 http://www.clb.org.hk
Paco Pena; Ahmed Ben Bella, un gigante de la revolution; www.puntofinal.cl
New African, nr. 516, May 2012
Punto Final; nr 758, Mayo 2012

Primeiro-ministro inglês esqueceu-se da filha de oito anos num "pub"




Fátima Mariano – Jornal de Notícias

O primeiro-ministro britânico e a mulher esqueceram-se da filha de oito anos num pub, onde beberam algumas canecas de cerveja com um grupo de amigos, no domingo. A criança ficou sozinha no bar durante 15 minutos à espera que o pai a fosse buscar.

A notícia faz, esta segunda-feira, manchete no jornal britânico "The Sun", e já foi confirmada pelo gabinete de David Cameron. Numa nota enviada aos jornais, é explicado que "o primeiro-ministro e a mulher, Samantha, ficaram transtornados quando perceberam que que Nacy não estava com eles. Felizmente, quando telefonaram para o pub perceberam que ela estava lá e encontrava-se bem".

A menina tinha ido à casa-de-banho enquanto o casal esperava pelo elevador. David e a mulher só se aperceberam que deixaram o pub sem a filha quando chegaram a casa.

Os Cameron e os filhos, Nancy, Arthur (6 anos) e Florence (22 meses) foram almoçar com dois casais amigos no pub "The Plug". No final, o primeiro-ministro voltou para a casa de carro ladeado por guarda-costas, julgando que Nancy e os outros dois filhos se encontravam num segundo carro. A sua mulher julgou que a filha estivesse com o pai.

Uma fonte do pub contou ao jornal que encontraram a menina na casa-de-banho e não sabiam o que fazer. "Não se vai simplesmente à lista telefónica procurar o número de telefone do primeiro-ministro e dizer-lhe que se esqueceu da filha no pub", disse.

"É assustador pensar que o primeiro-ministro se esquece de algo tão importante como a própria filhas", acrescentou.

JÁ ESCAPÁMOS AO ABISMO?



Sol, opinião

Aconteça o que acontecer – e apesar de tudo o que tem acontecido – «os portugueses já não estão perante o abismo».

Quem fala assim, quando a evidência do abismo é cada vez mais visível no horizonte português e europeu, já não é José Sócrates, com o optimismo à prova de bala que caracterizava o seu discurso de negação da realidade, mas o seu sucessor como primeiro-ministro: Passos Coelho.

A continuidade da retórica sobreviveu à diferença de estilos, um ano depois da tomada de posse do novo Governo que agora se vê confortado com a passagem em mais um exame da troika (embora ainda insatisfeita com a lei laboral e as rendas excessivas no sector da energia).

A marcha das falências e dos despedimentos, o aumento galopante do desemprego, a recessão em crescendo, o empobrecimento brutal do país parecem resumir-se a dificuldades dolorosas mas previsíveis e necessárias, que não deveriam impedir-nos de olhar para além do abismo. É pelo menos nisso que aparentam confiar Passos Coelho, Vítor Gaspar e o trio de examinadores estrangeiros das nossas contas.

O défice do primeiro trimestre deste ano foi, afinal, mais do dobro do que o previsto, reflectindo o impacto da retracção económica? É um mero acidente de percurso que não afectará o ajustamento final, assegura Passos. A explosão da bomba-relógio das PPP, revelada no último relatório do Tribunal de Contas, onerando o Estado e os contribuintes durante gerações e beneficiando bancos e concessionários privados? Resposta ‘politicamente correcta’: é outra herança funesta da era socrática, que irá – tal como as restantes – criar problemas tremendos mas não insuperáveis se formos ainda mais longe na aplicação do programa de austeridade.

A conjuntura internacional, as ameaças grega, italiana e espanhola – à qual estamos intimamente expostos –, o risco iminente de colapso da zona euro e a desagregação da própria União Europeia são ‘variáveis’ que Portugal obviamente não controla, mas das quais o nosso Governo parece não querer ouvir falar de todo. Como se pudesse escapar delas limitando-se a cumprir o papel de ‘bom aluno’ e a prosseguir um ajustamento caseiro que lhe evitará a queda nesse abismo invisível para os cegos que nos dirigem.

São cegos mas alguns deles também irreprimivelmente desbocados, como o ministro Relvas ou o ministro-fantasma das privatizações, António Borges. Exilado da Goldman Sachs e do FMI – que continua a pagar-lhe um salário de 225 mil euros isentos de impostos –, Borges acumula agora o trono de privatizador-mor com o de administrador não executivo da Jerónimo Martins. Privilégios e incompatibilidades escandalosas? Nem por sombras. Para Borges, segundo uma entrevista recente, o escândalo está nos salários excessivos (não o dele, claro) que se pagam em Portugal e prejudicam a nossa competitividade…

Relvas e Borges falam demais? Pois falam. Mas antes isso do que o contrário. O desbocamento tem a virtude de revelar – a quem ainda tivesse dúvidas – a duplicidade ética e política que podemos encontrar num Governo de ‘bons alunos’. Se Passos imagina Portugal livre do abismo, talvez devesse esforçar-se, pelo menos, em prevenir o abismo da falta de credibilidade que espreita o seu Governo.

Portugal - Greve: Barcos da Transtejo com supressões nos dias 14 e 18 de Junho




Ana Paula Lima – Dinheiro Vivo – foto de Sandra Brazinha

A Transtejo está a prever perturbações nas ligações fluviais na próxima quinta-feira e na segunda-feira, dia 18, devido a uma greve convocada pelos sindicatos representativos dos trabalhadores da Transtejo e da Soflusa.

Em comunicado, a administração da empresa informa que nos dias 14 e 18 de junho "poderão ocorrer algumas perturbações ou supressões" durante alguns períodos da manhã e da tarde.

A greve vai afetar as ligações durante a manhã, entre as 1:30 horas e as 10:00 horas, e de tarde os problemas devem verificar-se entre as 16:00 horas e estender-se até às 21:30 horas. Em algumas ligações as perturbações vão começar a fazer sentir-se a partir das 20:45 horas do dia anterior.

O grupo salienta, ainda, que "não serão disponibilizados transportes alternativos" e refere que "a existência de transporte fluvial fica dependente da adesão à greve por parte dos trabalhadores", durante os períodos da paralisação.

Enquanto decorrerem as greves os terminais fluviais serão encerrados, por questões de segurança, adianta a empresa.

No comunicado, a administração do Grupo Transtejo, refere que "face a esta situação que ultrapassa a responsabilidade da empresa, lamenta o transtorno causado aos seus passageiros e apela à sua compreensão”.

“SECRETAS”: O SUCEDÂNEO DA PIDE




Catalina Pestana – Sol, opinião

No golpe de Estado, que virou rapidamente Revolução e que teve lugar em 25 de Abril de 1974, só correu sangue frente à sede da PIDE/DGS, na rua António Maria Cardoso.

A polícia política estava disposta a vender caro o seu poder totalitário. Perdeu. Alguns pintaram, um ano depois, frente à casa dos horrores, um painel que evocava os mortos do Dia da Liberdade.

A concepção foi da mãe do André depois, todos os que lá estavam, pintaram um bocadinho para apagar as imagens de horror ligadas àquela casa.

Os militares milicianos da minha família, e outros de carreira que conheci, sempre contaram que a PIDE foi determinante no decorrer da Guerra Colonial. Sem ela a Guerra teria acabado mais cedo, de morte morrida.

Uma polícia política serve para manter regimes totalitários, aos quais é leal.

Trabalha fora das leis, e em Portugal, antes de Abril, tinha tribunais próprios; os famigerados tribunais plenários, que podiam decretar penas de prisão perpétuas, através das medidas de segurança.

Derrotada a ditadura, os militares, enquanto detiveram o poder, chamaram a si o controlo das Secretas. Com regras frágeis, mas simbólicas, estes embriões de agências de informação estavam sediados na segunda divisão.

Os militares que detinham a sua tutela tinham em grande número sido também vítimas da PIDE. Donde, salvo algumas situações de abuso de poder, que lhes estava nos genes, os cidadãos viveram razoavelmente bem com isso.

Quando, em boa hora, o poder foi devolvido aos civis, estes começaram o longo percurso de criação de agências de informação e o povo, que tem memória, gritou nas ruas: «Abaixo a nova PIDE!». O povo tem intuições, embora nem sempre sejam evidentes à primeira vista.

Desde a sua existência em regime democrático que as notícias que nos chegam das Secretas não são securizantes para ninguém que não tenha por objectivo ser senhor, a nível económico, financeiro ou mesmo político, sem se sujeitar ao escrutínio dos votos ou das regras do mercado.

Respigando o blogue «Duas ou três coisas», diz o senhor Embaixador de Portugal em França, Dr. Francisco Seixas da Costa, que «os homens das secretas devem ser cooptados da instituição militar ou da diplomacia, porque têm sempre um lugar de origem onde voltar terminado o seu mandato, e são profissionalmente treinados, para saber como agir patrioticamente sem violar leis e direitos dos cidadãos».

Para não desesperar, subscrevo.

Só que para mim ainda não chega.

As Secretas, se têm que existir, devem depender do único órgão de soberania, cuja eleição é directa e universal – a Presidência da República.

A sua acção deve ser fiscalizada, por um grupo de senadoras e senadores cuja vida dê sinal de possuírem uma ética à prova de bala.

Depois do terramoto, se não queremos ser objecto do gozo internacional, é preciso, e já, juntar os cacos, atirá-los fora e construir de raiz.

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